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Disputa na Agrenco: briga entre controladora e consultoria


Valor Econômico - 16 jul 2010 - 06:16 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:13

Dois anos após entrar em colapso com a prisão de seus executivos e a paralisação de suas operações, a Agrenco vive nova situação delicada. Nelson Bastos, da Íntegra Consultoria, é acusado pela controladora da Agrenco de privilegiar a venda de ativos

Há um ano em recuperação judicial, a companhia está a dias de retomar as operações em sua principal fábrica, a de Alto Araguaia, que terá capacidade para esmagar 1 milhão de toneladas de soja por ano e produzir 600 toneladas diárias do biodiesel.

Mas está também a dias de ser colocada em um confronto que poderá levar à decretação de sua falência.

No último dia de junho, a holandesa Agrenco Holding, que possui 47,91% da Agrenco Limited, com sede nas Bermudas e cujas ações foram representadas na bolsa brasileira por meio de Brazilian Depositary Receipts (BDRs), protocolou uma reclamação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por considerar existir um conflito de interesses envolvendo a companhia no Brasil. Por conta disso, solicitou a convocação de uma assembleia geral extraordinária de acionistas para promover a destituição do atual conselho.

A Agrenco Holding tem como principais acionistas três executivos da Agrenco que foram presos em junho de 2008 na Operação Influenza, da Polícia Federal, sob suspeitas de crimes que iam de sonegação fiscal a fraude de balanço. São eles, o fundador da Agrenco, Antonio Iafelice, que possui 32,58% das ações da holding; Antônio Augusto Pires Júnior, com 6,96%; e Francisco Ramos, detentor de 21,39%.

Confira a entrevista com Antonio Iafelice na última edição da revista BiodieselBR


Até o momento, as denúncias contra eles não foram comprovadas. O caso transformou-se em uma grande discussão sobre legalidade ou não de provas colhidas pela PF e está ainda sem conclusão. No entender da holding, a prisão foi o que desencadeou o desmoronamento dos negócios que levaram a Agrenco à recuperação judicial.

A holding identifica o conflito de interesses na condução do processo de recuperação da Agrenco e que envolve diretamente a Íntegra Consultoria.

  • Nelson Bastos, da Íntegra Consultoria, é acusado pela controladora da Agrenco de privilegiar a venda de ativos

    Foto de Sérgio Zacchi / Valor
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De acordo com a advogada Lucia Figueiredo, que atua pela holding no Brasil, a Íntegra receberia comissões para a venda dos ativos da Agrenco no Brasil e estaria trabalhando para o desmanche da companhia, ao invés de concentrar-se na recuperação da empresa. A justificativa para a a reclamação seria o fato de, um ano após a assinatura do plano de recuperação judicial, nenhuma das unidades da Agrenco ter voltado a operar.

O conflito seria evidenciado, avalia a holding, pelo fato de Nelson Bastos, presidente da Íntegra, “ter feito o plano de recuperação, estar executando o plano e também ter um assento no atual conselho de administração da companhia”. A holding apresentou aos credores da Agrenco um plano que prevê poucos investimentos necessários para que a empresa possa voltar a operar rapidamente.

Bastos, da Íntegra, afirma que nenhuma das observações feitas pela holding é verdadeira e que não recebe comissões para vendas de ativos, mas sim receberá um pequeno percentual do que for pago aos credores.

Segundo ele, a consultoria foi contratada pela Agrenco antes de a empresa entrar em recuperação. Como, àquele momento, a recuperação judicial seria a única saída para a companhia, participou da montagem do plano e, na sequência, foi contratada pelos credores, e não pela empresa, para acompanhar o andamento do plano de recuperação e mantê-los informados.

Quanto ao assento que ocupa no conselho, ele esclarece que ocupou a vaga atendendo a um convite do conselho anterior, e que, uma vez definido o plano, os credores aprovaram a sua manutenção no posto.

Como prevê os estatutos da companhia, ele poderia indicar outros dois membros — os escolhidos foram Ruy Schneider e Arnim Lore, que não fazem parte dos quadros da Íntegra.

Os ativos que estão sob recuperação judicial no Brasil fazem parte da Agrenco Limited que, por ter sede nas Bermudas, está submetida à legislação inglesa. Por essa lei, a Holding tem o direito de chamar a assembleia e trocar o conselho. No entanto, o plano de recuperação aprovado pelos credores e homologado pela Justiça no Brasil estabelece que qualquer mudança no conselho ou na gestão da companhia em recuperação judicial tem que ser aprovada pelos credores.

Logo, apesar de, pela lei inglesa a holding estar autorizada a mudar a gestão, pela lei brasileira a modificação só poderá ocorrer com o aval dos credores.

Bastos diz que os credores ainda não se reuniram para oficializar uma posição sobre o assunto. No entanto, adianta que o entendimento inicial é que se o atual conselho for substituído, contra a vontade dos credores, a opção poderá ser abrir mão da recuperação da companhia e decretar a falência da empresa, ou seja, vender os ativos e fazer os pagamentos aos credores com o valor arrecadado.

Ainda que a gestão seja modificada e os credores concordem, de acordo com a lei brasileira, a holding continuará obrigada a cumprir o estabelecido no plano de recuperação judicial.

Procurada pelo Valor, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informou apenas que não pode comentar casos específicos que estejam em andamento na autarquia.

Atraso na entrega dos balanços acirra discórdia

A Agrenco Holding, por meio da advogada Lucia Figueiredo, afirma que uma outra evidência da ineficiência do trabalho da Íntegra na recuperação judicial foi o atraso na entrega dos balanços da companhia, que levou à suspensão dos negócios com o BDRs da empresa na BM&FBovespa, determinado pela CVM em fevereiro passado.

Os balanços começaram a ser entregues apenas nesta semana - foram arquivados na CVM — estavam em atraso desde junho de 2008. A autarquia, agora, examinará os números e decidirá se os BDRS poderão voltar à negociação na bolsa brasileira.

Nelson Bastos, presidente da Íntegra, explica que os balanços não foram entregues por conta de uma expressiva mudança no patrimônio líquido da empresa identificada pela então auditora independente KPMG.

Segundo o executivo, em março de 2008, o patrimônio líquido da Agrenco Limited era de cerca de R$ 280 milhões. Três meses depois, em junho, conforme Bastos, havia passado ao negativo em R$ 460 milhões. A auditoria queria se certificar do que realmente teria acontecido e levado à perda tão relevante de patrimônio.

No entanto, àquele momento, os livros e documentos da empresa estavam apreendidos pela Polícia Federal, no âmbito da Operação Influenza. “Quando voltaram, estavam desordenados. E a KPMG levou muito tempo para organizar o material e fazer uma análise minuciosa de todos os documentos e informações possíveis”, diz o consultor.

Apenas neste ano a KPMG conseguiu concluir os trabalhos. A variação no patrimônio da empresa pode ser explicada por uma perda bastante substancial, de R$ 378,70 milhões, em operações realizadas pela companhia com derivativos. Concluído o trabalho, o contrato com a KPMG se encerrou e ela se recusou a continuar auditando a Agrenco. Foi substituída pela BDO Trevisan, que trabalha para entregar os números — ressaltese que, desde então a companhia não está operando.

Do ponto de vista da Holding, diz Lucia, os demonstrativos financeiros levaram 23 meses para serem entregues porque o Conselho não tomou nenhuma medida eficaz para cobrar a KPMG pela conclusão do trabalho.

De acordo com Bastos, a auditoria não podia ser trocada porque, de acordo com a legislação inglesa, que rege a Limited, o auditor só pode ser mudado se renunciar ou morrer.

Tags: Agrenco