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Entrevista Expedito Parente: sol é a energia do futuro


SRZD - Sidney Rezende - 27 jun 2007 - 08:16 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Depois de sua palestra em Belo Horizonte, Minas Gerais, sobre a importância dos biocombustíveis para um planeta doente como a Terra, o engenheiro químico Expedito Parente foi abordado por uma criança. Milene Araújo, de 11 anos, entregou ao orador um desenho em que o globo terrestre pingava de suor. Abaixo, lia-se em letras infantis: “A Terra está com febre, use biodiesel”. Bastou isso para que o brasileiro de 66 anos caísse em lágrimas. Criador do combustível alternativo que está ganhando o mundo, Parente esperou mais de 20 anos para ver seu projeto ganhar visibilidade.

Ao criar e patentear o biodiesel e bioquerosene – para aviões – no início da década de 80, o ex-professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) viu seu produto ser preterido pelo álcool durante o final do regime militar. O tempo passou, o petróleo voltou ao posto de queridinho da indústria energética e sua queima foi trazendo malefícios sem precedentes ao mundo. Hoje, com a urgente necessidade de se buscar energias limpas, o engenheiro viu seu invento chegar à pauta do dia. Apesar de seu biocombustível – criado em terras brasileiras – ter se tornado de domínio público por ficar muito tempo sem caráter comercial, Parente é referência mundial no assunto.

Fundador da empresa Tecbio, de combustíveis alternativos, o pesquisador tem a ambição de ver o mundo abastecido pelo biodiesel, um desejo que vai além das fronteiras econômicas: “O biodiesel é, antes de tudo, um remédio social”. Em entrevista ao SRZD, Parente fala sobre o importante papel do Brasil nesse contexto energético em que o mundo está entrando. “O desafio é valorizar o que é nosso”, disse.

SRZD - Seu projeto do biodiesel, proposto na década de 80, foi engavetado pelo governo e o Brasil só foi apostar nesse combustível há poucos anos. Saímos perdendo ao adiar essa escolha?
Expedito Parente - Sem dúvida, e com alguns prejuízos irrecuperáveis. Retardar qualquer programa que tenha grande importância econômica e ambiental gera prejuízos. Uma questão muito interessante discutida é quanto custa não produzir o biodiesel. Se esse programa tivesse sido instalado há 20 anos, a Terra estaria um pouco menos aquecida e existiria menos desemprego no campo.

SRZD - Por que a idéia só foi retomada com força na década de 90?

EP - Os países mais avançados tiveram consciência da finitude do petróleo e enxergaram os danos causados por sua queima. Efeito estufa, poluição, doenças pulmonares... A poluição é a grande responsável. Energias limpas hoje têm mais visibilidade. No momento que o biodiesel foi ressuscitado na Alemanha e Áustria (1991), passou a ser referência para os países em desenvolvimento, como o Brasil. A outra razão é política: Lula comprou a idéia do biodiesel. Razão forte que fez o programa ser reiniciado aqui.

SRZD - Com os danos ambientais e a perspectiva de esgotamento do petróleo, a tendência é que haja uma substituição gradual e completa dele por combustíveis alternativos?

EP - Sim. Essa substituição vai acontecer de qualquer jeito. A demanda pelo petróleo vem crescendo exponencialmente. A média de consumo mundial no semestre passado foi de mil barris por segundo, um número que a atmosfera não agüenta. Os biocombustíveis vão ser uma alternativa importante, não para solução definitiva, mas para diminuir traumas do consumo de energia pela humanidade. A energia solar será, a meu ver, a grande energia do futuro.

SRZD - O bioquerosene impediria a alta emissão de gases poluentes pelos aviões comerciais. Quais os obstáculos para que a aviação utilize essa tecnologia?

EP - Não há. O que tem que acontecer é a homologação desses combustíveis, que pode levar de dois a três anos, talvez. Eles já estão sendo testados pela Boeing (fabricante norte-americana de aviões) e a Nasa (agência espacial dos Estados Unidos), para nos próximos anos conseguirmos a homologação. Depois, irá se iniciar uma nova era de desenvolvimento comercial, mas aí é outro passo.

SRZD - Por que a demora para implementar de vez o biocombustível por aqui?


EP - É um programa muito grande. Estamos vencendo a inércia, que é normal no começo de um programa dessa grandeza. O próprio Pro-Álcool, na época, teve muitos problemas. Imagina um programa com combustível novo! Está sendo até mais rápido do que eu esperava. O comecinho já resultou em mais de 600 mil empregos no campo, por exemplo. Estamos participando de eventos, fóruns que possam promover e educar sobre a questão do biodiesel, para ir aperfeiçoando o programa.

SRZD – Mas que falhas o senhor vê no programa brasileiro de biocombustível?

EP - Tem que ser aperfeiçoado. Uma das maiores lacunas é na cadeia produtiva. Tem que valorizar a produção agrícola, organizar mais. Muita gente quer investir em biodiesel, há uma moda. Mas tem que atuar em toda a cadeia, não só no que é mais cômodo.

SRZD - O senhor acredita que a conturbação gerada no Ministério de Minas e Energia com os escândalos envolvendo o ex-ministro Silas Rondeau e a demora para indicar um substituto pode prejudicar o projeto?


EP - Isso afeta todo o país, mas no caso do biodiesel acho que pode ter apenas um pequeno arranhão. O envolvimento do ministério é pequeno em relação à vontade do presidente. Lula está muito acima na hierarquia e está incentivando muito.

SRZD - A princípio, a agricultura familiar sairia ganhando com a propagação do biocombustível. A mecanização pode abafar a participação dos pequenos agricultores?

EP - No Brasil, estabeleceu-se um antagonismo de maneira perpétua entre agricultura familiar e mecanizada. Isso não deveria existir. O mercado para esse produto é muito grande e o Brasil tem terras suficientes para a conivência entre as duas modalidades. Mas isso depende das políticas públicas, que podem fortalecer a agricultura familiar na produção do biocombustível. Ela deve ser estimulada.

SRZD - Qual será o papel da Amazônia no programa do biodiesel?

EP - Em algumas comunidades isoladas de lá existe até o escambo: eles trocam um botijão de 20 litros de óleo diesel por um saco de 60 quilos de feijão. É cruel. Nesses locais há uma oportunidade de produzir o biodiesel pelo extrativismo. Por outro lado, a floresta amazônica tem mais de 80 milhões de hectares em degradação. Tem que fazer o reflorestamento energético. Isso seria extremamente importante para o combate do efeito estufa, além de ser fonte de matéria-prima para obter grandes quantidades de biodiesel. Há mais de cem espécies potencialmente capazes de fazer biodiesel na região. Só a Amazônia poderia abastecer completamente a Europa.

SRZD - O Brasil tem condições de se tornar o grande fornecedor mundial de biocombustível? O país será privilegiado?

EP - Os Estados Unidos mesmo afirmaram, certa vez, que o Brasil seria capaz de suprir cerca de 65% da demanda mundial do diesel com o biodiesel. O desafio é valorizar o que é nosso.

SRZD - Há diversas matérias-primas para a produção do biodiesel, como soja, mamona e girassol. Qual é a mais eficiente?


EP - O sucesso vai depender de uma política que associe as vocações agrícolas regionais. O Nordeste tem como motivação a inclusão social e o combate à miséria no campo. Então, haveria culturas que sobrevivessem ao semi-árido e que privilegiassem a agricultura familiar. A mamona é uma das opções. Na Amazônia, a motivação é incluir socialmente os povoamentos isolados e fazer a integração nacional dessas comunidades. As vocações lá são o extrativismo florestal e o combate ao efeito estufa através do reflorestamento energético. No sul, centro-sul e centro-oeste, as motivações são a poluição e geração de riqueza. Não existe isso que soja seja melhor do que a mamona.

SRZD – Em abril, foi noticiado que o primeiro vôo com bioquerosene na América do Sul tinha acabado de ser realizado na Argentina. Porém, há registros de que em 1984 ocorreu a primeira decolagem como testes da sua criação, no Brasil. O senhor acha que tentaram encobrir o evento de 84 ou simplesmente não foi devidamente divulgado?

EP - O primeiro vôo do mundo deste tipo foi em 1984, em São José dos Campos. O avião era movido a um combustível sem uma gota de petróleo. É possível que haja encobrimento, assim como no caso dos irmãos Wright, em que encobriram o pioneirismo de Santos Dumont na aviação. Se eles voaram, meus parabéns pra eles. Concebemos e propusemos a primeira proposta de biodiesel, com a primeira patente mundial.

Bernardo Camara