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2005

O petróleo sai de cena


BiodieselBR - 31 jan 2006 - 23:00 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

O biodiesel deixa o papel de coadjuvante e promete aposentar os combustíveis fósseis

Sobre uma fila de caminhões e carros paira uma nuvem de fuligem e gases tóxicos que ameaça a saúde humana e a do planeta. Essa é uma cena comum nas metrópoles do Brasil e do mundo, produto de uma sociedade dependente dos combustíveis fósseis. Até aí, você já leu esse discurso diversas vezes. Porém, esse quadro funesto pode mudar com a utilização em larga escala do biodiesel. Guarde esse nome. Alcançado a partir de óleos vegetais e animais, esse combustível polui muito pouco e não emite enxofre, um dos ingredientes da chuva ácida. Ele é renovável, obtido a partir de matérias-primas oleaginosas como grãos, gorduras vegetais e até óleo de fritura usado. Pode ser utilizado como um aditivo do diesel de petróleo, sem grandes adaptações nos veículos, ou isoladamente - nesse caso, pede a substituição de algumas peças de borracha no motor.

Após um século de dominação mundial do petróleo, o biodiesel finalmente encontra um lugar sob os holofotes. Ele é uma mistura de ésteres, compostos orgânicos formados por um ácido e um álcool, obtido em um processo chamado de transesterificação.

Seu potencial levou o governo federal a lançar em 2002 o Probiodiesel - Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico de Biodiesel. A gestão atual comprou a idéia e hoje esse projeto interministerial pretende usar o produto não apenas como uma maneira de reduzir índices elevados de poluição, mas para impulsionar planos de inclusão social. A contradição é que só estamos aproveitando agora uma tecnologia que existe no país desde a década de 1970. Na época foi concedida a primeira patente de biodiesel - hoje expirada - a um brasileiro, o cearense Expedito Parente, que desenvolveu a técnica. Mas quem comprou a idéia de fato foram os estrangeiros: os europeus aderiram ao biodiesel, assim como os americanos e os japoneses. Há no Brasil iniciativas isoladas, muitas em caráter experimental, como forma de recuperar o tempo perdido. Antes tarde do que nunca.

O biodiesel é conhecido desde 1895, quando o engenheiro francês Rudolf Diesel (1858-1913), o criador do motor com ignição a compressão que leva o seu nome, iniciou as pesquisas para utilização de subprodutos do petróleo como combustível para sua invenção. Em 1900, durante a Feira Mundial de Paris, ele utilizou óleo de amendoim para movimentar seu invento. 'O motor a diesel pode ser alimentado com óleos vegetais e ajudar o desenvolvimento dos países que o utilizam', disse na época o engenheiro.

Após um século de dominação mundial do petróleo, o biodiesel finalmente encontra um lugar sob os holofotes. Ele é uma mistura de ésteres, compostos orgânicos formados por um ácido e um álcool, obtido em um processo chamado de transesterificação. A lista de candidatos a matéria-prima é extensa, de canola e pequi a óleo de peixe e sebo bovino. Também é possível utilizar graxa de esgotos e da indústria, assim como óleo usado em frituras.

É o que tem sido pesquisado pelo Ladetel (Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas), do Departamento de Química da USP em Ribeirão Preto. Em uma parceria com a cadeia de fast food McDonald's, o óleo de fritura utilizado nas lanchonetes em todo o Estado de São Paulo é coletado e enviado para o laboratório, onde é transformado em biodiesel. A mesma equipe desenvolveu o primeiro biodiesel de origem 100% vegetal, ao usar álcool de cana no lugar de metanol, um derivado do petróleo, como reagente na queima do óleo vegetal. Esse óleo vegetal é retirado de sementes oleaginosas e, grosso modo, nenhuma é menos adequada do que outra. Nesse sentido, o Brasil tem uma vantagem competitiva em relação aos países europeus pois possui grandes áreas cultiváveis e espécies de plantas que variam conforme a região (leia quadro à esquerda).

De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o país necessita anualmente de 37,5 bilhões de litros de diesel para suprir o mercado interno. Aproximadamente 5,3 bilhões de litros são importados atualmente. 'Isso significa uma evasão de divisas na ordem de US$ 1,5 bilhão de dólares a cada ano', afirma o deputado Ariosto Holanda (PSDB-CE), relator do projeto 'Biodiesel e Inclusão Social' no Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara. Por outro lado apenas um hectare de mamona produz, em um ano, uma tonelada das sementes que, depois de processadas, geram 450 litros de biodiesel. Segundo o deputado, metade do combustível consumido no país pode ser provido pelo cultivo dessa planta em pequenas unidades agrícolas familiares.


A Natureza Agradece 

Porém, é principalmente a vantagem ambiental que tem feito os países europeus, mais comprometidos com a redução de gases-estufa na atmosfera, investirem pesado no biodiesel. Na Alemanha, mais de mil postos oferecem o biocombustível puro para que o motorista o misture na proporção que desejar. O governo francês o utiliza para abastecer a frota de ônibus que roda o país.

Isso porque a queima do biodiesel gera menos gases poluentes, sem perda de rendimento do motor. Foi constatada uma redução de 48% de monóxido de carbono em comparação com a emissão resultante da queima do diesel. O mesmo vale para o material particulado, a boa e velha fuligem - 26% a menos. A emissão de enxofre é nula.

A queima do biodiesel gera menos gases poluentes, sem perda de rendimento do motor.

Mesmo misturado no diesel tradicional em níveis reduzidos, as vantagens são significativas. 'Há a intenção de começar a distribuição no Brasil em proporção B5 [5% de biodiesel]', explica o professor aposentado Expedito Parente, que coordena atualmente a TecBio, empresa especializada no setor. 'Essa já é uma quantidade que provocaria um impacto enorme, pois representaria 2 bilhões de litros a menos de diesel sendo queimado no Brasil todos os anos.'

Já a diferença de emissão de dióxido de carbono (CO2), conhecido vilão do efeito estufa, não é tão clara. Entretanto, Parente defende que as plantações de matérias-primas desequilibram a balança a favor do biocombustível. 'A quantidade de biodiesel produzida em um hectare de mamona emite uma tonelada de CO2, enquanto esta plantação absorve até oito toneladas da atmosfera', diz.

Essas vantagens, segundo ele, deveriam levar o biodiesel ao patamar de prioridade nas políticas públicas. Porém, é preciso estabelecer uma logística de distribuição eficaz para atender à demanda, que contemple o grande e o pequeno produtor - o qual utiliza unidades seriadas locais. O biodiesel ainda é mais caro que o diesel do petróleo: custa cerca de quatro vezes mais . Para virar o jogo e manter o foco na inclusão social, como defende o deputado Holanda, é preciso criar uma reserva de mercado que contemple as regiões pobres e desenvolver financiamentos específicos para essa fatia do setor produtivo. Uma tarefa árdua, uma vez que grandes corporações avançam sobre o cultivo das oleaginosas. Nesse sentido, o Probiodiesel pode acabar seguindo os passos do Proálcool, que estimulou o cultivo em larga escala do setor açucareiro.

 



De Grão em Grão

As dimensões continentais do Brasil permitem o cultivo de diversas oleaginosas que serviriam como matéria-prima para o biodiesel. Essa característica regionalista é focada no Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico de Biodiesel, coordenado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. A soja (com 18% de teor de óleo), por exemplo, possui presença forte no Sul e Centro-Oeste; no Norte, o dendê (com 20%) faz parte da economia local e, no Nordeste, a mamona (48%) apresenta penetração na região do semi-árido. Esses três itens, e outros como o amendoim, a canola, o girassol, a palma e o babaçu, são ingredientes que atendem às especificações técnicas, adequados para a produção de biodiesel de qualidade e em grande quantidade.

 

processo biodiesel
1 Águas servidas 9 Ólesos e gorduras residuais de esgotos
2 Óleos e gorduras 10 Refinação do óleo residual
3 Mão-de-obra e insumos 11 Refinação do óleo bruto
4 Animais vivos 12 Processo de extração com água quente
5 Extração de tratamento de esgotos 13 Óleos e gorduras para biodiesel
6 Frituras comerciais e industriais 14 Processo de produção
7 Lavouras e plantios de oleaginosas 15 BIODIESEL
8 Abatedouros e frigoríficos 16 GLICERINA