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Retrospectiva 2007: Alimentos x biocombustíveis


BiodieselBR.com - 13 jan 2008 - 16:26 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Apontados como os culpados pela alta desenfreada nos preços dos alimentos, e acusados até de contribuírem para o aquecimento global que deveriam ajudar a combater, os biocombustíveis tiveram de enfrentar em 2007 alertas da Organização das Nações Unidas, críticas de um cientista premiado com o Nobel e até o destempero do presidente venezuelano Hugo Chavez, que aproveitou a visita do presidente norte-americano à América Latina em março para disparar: "Pretender substituir a produção de alimentos para animais e seres humanos pela produção de alimentos para veículos para dar sustentação ao american style of life é uma coisa de loucos."

Os ataques em série se intensificaram a partir de maio, quando órgãos da ONU começaram a divulgar documentos advertindo para o fato de que, a tecnologia que promete combater o efeito estufa acabaria causando fome e destruição de habitats. Durante três meses seguidos – maio, junho e julho – relatórios vindo da organização sugeriram que a crescente demanda por biocombustíveis pode provocar a escalada dos preços internacionais de alguns alimentos, alta puxada pelos preços de importação de grãos e óleos vegetais, usados em grande escala na produção de biocombustíveis - sobretudo nos derivados de milho.
 
Em apenas uns dos levantamentos divulgados a “culpa” pela ameaça de fome no mundo foi dividida com outras causas. O relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da FAO que previu, em julho, aumento contínuo de preços nos próximos dez anos, considerou não só a demanda por biocombustíveis mas também as mudanças climáticas, que provocaram secas e queda na produção, e o aumento do consumo, vindo principalmente da demanda chinesa.

Preocupado em defender os interesses do Brasil, tido como futura potência em biocombustíveis, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu oportunidades de, em seus discursos pelo mundo, ressaltar que pelo menos aqui os investimentos em combustíveis renováveis não prejudicarão a produção de alimentos nem colocará em risco as florestas do país. "O Brasil, com 383 milhões de hectares agricultáveis, pode conciliar a produção de alimentos, a produção de biocombustíveis e a defesa de nossas florestas”, enfatizou durante visita ao presidente George W. Bush, nos Estados Unidos, em março.

 Se no Brasil a situação parece estar sob controle, no resto do mundo a briga alimentos x biocombustíveis pegou fogo em 2007, especialmente na União Européia.


Se no Brasil a situação parece estar sob controle, no resto do mundo a briga alimentos x biocombustíveis pegou fogo em 2007, especialmente na União Européia. Em março, o bloco aprovou o aumento da adição de combustíveis renováveis aos derivados de petróleo. A mistura de 5,75% de etanol na gasolina e de biodiesel no diesel era a meta até 2010, mas esse índice vai obrigatoriamente atingir 10% em 2020. Para atender a essas demandas, o bloco terá que reservar, em 2010, 22,7% de sua área agricultável para produzir grãos destinados a biocombustíveis. Em 2020, a área para agroenergia terá de ocupar 38,4% das lavouras européias para atender à demanda doméstica.

O problema é que o continente não tem tanta área disponível para expandir o plantio de grãos destinados aos biocombustíveis, como mostrou um estudo do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial (Pensa), vinculado à Fundação Instituto de Administração (FIA/USP), baseado em dados da FAO.

Segundo o levantamento, divulgado em abril, nos 14 países de maior área agrícola no mundo, 49% das terras agricultáveis ainda estão disponíveis para plantio. Poucos, contudo, têm potencial para expandir fortemente o cultivo de grãos, de forma que a oferta possa atender à simultânea - e crescente - demanda das áreas de alimentos e biocombustíveis. A exceção seria apenas o Brasil.

Mas em julho os defensores dos biocombustíveis reagiram, com a divulgação do primeiro estudo rebatendo o argumento de que os biocombustíveis são uma ameaça à segurança alimentar. Realizado pela própria União Européia, a pesquisa sugeriu que um aumento no consumo de biocombustíveis nos 27 países do bloco não faria subir o preço final dos alimentos e não distorceria o mercado internacional. "Estamos de acordo em que o preço dos grãos subirá. Mas eu afirmo que isso não se refletirá no preço final dos alimentos", explicou Wolfgang Munch, autor do estudo europeu.

Munch ressaltou que FAO e OCDE não levam em conta fatores que equilibrariam a ascensão no preço dos grãos e, paralelamente, impediriam que fosse transferida para os custos de criação animal. O pesquisador citou o fato de a produção de biocombustíveis a partir de sementes oleaginosas dar origem a um subproduto usado na alimentação de animais. “Então, se por um lado a ração a base de grãos ficará mais cara, por outro lado a ração a base de oleaginosas ficará mais barata, porque a maior produção de biocombustíveis aumentará a oferta desse subproduto”, ponderou.

Segundo o especialista, a pasta de canola custa atualmente 60% menos em relação há dois anos. "O mesmo acontecerá com a soja no futuro. O preço da semente aumentará, mas óleo e pasta obedecerão o caminho contrário. Haverá tanta quantidade desses subprodutos que talvez os fazendeiros até recebam incentivos para usá-los", estima.

Outros argumentos vieram em socorro dos combustíveis renováveis e deram novas explicações para as mudanças nos preços. Em setembro, o diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações (Icone), André Meloni Nassar, apresentou outra explicação para o aumento de preços, em um artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo. “Não tenho dúvida de que houve uma mudança nos patamares de preços. As razões, no entanto, não são o crescimento da demanda, tampouco a competição alimentos-biocombustíveis. A razão central é o aumento dos custos, em especial dos fertilizantes, insumos mais sensíveis aos preços do petróleo e às cotações dos fretes internacionais,” escreveu.

Mas o ano terminou com os biocombustíveis sob ataque. Em dezembro, especialistas fizeram um apelo para que o mundo desacelere o desenvolvimento de biocombustíveis e aumente os investimentos em agricultura para evitar graves problemas de alimentação que ameaçam os mais pobres. "O sistema mundial alimentar tem problemas. Os preços dos alimentos aumentaram nos últimos meses como nunca em 30 anos, atingindo em cheio os mais desfavorecidos", declarou o diretor-geral do Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares (IFPRI), Joachim von Braun, ao apresentar em Pequim um relatório elaborado por sua organização.

Segundo as projeções do instituto com base nos planos atuais de desenvolvimento de bioenergia, o preço do milho poderia aumentar 26% até 2020, e o das oleaginosas, 18%. Segundo o instituto, sem medidas eficazes, a crise deve perdurar: "o mundo está comendo mais do que está produzindo. Estamos reduzindo nossos estoques. Em breve, haverá um esgotamento", alertou Braun.

Outros ataques

Além da polêmica alimentos x biocombustíveis, o ano também foi marcado pelas declarações de ambientalistas e cientistas preocupados com os danos que os biocombustíveis possam causar ao meio ambiente.

Em fevereiro, o jornal espanhol El País, publicou uma reportagem em que afirmava que a demanda por soja para a fabricação de biodiesel ameaça acelerar o desmatamento da Amazônia brasileira. O jornal reproduziu declarações de um ambientalista brasileiro de que o cultivo da soja "está invadindo não somente o cerrado, como já está começando a comer parte da Amazônia, com o agravante de que o monocultivo da soja não só destrói a selva, mas também acaba expulsando comunidades inteiras de agricultores familiares, acrescentando a miséria às populações dessas áreas".

Pouco depois, o Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) advertiu para a forte probabilidade de que, dentro de 20 anos, 60% da população mundial enfrente problemas com escassez de água por causa dos novos investimentos em pesquisa e produção de combustíveis como o etanol e o biodiesel.

O temor é de que, por mais que se desenvolvam tecnologias que aumentem a produtividade da lavoura e a eficiência das máquinas, dificilmente esse crescimento da produção ocorrerá sem expansão da área plantada e sem aumento da irrigação.

Outra organização internacional, a Friends of the Earth, estima que 87% do desmatamento na Malásia ocorrido entre 1985 e 2000 foi provocado pelo crescimento de culturas de palma (dendê), usada para produção de biodiesel. E advertiu para os estragos que serão causados pela expansão da produção de matérias-primas destinadas à obtenção de combustíveis verdes.

Em setembro veio o ataque mais contundente. Segundo um estudo publicado na revista “Atmospheric Chemistry and Physics”, os biocombustíveis que usam sementes de canola e milho produzem entre 50% e 70% mais gases estufa que os combustíveis fósseis. Além disso, o estudo afirmou que as moléculas de óxido de nitrogênio liberadas pela queima do biocombustível são consideradas 296 vezes mais potentes como gás estufa que o dióxido de carbono (CO2). A pesquisa chamou mais atenção ainda pelo fato de um dos autores ser o Nobel de Química Paul Crutzen (1995). (RM)