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A precipitada euforia pelo biodiesel


Amélio Dall'Agnol - 15 jan 2008 - 12:47 - Última atualização em: 13 mar 2012 - 16:59

Chamou atenção, nos três últimos anos, a corrida de empresários nacionais e estrangeiros em busca de licenças da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) para produzir biodiesel, estimulados pelo Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel do Governo Federal, pela alta no preço do petróleo e baixo custo do óleo de soja (este, de 2005 até meados de 2006).

Esses fatos ensejariam a possibilidade de lucro fácil no mercado do biodiesel, aquecido pela esperada demanda dessa energia limpa por parte dos países desenvolvidos, os quais precisam reduzir a emissão de CO2 proveniente da queima de combustíveis fósseis para atender os compromissos assumidos com o Protocolo de Kyoto. A possibilidade de produzirem essa energia renovável em seus próprios territórios é muito pequena, pois é notória a falta de terras disponíveis para tal fim, forçando-os a recorrer a outros países – entre os quais o Brasil.

Não foram menos importantes, para aquecer o mercado de biodiesel as alarmantes ameaças de aquecimento global causado pelos gases de efeito estufa, particularmente do CO2 proveniente da queima de derivados do petróleo, contidas no Relatório da ONU sobre mudanças climáticas, divulgado em fevereiro de 2006. Somente de petróleo são queimados, diariamente, cerca de 88 milhões de barris mundo afora.

A alternativa mais viável para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, a curto prazo, é a produção de biocombustíveis. O Governo Bush, mesmo negando-se a assinar o Protocolo de Kyoto, está realizando esforços nesse sentido e, recentemente, sancionou a Energy Bill, uma Lei que prevê o consumo de 136 bilhões de litros de biocombustíveis/ano, até 2022, em substituição aos combustíveis fósseis.

Oitenta bilhões de litros desse total terão que provir de outras matérias-primas, que não o milho. No referente ao biodiesel, a Lei determina o uso de 1,9 bilhão de litros/ano, até 2009, e 3,8 bilhões de litros/ano, até 2012, contribuindo ainda mais para estimular este mercado. O Brasil figura como um grande provedor potencial dessa bioenergia.

A euforia dos empresários do biodiesel em 2006 foi tal que se chegou a especular sobre a possibilidade de antecipar a adição obrigatória de 2% de biodiesel ao diesel (B2), de 2008 para julho de 2007, e do B5, de 2013 para 2010. Essa exagerada euforia resultou na atual (novembro 2007) capacidade de produção de 2,6 bilhões de litros/ano das usinas de biodiesel já autorizadas pela ANP e outro 1,4 bilhão de litros/ano poderá ser produzido em mais 42 usinas que aguardam autorização para estabelecerem-se.

Mas a demanda real para atender a mistura B2 a partir de 2008 é de apenas 840 milhões de litros/ano. Vislumbra-se uma ociosidade perigosa, que pode desestimular o setor produtivo de biodiesel e comprometer a credibilidade do PNPB.

Há, hoje, mais usinas prontas e inoperantes do que usinas produzindo. De um total de 885 milhões de litros de biodiesel comercializados via leilões da ANP, em 2005 e 2006, para produção e consumo em 2007, 352 milhões de litros foram entregues até novembro.

A produção durante todo o primeiro trimestre de 2007 não passou de 53 milhões de litros e, embora ela tenha crescido aceleradamente de junho a novembro (19, 26, 37, 45, 53 e 54 milhões de litros, respectivamente), ainda está distante dos 70 milhões de litros mensais necessários para atender ao B2 em 2008.

A razão de tamanho descompasso entre a intenção de produzir biodiesel e a demanda do mercado está na significativa elevação do preço das matérias-primas, principalmente do óleo de soja. O preço desse óleo - o único produzido em escala e em condições de atender a demanda para o B2 - disparou de US$ 550/t para mais de US$ 1.000/t no decorrer de 2006 e 2007. Isso comprometeu a disposição das distribuidoras de combustíveis de utilizar opcionalmente a mistura B2 em 2007, adquirindo o biodiesel a R$ 1,8 até 1,9/litro, mas tendo que revendê-lo nas bombas de abastecimento pelo mesmo valor do diesel mineral, este adquirido das refinarias por cerca de R$ 1,2/litro.

Mesmo assim, algumas distribuidoras, principalmente a BR, comercializaram o B2 durante 2006 e 2007 em milhares de pontos-de- venda, mantendo o preço da mistura B2 nos mesmos níveis do diesel mineral puro. Com a obrigatoriedade da mistura de biodiesel no diesel, a partir de janeiro de 2008, o B2 deverá ser comercializado a 1 ou 2 centavos acima do atual preço do diesel mineral puro, a fim de compensar o valor a maior do biodiesel adicionado na mistura.

Para ser sustentável, uma usina produtora de biodiesel depende da garantia de fornecimento da matéria-prima com preços competitivos, o que ela só consegue tendo os produtores da matéria-prima associados e com os preços previamente acertados. Sem essa segurança, ela fica na dependência dos humores do mercado, que não costuma ser generoso.

Nesse particular, bem-aventuradas as cooperativas de produtores, cujos associados são, além de fornecedores da matéria-prima, também consumidores do biodiesel por elas produzido e das tortas resultantes do processamento das oleaginosas. Algumas usinas que venderam biodiesel nos leilões promovidos pela ANP em 2005 e 2006 não se programaram segundo as leis do mercado e não tiveram condições de entregar o produto. Outras cumpriram com o compromisso assumido, mas operaram no vermelho.

Como forma de utilizar o excesso de oferta potencial e evitar o canibalismo entre os produtores de biodiesel, a indústria automobilística propôs que se autorizasse a produção de carros de passeio movidos a diesel e, as indústrias de biodiesel sugeriram antecipar o B3 para o 1º semestre de 2008, o B4 para o 2º semestre de 2008 e o B5 para o início de 2009. A utilização de B10, B20 ou mais, dependerá da produção e do preço das oleaginosas, assim como, do mercado do petróleo.

Por enquanto, no referente ao biodiesel, o que o Brasil tem mesmo é muita terra apta e disponível, clima favorável e domínio das tecnologias de produção de oleaginosas em climas tropicais. Tem, portanto, muito potencial, mas, ainda, pouca produção. Em 2006, o País foi apenas o 14% produtor de biodiesel, mas deverá terminar 2007 como 3º ou 4º produtor e, possivelmente, o 1º produtor a partir de 2009 ou 2010.

Amélio Dall’Agnol é natural de Erechim, RS. Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Pelotas, RS. MSc e PhD pela Universidade da Flórida, EUA. Pesquisador da Embrapa desde 1975. [email protected]