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Negócio

Acordo entre Opep e aliados evidencia horizonte crítico do setor no Brasil


Exame - 13 abr 2020 - 10:36 - Última atualização em: 28 mai 2021 - 09:47

O acordo de cortes de produção entre membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados, como Rússia e México, acertado na tarde deste domingo, 12, evidencia um problema que a indústria global não pode mais adiar: a perda de poder do setor e os efeitos negativos nas economias dos países produtores. No Brasil, os impactos não se limitam às empresas e devem incidir, inclusive, nos planos de arrecadação do governo.

Em mais uma reunião (virtual) encabeçada por Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos, grandes produtores de petróleo decidiram reduzir a oferta global em cerca de 10 milhões de barris por dia (bpd) de 1º de maio a 30 de junho.

Posteriormente, o corte será de 8 milhões de bpd até o final de 2020 e, de 6 milhões, até abril de 2022, em “um passo significativo para deter a velocidade com que a indústria global de petróleo caminhava para o colapso total”, disse o cartel em nota.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, participou da reunião. Segundo comunicado da pasta, ele afirmou aos outros ministros de energia que, por questões legais, “o governo brasileiro não tem influência sobre o mercado”, sendo apenas responsável pelas políticas públicas do setor.

Ele reiterou durante a conversa que a Petrobras já havia anunciado um corte de produção de 200 mil bpd, o equivalente a 20% das exportações da commodity no país.

O problema é que a decisão apenas evidencia inúmeros desafios que o setor vem tentando superar. Há alguns anos, a indústria petrolífera vem registrando aumento substancial da sua capacidade de produção, puxado sobretudo pelo avanço do shale gas nos Estados Unidos e outros tipos de extração não-convencional – o que inclui o pré-sal do Brasil e as areias betuminosas do Canadá.

O crescimento da demanda, porém, não acompanhou a velocidade de incremento da oferta.

Com o novo coronavírus, a situação do setor piorou ainda mais. Em nenhum momento da história da indústria petrolífera, houve choque de oferta e de demanda ao mesmo tempo.

Segundo projeções da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), em 2020 o consumo de petróleo deve cair pela primeira vez em mais de dez anos.

“O acordo da Opep e aliados não é suficiente para impedir uma crise no setor, mas é importante para preservar o caixa das empresas e garantir o futuro da indústria”, afirma Juarez Fontana, analista da Argusplat Consultoria especializada na área.

Para o especialista, ainda é difícil estimar a magnitude da queda do consumo neste ano, o que deve impactar toda a atividade petrolífera. “Os investimentos em óleo e gás vão ficar muito mais seletivos daqui para frente.”

Ele lembra que os últimos grandes leilões de petróleo no Brasil, em novembro do ano passado, despertaram somente o interesse da Petrobras e de duas petroleiras chinesas, um sinal de que os investidores já andavam mais seletivos.

“Ninguém sabe como a economia mundial vai se comportar no período pós-pandemia. As cifras destinadas à indústria do petróleo devem ser revisadas permanentemente”, avalia.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) anunciou, em março, a suspensão temporária da 17ª Rodada de Licitações de áreas para exploração e produção de petróleo e gás natural (no regime de concessão), em mais um desdobramento da crise do coronavírus.

“A maior parte dos investimentos em petróleo ficará suspensa, por enquanto, para que as empresas possam sobreviver a esse período”, afirma Jan-Jacob Verschoor, diretor da Oil Analytics Consultoria, de Londres.

Em um horizonte de queda dos preços do petróleo, a arrecadação de royalties despenca, os municípios e estados produtores enfrentam perda de receita, a cadeia de fornecedores sofre fortemente e os ativos do setor também tendem a se desvalorizar.

“O governo brasileiro terá que reprogramar os leilões, sob o risco de vender ativos a preços muito baixos”, diz Fontana.

Desinvestimentos

O mesmo vale para a Petrobras, que pretendia vender 8 refinarias a partir deste ano para levantar de 10 bilhões a 15 bilhões de dólares. Em teleconferência com analistas, Roberto Castello Branco, presidente da estatal, disse no final de março que a companhia não vai vender ativos “a qualquer preço”.

Embora a afirmação faça sentido, a petroleira tem como meta reduzir o endividamento e pagar investimentos recentes – como áreas no excedente da cessão onerosa – para garantir a produção no pré-sal no médio e longo prazo. Neste contexto, não ficou claro como a companhia deve tocar seus projetos daqui para frente.

“Ninguém vende ativos em época de baixa, não seria inteligente. No setor de petróleo, todos os processos de desinvestimentos terão que ser revistos, até a venda de refinarias”, avalia Fontana. “Faz mais de um século que a indústria petrolífera global não se vê diante de uma crise como essa.”

Procurada, a Petrobras informou que não vai comentar o assunto.

Juliana Estigarribia – Exame