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Biodiesel

Inventor brasileiro do biodiesel também criou vaca mecânica e bioquerosene


Agência Brasil - Radiobrás - Olga Bardawil - 29 nov 1999 - 22:00 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

Esta página é uma continuação da primeira parte da entrevista: Cearense registrou primeira patente de produção de biodiesel em todo o mundo

Na segunda parte de sua entrevista exclusiva à Agência Brasil, o engenheiro químico cearense Expedito Parente, inventor do processo de fabricação do biodiesel, conta que, para obter apoio oficial ao desenvolvimento do biodiesel, chegou a desenvolver um querosene de aviação à base de óleo vegetal, em parceria com a Aeronáutica, no início dos anos 80. Parente conta ainda que o biodiesel não deu maiores passos nos anos 80 por conta da falta de interesse da Petrobrás no projeto.

Agência Brasil - Na época da invenção do biodiesel, vocês fizeram contato com o governo?

Expedito Parente - Bem, o Amedeu Papa (banqueiro que era sócio de Parente) era muito do amigo do então ministro da Aeronáutica, brigadeiro Délio Jardim de Mattos, que conheceu o projeto e colocou o CTA (Centro Tecnológico da Aeronáutica), em São José dos Campos, à nossa disposição. Ali foram realizados testes aprofundados nesse combustível. Isso nos dava o carimbo de uma das instituições de pesquisas mais importantes do hemisfério sul. Só que aí eu cometi uma das maiores irresponsabilidades da minha vida.

ABr - Como assim ?

Parente - O ministro Délio disse que não queria se envolver muito com o biodiesel, porque o combustível da Aeronáutica não era o diesel, mas a querosene de aviação. E que ele se interessaria se fosse um bioquerosene. Eu então virei pra ele e disse: "Pois ministro, o seu bioquerosene de aviação vai sair".

Eu me comprometi a assinar um protocolo, garantindo que ia desenvolver o bioquerosene de aviação e que o biodiesel seria um subproduto. Eu cometi essa irresponsabilidade! Mas, como sou uma pessoa de muita sorte, logo em seguida eu concebi o querosene que passou a ser o nosso carro-chefe. Era o prosene.

ABr - Vocês chegaram a testar esse prosene?

Parente - Primeiro, nós fizemos ensaios em turbinas estacionadas, em bancada. Depois de muitos testes, nós decidimos fazer o teste num vôo. Usamos um Bandeirante, da Embraer, que saiu de São José dos Campos no dia 23 de outubro de 1984. Era o Dia do Aviador. E voou até Brasília. Eu quis ir nesse avião, mas me foi negado o acesso, porque eu não era militar. Eles fizeram questão de voar só com o prosene, sem uma gota de combustível de petróleo. O tanque estava cheio de querosene vegetal. E isso foi fantástico, porque lá em cima não tem acostamento, não!

ABr - Quer dizer que o prosene deu certo, então?

Parente - Sim, o vôo foi um sucesso. Eu ganhei uma das mais altas condecorações da Aeronáutica, que é a Medalha do Mérito. Como se tratava de um combustível estratégico – o avião inclusive voava mais alto –, eu cedi a patente para a Aeronáutica. Evidentemente, não era o momento para o desenvolvimento do projeto. Era final de governo. Aí terminou o nosso contrato. E tudo isso foi encerrado.

ABr - O sr. acha que houve alguma injunção política nisso?

Parente - Não. Não creio. O país não estava motivado. Além disso, a produção de petróleo do país começou a crescer, o preço do petróleo caiu. E a Petrobrás não deu a mínima bola para o combustível, apesar de eu ter procurado a empresa muitas vezes. Na verdade, eles nunca deram realmente valor, não enxergaram.

ABr - E o projeto morreu, então...

Parente - É, mas em 1991 a Alemanha e a Áustria ressuscitaram a idéia. E aí a Europa passou a produzir o biodesel.

ABr - Com a sua patente?

Parente - Era o mesmo processo. No entanto, a minha patente caducou em 1991, no ano em que eles começaram. Eu nem estava sabendo. Na verdade, eu já tinha mudado o foco, quando eu vi que a idéia do biodiesel tinha sido frustrada em 84.

Naquela época, o Nordeste enfrentava um período de seca que já durava cinco anos, com o povo morrendo de fome no interior. Então mudei o foco: por que, em vez de pensar em combustível para máquina, eu não vou pensar num combustível para gente, que é o alimento? Aí eu passei a me interessar pelo leite de soja.

Um fato que me inspirou foi que nessa época eu adotei uma menina. Eu só tinha filho homem, então adotei uma menina, a Livia, que tinha um ano e meio. Ela tinha sido abandonada pelos pais na época da seca e estava morrendo de fome. E foi por causa dela que eu me voltei para o problema. E eu comecei a pensar na solução.

ABr - E encontrou?

Parente - Eu desenvolvi uma máquina para fazer leite de soja que eu chamei de vaca mecânica. Já existia uma na Universidade de Campinas (SP). Nós apresentamos um modelo aperfeiçoado, que fazia não só leite de soja, mas sopas e sucos de qualquer matéria-prima alimentícia. Eu fiz essa máquina e nós viajamos pelo interior. Eu tirei férias e fomos até os Inhamuns, que era a capital da fome. A gente saiu levando a máquina a reboque no carro. Não era muito grande, media 2,2m por 0,8m. E se chamava Amélia, "a mulher de verdade", que alimentava gente.

Usávamos um quilo de soja para fazer oito litros de leite. Dava pra fazer leite para 1.500 pessoas num dia. Nós fomos até Picos, no Piauí. O problema é que, quando nós chegamos lá, estava todo mundo esperando, o prefeito tinha anunciado. Tinha 30 mil pessoas para ver a máquina. E só tinha leite pra 3 mil pessoas. Aí invadiram o recinto, quebraram a máquina e a gente acabou virando assunto de uma reportagem do Gervásio de Paulo, com o titulo "Amélia no Pais da Fome".

ABr - Foi o fim da Amélia?

Parente - Não. Franco Montoro, que era governador de São Paulo, na época, me convidou para implantar o projeto, para a merenda escolar. Eu transferi a tecnologia para uma metalúrgica, a Ceil, do Ceará, que passou a produzir esse equipamento. Eles faziam 30 equipamentos por mês. Aí o projeto se espalhou pelo Brasil. Nós produzimos cerca de 700 máquinas. E exportamos umas 50. Só em São Paulo, segundo nosso controle, chegaram a tomar leite de soja cotidianamente 3 milhões de crianças. Eu posso dizer que nós introduzimos o leite de soja no hábito alimentar brasileiro.

ABr - E o que aconteceu depois?

Parente - Depois eu fui para o Piauí, a convite do governador Alberto Silva. Lá, nós montamos uma fábrica de alimentos que fazia cerca de 700 mil merendas escolares por dia. A gente fazia oito tipos de produtos que compunham a merenda: macarrão, sopas desidratadas. Foi uma grande experiência, que infelizmente acabou quando terminou o governo do Alberto Silva.

ABr - A velha questão da descontinuidade das políticas públicas...

Parente - Esse foi o grande problema da vaca mecânica. E é o que sempre acontece. Os governos que se sucedem abortam os projetos do governo anterior. É um grave erro da administração brasileira, e você pode denunciar isso. Mas felizmente está servindo de exemplo para um projeto que nós estamos introduzindo no Brasil, que é o Biodiesel Municipal.

Veja a terceira parte: Inventor brasileiro do biodiesel também criou vaca mecânica e bioquerosene