Não podemos esperar a próxima crise, diz Adriano Pires
No Brasil, escrever sobre política de preços dos combustíveis é muito difícil, pelo fato de envolver muita ideologia e pouca ou nenhuma racionalidade. O debate existiu quando Brasil era um importador e continua agora quando somos exportadores de petróleo. Qual a explicação? Está na ideia que foi incutida na cabeça dos brasileiros de que O Petróleo é Nosso.
A criação da Petrobras no início da década de 50 tinha por objetivo transformar o Brasil num grande produtor de petróleo. Mas isso não ocorreu e passamos a ser o único país no mundo que tinha uma empresa monopolista de um produto importado, nas palavras de Roberto Campos. Diante dessa realidade, no início da década de 60 estendemos o monopólio da Petrobras para o segmento de refino e de importação de derivados.
Durante os anos 50 e 60 não tivemos grandes oscilações no preço do petróleo, ao contrário, foram anos de petróleo abundante e barato. Só a partir dos anos 70 com a Opep percebendo a importância do petróleo para a manutenção do crescimento econômico, criou-se as condições para o primeiro choque do petróleo em 1973, quando os preços quadruplicaram. Nesse momento, no Brasil vivíamos o milagre econômico e claro tínhamos de evitar que esse choque interferisse na nossa trajetória de crescimento.
A solução encontrada foi a criação da chamada conta petróleo. E como funcionava a Conta Petróleo? Simples, a diferença entre o preço internacional do petróleo e aquele que o governo achava justo o consumidor pagar era colocado no balanço da Petrobras como contas receber. Isso num contexto, onde a Petrobras era monopolista da importação de petróleo e derivados. Do ponto de vista, do acionista havia o conforto de estar registrado no balanço a perda, mas a participação de acionistas privados era muito pequena e não havia ações da Petrobras nas bolsas internacionais.
A Petrobras só abriu capital na bolsa de Nova York em 1999. Os valores da conta petróleo, nunca conseguiram ser devidamente contabilizados e só terminou com abertura do mercado de petróleo através da Lei 9478/97 que acaba com o monopólio da Petrobras. No momento de transição (1998/2001) foi criada a Parcela de Preço Especifica (PPE) para prepararmos o país para preços livres nas refinarias. Nesse momento, a regra era reajustar os preços dos combustíveis todo início de mês em função do preço do mercado internacional e do câmbio. O período de transição foi sem crises pelo fato de não ter ocorrido grandes volatilidades do preço do petróleo. Em 2002 a PPE é substituída pela CIDE que tinha o papel de ser um colchão para possíveis aumentos do preço do petróleo. A CIDE nunca foi usada para essa função. É bom lembrar que no governo Itamar e FHC o vale gás foi uma tentativa frustrada.
Com a descoberta do pré-sal e com a elevação do preço do petróleo, o governo Dilma resolveu intervir nos preços dos combustíveis e provocou um rombo de 40 bilhões de dólares no caixa da Petrobras. No governo Temer se gastou 18 bilhões de reais para atender os caminhoneiros e agora no governo Bolsonaro a discussão volta e já provocou a saída do presidente da Petrobras. Conclusão o problema é recorrente e as soluções encontradas foram todas decepcionantes.
Existe solução para conciliar os interesses entre os acionistas da Petrobras e os consumidores brasileiros? Somos produtores de petróleo e quando o preço do barril cresce e o real se deprecia arrecadamos mais royalties. Com isso, a solução passa pela criação de um fundo de estabilização para os preços, exclusivamente, do diesel usando as receitas extras dos royalties. O imposto de exportação do petróleo não é a melhor forma de arrecadar recursos para o fundo. Porque vai desestimular a produção de óleo e gás e vai criar condições desfavoráveis para a atração de empresas para os leilões de petróleo. No caso do gás de cozinha que é um problema social a solução não é o fundo e sim uma tarifa social como existe no setor elétrico.
Caso esses conceitos sejam aceitos o passo seguinte será como operacionalizar. Não é fácil nem simples, mas não podemos e não devemos esperar a próxima crise ou pior mais uma vez cair em propostas populistas acreditando que O Petróleo é Nosso.
Quanto a questão de impostos, concordamos com a necessidade de mudança na metodologia e passar a cobrar o ICMS num valor fixo reais/litros como o Pis/Confins e a arrecadação passar a ser na refinaria. Isso possibilitaria reduzir a sonegação que hoje é algo como R$21 bilhões/ano, daria maior transparência e simplificaria a arrecadação. Porém, mudar a sistemática de cálculo dos impostos não tem nada a haver com redução dos preços, como muitos preconizam.
Adriano Pires é doutor em economia industrial pela Universidade de Paris XIII, atua há mais de 40 anos na área de energia. Atualmente é sócio diretor do CBIE