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Biodiesel

Cearense registrou primeira patente de produção de biodiesel em todo o mundo


Agência Brasil - Radiobrás - Olga Bardawil - 29 nov 1999 - 22:00 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

Até 2008, passa a ser obrigatório no Brasil misturar a todo o óleo diesel que consumimos 2% de biocombustível produzido a partir de óleo vegetal, o chamado biodiesel. O governo federal avalia que será necessário produzir quase 1 bilhão de litros por ano para atender essa demanda. E essa produção não será feita apenas com matéria-prima brasileira, mas também com tecnologia genuinamente nacional. A primeira patente mundialmente registrada de um processo de produção industrial de biodiesel foi registrada por Expedito Parente, 65, engenheiro químico cearense.

A transesterificação, então patenteada por Parente, é, ainda hoje, o principal processo industrial utilizado no país para a fabricação do biodiesel. A primeira usina a operar em escala comercial na região do semi-árido nordestino, em Floriano (PI), por exemplo, tem Parente como consultor.

A idéia para a descoberta, lembra ele, não se deu no ambiente de um laboratório de alta tecnologia, ou no escritório de uma megaempresa multinacional. Veio da observação de uma vagem do ingazeiro, segundo ele, semelhante à molécula do biodiesel.

Nestes tempos em que o barril de petróleo beira US$ 70 e os países ricos devem cumprir compromissos políticos de diminuir suas emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, o país redescobre-se vanguarda no campo dos biocombustíveis. Nesta entrevista, concedida no modesto escritório da Tecbio, a empresa que Parente criou dentro do Núcleo de Tecnologia da Universidade Federal do Ceará, o professor conta a história de uma invenção que esperou 30 anos para revolucionar o país.

Agência Brasil - Como surgiu a idéia de um diesel desenvolvido a partir do óleo vegetal?

Expedito Parente - Em 1977, eu trabalhava na Universidade Federal do Ceará com tecnologia, com processos de produção de álcool a partir de matérias-primas não convencionais, basicamente de celulose e de materiais como mandioca, batata. Isso me causava certa estranheza, porque eu via que, com o Proálcool, nós estávamos resolvendo o problema errado. Por quê? Porque a matriz energética dos combustíveis brasileiros deve contemplar o transporte, que é feito com óleo diesel. O álcool é para veículo de passeio.

O Proálcool surgiu por uma necessidade de mercado. Na época, o açúcar estava muito barato, e os usineiros precisavam de alternativas. Então, o programa do álcool não nasceu pela necessidade energética. E contemplava veículos leves, quando o Brasil precisava de um combustível para veículos pesados e máquinas agrícolas.

ABr - Como o senhor chegou à formula do biodiesel?

Parente - Um certo dia, em 1977, eu estava no meu sitio, em Pacoti, aqui na serra, sozinho tomando uma cachaça na beira de uma cachoeira e debaixo de um ingazeiro. De repente, olhando para uma vagem de ingá, eu vi a molécula do biodiesel. Era assim, comprida, lá dentro tinha uns grãos ligados... Aquilo tem óleo... Tudo aquilo, aquele arquétipo da natureza fomentou a molécula do biodiesel, com os ésteres de ácidos graxos. Isso foi num sábado. E aí, pronto, a coisa ficou na minha cabeça remoendo...

Na segunda feira, quando cheguei no laboratório, eu fiz a síntese a partir do óleo de algodão, que era o óleo que tinha, porque se usava naquela época para cozinhar. E examinando a substância, eu verifiquei que a viscosidade e as características aparentes se assemelhavam às do óleo diesel. Então eu fiz um ensaio de combustão num algodão. Aí eu vi que queimava muito bem, e a chama era muito bonita, muito viva. Então, durante a semana, eu produzi dois litros desse combustível.

ABr - Como o sr. testou o funcionamento do biodiesel num motor?

Parente - Havia um cidadão aqui no Ceará que já tinha mais de 80 anos na época, Bernardo Gondim. Ele era um prático, um mecânico com um conhecimento muito grande de motores e gostava muito de coisas não convencionais. Então eu pedi a ele que me arranjasse um motorzinho pequeno para experimentar o combustível. Ele me mostrou um que ele tinha lá, que era muito velho, não funcionava direito nem com óleo diesel. Ele me ofereceu, mas avisou: "Não vai funcionar".

ABr - Funcionou?

Parente - Funcionou perfeitamente com o biodiesel. E o Bernardo disse pra mim: "Professor, se esse motor conseguiu funcionar com o seu combustível, então é porque esse seu combustível é muito bom, é melhor que óleo diesel". Isso me incentivou a prosseguir com os testes. Nos dois primeiros anos, eu trabalhei muito nesses testes, usando outros óleos vegetais, como babaçu, soja... A mamona, não, porque eu achava que o óleo da mamona deveria ser reservado para biolubrificantes.

ABr - O sr. procurou alguma parceria, alguém que financiasse a produção?

Parente - Em 1980, quando eu já tinha concluído essa fase de pesquisas, eu arranjei uma grande parceria, com um grande banqueiro de São Paulo chamado Amedeu Augusto Papa, que era dono do Banco Lavra. Juntos, nós criamos uma empresa que se denominou Proerg – Produtora de Sistemas Energéticos Ltda. O objetivo era dar agilidade ao desenvolvimento do biocombustivel.

Aí, nós partimos para requerer a patente e construímos um protótipo de produção que poderia obter 100 litros por dia, ou melhor, em 8 horas. E aí começamos a testar em veículos mesmo. Testamos vários, mas o que usamos mais foram aqueles jipes Bandeirante da Toyota. O lançamento oficial do nosso Prodiesel foi com os veículos da Coelce, a Companhia de Eletricidade do Ceará.

ABr - Era a sua versão do Proalcool?

Parente - Só que nós íamos mais longe. Já naquela época, a gente tinha concebido toda a cadeia produtiva integrando as atividades agrícolas, com a geração de emprego, as transversalidades com o setor de alimentos. Tudo isso de que se fala hoje, naquela época já estava previsto no nosso projeto.

Veja a segunda parte da entrevista: Biodiesel pode contribuir para o equilíbrio internacional, avalia cientista

Veja a terceira parte: Inventor brasileiro do biodiesel também criou vaca mecânica e bioquerosene