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Emissões

“Não podemos abrir novos poços de petróleo”, alerta Carlos Nobre


Valor Econômico - 15 mai 2024 - 09:54

“Nenhum de nós, cientistas climáticos, dá qualquer apoio para aumentar a exploração de combustíveis fósseis. Com o que já existe, não vamos manter a temperatura a 1,5°C. Vamos superar 2,5°C em 2050. Não se podem abrir novas minas de carvão, poços de petróleo e gás natural e não podemos usar o que já está aberto. Tem que reduzir o uso do que já está aberto.” A explicação, para que a humanidade evite o pior, é do climatologista brasileiro Carlos Nobre, um dos mais reconhecidos cientistas globais. “Vamos ver se agora, com esses eventos climáticos extremos que aconteceram no Brasil – maior seca da história da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, a maior chuva do Rio Grande do Sul- se o setor de combustíveis fósseis ajuda e não atrapalha.”

Nobre é enfático: “Todos os cientistas climáticos dizemos que o gigantesco desafio é não deixar a temperatura passar de 1,5°C. Porque com 1,5°C já estamos vendo o que está acontecendo no mundo.”

Segundo ele, quem contribui para as emissões, do setor de petróleo à agricultura, terá que contribuir mais para ajudar na adaptação aos impactos do clima e aumentar a resiliência. “O Fundo Clima não deveria ser só para financiamentos para indústrias que farão a transição energética. Precisa de muitos recursos para adaptação e aumentar a resiliência aos eventos extremos.”

O cientista avisa: “Não tem volta. Na escala de gerações até dos meus tetranetos –estamos em 2024, tenho um neto de 12 anos, até ele ter um filho, e o filho dele ter filho, e o filho dele ter filho – estamos falando do século XXII, não tem volta. Cada molécula do gás carbônico, o principal gás-estufa, dura 150 anos. Por mais que a gente crie mecanismos de retirar CO2 via restauração florestal ou sugestões de geoengenharia, se tivermos sucesso de não deixar a temperatura passar de 1,5°C em 2050, ainda assim a temperatura vai continuar aumentando até o próximo século”. A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Desastre “natural”
Uso há alguns anos a palavra natural entre aspas. O que aconteceu no Rio Grande do Sul é um fenômeno meteorológico que sempre existiu. Mas o de agora, está claro, foi a maior chuva do registro histórico do Rio Grande do Sul. Isso se deve ao aquecimento global.

Não reconstruir no mesmo lugar
Não faz sentido reconstruir no mesmo lugar que foi completamente inundado e as casas e ruas, destruídas. No vale do Taquari, várias daquelas áreas já haviam sido destruídas em setembro.

Votar direito, comer menos carne
Tenho dito que temos que escolher prefeitos e vereadores em outubro-novembro que não sejam negacionistas de mudanças climáticas. Escolher políticos com agendas ambientais. Também comer menos carne e voar menos, até os aviões todos terem combustível renovável ou elétricos.

Entre aspas
Fui eu quem deu o nome do Cemaden – Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Não chamo mais de natural porque os negacionistas gostam de dizer que nada disso é causado pelo homem. Quando falamos “desastres naturais”, negacionistas dizem: “Sim, isso sempre existiu no planeta. Não somos nós que estamos fazendo isso. Por isso, não precisamos fazer nada”.

Eles não admitem eventos de ondas de calor em que a temperatura aumenta 3°C a 5°C nem eventos de chuva que 60 anos atrás aconteciam uma vez a cada dez anos e agora acontecem uma vez a cada dois anos. E tudo isso batendo recordes, no Brasil e no mundo. Isso é o que a ciência mostra com toda a clareza: é o aquecimento global.

Os anos mais quentes

O ano de 2023 bateu o recorde de aquecimento. Ou seja, 1,49 °C mais quente do que a média de 1850-1900. O Instituto Copernicus, da Europa, mostrou que essa foi a temperatura mais alta desde o último período interglacial, há 125 mil anos. Os últimos dados, de março de 2023 a fevereiro de 2024, indicam que o aumento da temperatura já subiu para 1,56°C.

Preocupação gigantesca
Essa é uma gigantesca preocupação: as projeções climáticas que foram feitas alguns anos atrás, nunca colocaram que os oceanos estariam tão quentes quanto estão. Isso foi uma surpresa. Há o branqueamento de praticamente todos os recifes de corais, com o risco enorme de extinção. Branqueamento significa que estão ficando doentes. As projeções dos modelos climáticos diziam que o aquecimento do oceano aconteceria na próxima década, não agora.

Sem sirenes
São pouquíssimas as cidades no Brasil que têm sirenes, e as que têm, estão concentradas em áreas de risco de deslizamento. É ridículo cidades no Estado de São Paulo com tantas áreas de risco, na serra do Mar e na serra da Mantiqueira, ter tão poucas sirenes. E não consigo me lembrar nenhuma região sujeita a inundação de rios com sirenes, inclusive Porto Alegre. São cidades planas, em áreas próximas de rios, que se expandiram em várzeas e não poderiam.

Tirar as pessoas do risco
Precisa colocar sirenes em todas essas áreas: são mais de 3 milhões de brasileiros morando em áreas de altíssimo risco de deslizamento de inundações. E sistemas de alerta quando começar a subir o nível do rio. E as pessoas precisam saber para onde correr e se proteger em áreas mais altas, que não terão inundações, e áreas fora das áreas de deslizamento. É um gigantesco desafio, mas tem que ser feito.

E lógico: essas pessoas não podem continuar vivendo nessas áreas de risco. É um desafio de centenas e centenas de bilhões de reais. Um estudo do Cemaden de 2019, agora sendo refeito, dizia que havia 825 municípios com 2 milhões de brasileiros morando em áreas de risco de deslizamento e inundações. Agora devem ser mais de 3 milhões e mais de 1.900 municípios têm altíssimo risco de deslizamentos e inundações.

Como mitiga?
Há duas escalas de tempo de redução do risco de mortes e feridos. O primeiro é o sistema de alerta a ser colocado, com sirenes. Ter lugares para a população se abrigar fora da área de risco de inundação e deslizamento. E precisa educar as pessoas. Assim salvam-se vidas. Isso no curtíssimo prazo, a ser feito em semanas e meses. Custa dinheiro e tem que ser feito já.

A médio prazo – não deixar passar de uma década – serão mais de 3 milhões de brasileiros que têm que deixar as áreas de risco. É população supervulnerável. Vamos supor que sejam 3 milhões de pessoas – cada família tem quatro pessoas, em média, são 700 mil novas casas. Cada casa vai custar entre R$ 150 mil, R$ 200 mil ou mais, Serão centenas de bilhões de reais. E tem que se achar o terreno em lugar seguro, há o desafio de infraestrutura. É um enorme desafio, mas as populações que moram em áreas de altíssimo risco não podem continuar ali.

Quem polui tem que pagar
Neste ano, pela primeira vez o Fundo Clima terá R$ 10 bilhões, pelo menos R$ 1bilhão vai para a restauração da Floresta Amazônica. Mas muitos destes bilhões deveriam ir para adaptação e não só para redução das emissões. Lógico que o Fundo Clima terá que crescer muito: R$ 10 milhões é muito pouco. Esse fundo terá que crescer para mais de R$ 50 bilhões. E quem contribui para as emissões, desde o setor de petróleo à agricultura, terá que contribuir mais. O Fundo Clima não deveria ser só para financiamentos com juros baixos para indústrias que farão a transição energética. Precisa de muitos recursos para adaptação e aumentar a resiliência das populações aos eventos extremos.

Não deixar passar de 1,5°C
Todos os cientistas climáticos dizemos que o gigantesco desafio é não deixar a temperatura passar de 1,5°C. Porque com 1,5°C já estamos vendo tudo o que está acontecendo no mundo. Nenhum de nós dá qualquer apoio para aumentar a exploração de combustíveis fósseis. Com o que já existe, não poços ou minas novos, não vamos manter a temperatura a 1,5°C. Vamos superar 2,5°C em 2050. Não só não se pode abrir novas minas de carvão, poços de petróleo e gás natural, mas não podemos usar nem o que já está aberto. Tem que reduzir o uso do que já está aberto. Vamos ver se agora, com esses eventos climáticos extremos que aconteceram no Brasil, maior seca da história da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, a maior chuva do Rio Grande do Sul, vamos ver se o setor de combustíveis fósseis ajuda e não atrapalha.

Não tem volta
O Brasil tem todas as condições de se tornar o grande líder global do combater à emergência climática. Nós respondemos por 4% das emissões globais. Chegamos em 2021 à emissão per capita de 11 toneladas de CO2 equivalente, isso é mais do que a China. Nos EUA a emissão per capita é 16, 5 toneladas de CO2 equivalente. Mas o Brasil tem enorme dever. Temos, como tem sido dito, que zerar o desmatamento de todos os biomas até 2030, fazer grandes restaurações florestais, praticar agricultura regenerativa. Assim se melhora muito a qualidade de vida das pessoas. Esse tem que ser o caminho do Brasil. Projetos de lei para que se desmate e degrade mais não podem ser aprovados.

Até o meu tetraneto
Na escala de gerações até dos meus tetranetos - estamos em 2024 tenho um neto de 12 anos, até ele ter um filho, e o filho dele ter filho- estamos falando do início do século XXII, não tem volta. Cada molécula do gás carbônico, o principal gás-estufa, dura 150 anos. Por mais que a gente crie mecanismos de retirar CO2, via restauração florestal ou sugestões de geo engenharia, se tivermos sucesso de não deixar a temperatura passar de 1,5°C em 2050, ainda assim essa temperatura vai continuar aumentando até o próximo século.

Daniela Chiaretti – Valor Econômico