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2007

Biodiesel e etanol enfrentam problemas


Abril 2007 - 04 abr 2007 - 07:44 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Milho não resolve nosso problema

O mundo fechou um ciclo. Um século atrás nossos primeiros biocombustíveis de transporte -- o feno e aveia que alimentavam nossos cavalos -- eram trocados por gasolina. Hoje, o etanol de milho e o biodiesel de soja começaram a ultrapassar a gasolina e o diesel.

Isto foi aclamado como um desenvolvimento extremamente positivo que nos ajudará a reduzir a ameaça da mudança climática e diminuir nossa dependência de petróleo estrangeiro. Nos círculos políticos, o etanol é o prato do dia, e candidatos presidenciais têm andado exaltando seus benefícios. Perdido na euforia do etanol, porém, está o fato de que três de nossas necessidades mais fundamentais -- alimentos, energia, e um ambiente habitável e sustentável -- estão agora em conflito direto. Além disso, nossas análises recentes dos custos e benefícios de vários biocombustíveis, realizadas na Universidade de Minnesota, apresentam um retrato notadamente diferente e mais nuançado do que foi ouvido na campanha.

Alguns biocombustíveis, se corretamente produzidos, têm o potencial de fornecer energia ecologicamente correta, mas onde e como nós podemos cultivá-los? Nossas terras mais férteis já estão dedicadas à produção de alimentos. Aumentando a demanda por alimentos e energia, a competição por terras férteis pode elevar os preços de alimentos o suficiente para deixar a terça parte mais pobre do globo mal nutrida. A destruição de florestas tropicais e outros ecossistemas para fazer novas terra cultiváveis ameaçaria a existência continuada de espécies de animais e plantas e aumentariam a quantia de dióxido de carbono na atmosfera.

Encontrar e implementar soluções para o conflito entre alimentos, combustíveis e ambiente é um dos maiores desafios da humanidade. Mas soluções não serão nem encontradas nem adotadas até que nós entendamos os problemas interligados que nós enfrentamos.

O uso de combustível fóssil aumentou mais o gás carbônico atmosférico em meio milhão de anos. A população global triplicou no último século e aumentará a metade novamente, para 9 bilhões pessoas, até 2050. O consumo global de alimentos energia fóssil estão em trajetórias para dobrar até 2050.

Biocombustíveis, como etanol feito de milho, têm o potencial para nos fornecer energia mais limpa. Mas por causa de como etanol de milho é feito atualmente, só mais ou menos 20 por cento de cada galão é energia "nova". Isto porque gasta muita "energia fóssil velha” para fazê-lo: diesel abastece os tratores, o gás natural para fazer fertilizante e, claro, combustível para as refinarias que convertem milho em etanol.

Se cada um dos 70 milhões de acres onde o milho era plantado em 2006 fosse usado para etanol, a quantia produzida deslocaria só 12 por cento do mercado de gasolina dos Estados Unidos. Além disso, a energia "nova" (não fóssil) obtida seria muito pequena -- só 2.4 por cento do mercado. Ajustes no carro e pressão de ar adequada nos pneus economizariam mais energia.

Existe outro problema em contar com um biocombustível baseado em alimento, como etanol de milho, como os pobres do México podem atestar. Em meses recentes, preços de milho ascendentes, causado pela demanda de etanol das usinas, dobrou o preço da tortilha, um alimento básico. Dezenas de milhares de pobres da Cidade do México protestaram recentemente contra este “imposto do etanol" nas ruas.

Nos Estados Unidos, os protestos também começaram -- no Congresso. Representantes das indústrias de laticínios, de aves e de gado, que tem o milho como um alimento principal, estão buscando um fim para subsídios para etanol de milho na esperança de estabilizar os preços de milho. (Leva mais ou menos três libras de milho para produzir uma libra de galinha, e sete ou oito libras para uma libra de carne de boi.) As margens de lucro estão pequenas, e os preços de carne estão subindo.

A soja americana, que é usada para fazer biodiesel, pode seguir a trajetória do milho, aumentando o conflito alimentos vs. combustível. O National Biodiesel Board recentemente relatou que 77 usinas de produção de biodiesel estão em obras e que oito plantas prontas estão expandindo a capacidade.

Em termos de impacto ambiental, nem todo biocombustível é criado da mesma forma. O etanol é o mesmo produto químico não importa sua fonte. Mas o etanol feito de grama do prado, de milho cultivado em Illinois e de cana de açúcar plantada em terra recentemente aberta no Brasil têm radicalmente impactos diferentes nos gases estufa.

O milho, como todas as plantas, é uma parte natural do ciclo global de carbono. A plantação crescente absorve gás carbônico da atmosfera, portanto, queimar etanol de milho não cria diretamente qualquer carbono adicional. Mas isto é só parte da história. Todos os combustíveis fósseis usados para cultivar milho e transformá-lo em etanol lança mais gás carbônico e outros gases estufa. O efeito líquido é que o etanol de milho plantado no Corn Belt (Cinturão de Milho, estados produtores de milho) aumenta os gases estufa atmosféricos, e este aumento é só mais ou menos 15 por cento menos que o aumento causado por uma quantia equivalente de gasolina. Biodiesel de soja faz mais, causando um aumento de gás de estufa que é mais ou menos 40 por cento menos que o de diesel de petróleo.

No Brasil, o etanol feito de cana de açúcar produz duas vezes tanto etanol por acre quanto o milho. Refinarias brasileiras de etanol obtêm sua energia da queima dos resíduos da cana, reciclando o carbono de da atmosfera. O benefício ambiental é grande. O etanol de cana de açúcar plantado em terras estabelecidas lança 80 por cento menos gases estufa que gasolina.

Mas isto não é o caso do etanol de cana de açúcar ou biodiesel soja de terras abertas recentemente no Brasil, inclusive florestas e savanas tropicais. Desmatar e preparar a terra lança quantias imensas de gases estufa no ar, porque muito do material nas plantas e terra é transformado em gás carbônico.

As plantas e solo contêm três vezes mais carbono que a atmosfera. As árvores e solo de um acre de floresta tropical -- que, uma vez abertos, estão prontos para plantar soja -- contêm mais ou menos 120 toneladas de carbono orgânico. Um acre de floresta ou savana tropicais, apropriada para cana de açúcar, contém mais ou menos metade desta quantia. Quase um quarto do carbono em um ecossistema é lançado para a atmosfera como gás carbônico quando árvores são derrubadas, galhos e ramos são queimados ou e as raízes apodrecem. Até mais é perdido durante os primeiros 20 a 50 anos de plantio, já que o carbono do solo se decompõe em gás carbônico e os produtos de madeira são queimados ou apodrecem.

Isto significa que quando uma floresta tropical é derrubada para produzir cana de açúcar para etanol, o gás estufa lançado é mais ou menos 50 por cento maior que o que provém da produção e uso da mesma quantia de gasolina. E essa estatísticas permanece por pelo menos duas décadas.

Simplesmente ser "renovável” não faz um combustível automaticamente melhor para a atmosfera que o combustível fóssil que ele substitui, nem garante que a sociedade ganhe qualquer nova energia por sua produção. A União Européia ficou recentemente chocada ao saber que um pouco de seu biodiesel importado, derivado de árvores de palma plantadas em florestas tropicais, era mais que duas vezes tão ruim para aquecimento global quanto o diesel de petróleo. Esses os "benefícios" do biodiesel.

Embora o etanol brasileiro atual seja ambientalmente amigável, as implicações ambientais em longo prazo de comprar mais etanol e biodiesel do Brasil, uma possibilidade levantada recentemente durante a viagem do Presidente Bush para aquele país, são obscuras. Podia ser prejudicial para tanto o clima e a preservação de plantas tropicais e espécies animais se envolvesse, diretamente ou indiretamente, mais destruição de ecossistemas nativos.

As preocupações sobre os efeitos ambientais da produção de etanol estão começando a serem sentidas também nos Estados Unidos. Parece que os fazendeiros americanos podem aumentar 10 milhões de acres de milho este ano para suprir a demanda intensiva por etanol. Parte desta terra podia vir de milhões de acres agora separados em âmbito nacional para conservação sob um programa subsidiado pelo governo. Aqueles acres não cultivados absorvem carbono atmosférico, então cultivá-los e transformar o milho em etanol poderia lançar mais gás carbônico no ar que queima de gasolina.

Existem plantações energéticas que podem ser cultivadas com muito menos energia e substâncias químicas que as plantações de alimentos que nós atualmente usamos para biocombustíveis. E eles podem ser plantados em nossa terra menos fértil, especialmente terras que foram degradadas pela agricultura. Isto diminuiria a competição entre alimentos e biocombustíveis. Os Estados Unidos tem mais ou menos 60 milhões de acres de tais terras -- no Programa de Conservação de Reserva, terras próximas a estradas e terras de cultivo abandonadas.

Em uma experiência de 10 anos relatada na revista Science de dezembro, nós exploramos quanta bioenergia podia ser produzida por 18 espécies diferentes de plantas de pradaria nativas plantadas em terras altamente degradadas e infecundas. Nós plantamos 172 lotes em Minnesota central com várias combinações destas espécies, escolhidas ao acaso. Nós descobrimos, neste solo altamente degradado, que os lotes plantados com misturas de várias espécies perenes de pradaria nativa rendeu 238 por cento mais bioenergia que aqueles plantados com uma espécie única. A alta diversidade de plantas levou à produtividade alta, e eram necessário pouco fertilizante ou inseticida químico.

O feno de pradaria plantado nestes lotes pode ser usado para produzir fontes de energia de alto valor. Por exemplo, pode ser misturado com carvão e queimado para geração de eletricidade. Pode ser "gaseificado," e então combinado quimicamente para fazer etanol ou gasolina sintética. Ou pode ser queimado em um motor de turbina para fazer eletricidade. Uma técnica que está tendo rápido desenvolvimento envolve bioengenharia de enzimas que digerem partes de plantas (celulose) em açúcares que são então fermentados em etanol.

Se transformada em eletricidade, etanol ou gasolina sintética, o feno de alta diversidade de terra infértil produziu tanto ou mais energia nova utilizável por acre que o milho para etanol em terra fértil. E pode ser colhido ano após ano.

Até mais assombroso eram os benefícios dos gases estufa. Quando misturas de alta diversidade de plantas nativas são plantadas em terras degradadas, elas removem o gás carbônico do ar. Muito deste carbono acaba armazenado na terra. Em essência, misturas de plantas nativas gradualmente restabelecem os níveis de carbono que degradaram terras antes de ser devastadas e cultivadas. Este benefício dura mais ou menos um século.

Através do processo completo de cultivo do feno de pradaria de alta diversidade, transformando em uma fonte de energia e usando essa energia, nós encontramos uma remoção e armazenamento líquido de cerca de uma tonelada e meia de gás carbônico atmosférico por acre. O efeito líquido é que o etanol ou gasolina sintética produzidos desta grama em terra degradada pode fornecer energia que realmente reduz os níveis atmosféricos de gás carbônico.

Quando um destes biocombustíveis carbono-negativo é misturado com gasolina, a mistura resultante lança menos gás carbônico que gasolina comum.

Os biocombustíveis, se usados corretamente, podem nos ajudar a equilibrar nossa necessidade de alimentos, energia e um ambiente habitável e sustentável. Para ajudar isto acontecer, entretanto, nós precisamos de uma política nacional de biocombustíveis que favorece nossas melhores opções. Nós devemos determinar os impactos do carbono de cada método de produção destes combustíveis, e então obrigar uma mistura de combustível de que alcance uma redução pré-estabelecida de gás estufa. Nós temos o conhecimento e tecnologia para começar a resolver estes problemas.

David Tilman é um ecologista da Universidade de Minnesota e membro da Academia Nacional de Ciências.
Jason Hill é um pesquisador associado do Departamento de Economia Aplicada da Universidade de Minnesota.

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Fonte: Washington Post