O Brasil no futuro da energia veicular
É absolutamente certo que os veículos do futuro serão silenciosos, dotados de motores elétricos não poluentes, que usarão hidrogênio para gerar energia e este gás será obtido de modo ambientalmente correto e sustentável. Porém existe um enorme deserto a se cruzar entre a realidade que hoje vivemos e este mundo perfeito de amanhã. A frota que usa derivados de petróleo continua crescendo e a indústria automobilística mundial, por falta de opções economicamente ou tecnicamente viáveis, continua a fabricar 65 milhões de veículos por ano com motores de combustão interna, ecologicamente poluentes e termodinamicamente pouco eficientes, porém confiáveis e acessíveis. Ou seja, em vez de diminuir o consumo de petróleo, a humanidade está indo na direção contrária. A única exceção neste panorama atualmente é o Brasil.
Nosso País produz para o mercado interno 1,5 milhão de carros que, como o dos outros países, são dotados de motores de combustão interna, mas adaptados para queimar álcool puro ou gasolina misturada com mais de 20% de álcool. Mesmo para os motores diesel, usados em caminhões e ônibus, já é previsto o uso de óleo diesel contendo de 2% a 5% de óleo vegetal, sendo que no futuro este teor irá aumentar.
Assim, estamos constituindo uma frota mais independente da necessidade de petróleo e que tem permitido ao País fazer significante economia de divisas e a melhor se preparar para atravessar o deserto. Enquanto as montadoras e a comunidade científica internacional trabalham para desenvolver o veículo do futuro, o Brasil está minimizando suas necessidades de derivados de petróleo e provavelmente muitos outros países vão seguir este mesmo caminho.
Nossa posição não foi conseguida de graça nem de imediato. Há 30 anos, frente a uma situação momentânea internacional de forte redução na oferta de petróleo, se fez opção por alteração da nossa matriz energética. Desde então, alternando momentos positivos e negativos, pesquisadores, produtores de álcool, indústria automobilística, de componentes etc., têm trabalhado para atingir esta posição atual. Sem dúvida, o lançamento em março de 2003 dos veículos flex fuel, popularmente chamados de bicombustíveis, foi marco histórico na nossa matriz energética e um ponto de inflexão no mercado de combustíveis alternativos. Após vários anos do sucesso do Proálcool, quando 5 milhões de veículos foram produzidos até 1992, a indústria brasileira produziu em três anos 1,5 milhão de veículos flexíveis. Hoje, sete fabricantes oferecem mais de 70 modelos flex a preço equivalente ao de similares convencionais.
Não é só a questão do preço e a preocupação com o esgotamento das reservas que têm levado pesquisadores de todo o mundo a procurar alternativas para os derivados do petróleo. Desde que se descobriu que a temperatura da Terra cresce por culpa dos gases resultantes da queima dos combustíveis fósseis, a comunidade científica busca outra fonte de energia veicular que possa ser usada sem aumentar o aquecimento global. E, mais uma vez, os combustíveis renováveis produzidos a partir da biomassa, entre eles o álcool, ganha papel importante.
Portanto, pode-se imaginar brevemente o surgimento de um mercado internacional de combustíveis renováveis, criando alternativas sócio-econômicas para muitos países e alternativas energéticas para outros, pelo menos até que se desenvolva um novo conceito de veículo, mais limpo, acessível, confiável, para ser produzido em larga escala . E quais são as novas tecnologias mais promissoras em desenvolvimento?
Todos os estudos em andamento apontam para um mesmo caminho, que é o do uso de motores elétricos, pois são eficientes, silenciosos, potentes, não emitem poluentes e são simples. Porém são duas as questões ainda em aberto: como gerar a energia elétrica para movimentar o motor de modo seguro e não poluente - o que passa pela análise dos riscos que envolvem usinas nucleares ou térmicas - e como levar a bordo esta energia de uma forma que não seja a conhecida e pesada bateria.
Como se pode observar, o Brasil continua um País privilegiado no futuro da tecnologia veicular, pois o uso de álcool já sabemos como fazer. Juntando-se tudo, temos um quadro bastante promissor.
Estamos substituindo nossa frota de veículos por automóveis flexíveis, que podem usar gasolina ou álcool, o que nos permite flutuar de um combustível para outro conforme os preços e a disponibilidade. Também estamos introduzindo o óleo vegetal misturado ao óleo diesel, o que reduzirá nossa dependência do petróleo na medida que a produção deste biodiesel atingir escala suficiente. Apesar de mais atrasados, outros países também estão seguindo caminhos semelhantes, o que levará a um mercado internacional de combustíveis renováveis, dando ao Brasil mais segurança energética e abrindo espaço para novos desenvolvimentos. Portanto, ao contrário dos países que temem pelo futuro, o Brasil aguarda a oportunidade de poder melhor usufruir sua matriz energética.
Henry Joseph Jr. - presidente da Anfavea