Política

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta quarta-feira, 9, tarifas de 50% sobre produtos importados do Brasil. Em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e divulgada na rede social Truth Social, Trump justifica o nível da taxa como resposta ao tratamento dado pelo Brasil ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Ele ainda aponta que ordens judiciais “censuram” redes sociais americanas e inibem a liberdade de expressão de cidadãos dos EUA. Segundo Trump, esses ataques do Brasil partem do Supremo Tribunal Federal (STF).

No documento, Trump também ameaça elevar ainda mais as tarifas caso o país responda com medidas semelhantes. “Se, por qualquer motivo, você decidir aumentar suas tarifas, então, qualquer que seja o número escolhido para aumentá-las, ele será adicionado aos 50% que cobramos”, escreveu.

As tarifas passarão a valer a partir do dia 1º de agosto. No entanto, para que isso aconteça, ainda é preciso que Trump assine uma ordem executiva ou outro documento oficial, o que ainda não foi feito.

O documento divulgado não esclarece se as novas taxas serão cobradas independentemente de outras tarifas setoriais, como a cobrança de 50% pelo aço. A questão só será esclarecida quando uma ordem executiva sobre o tema for publicada.

Brasil prepara retaliação

O governo Lula deve anunciar nesta quinta-feira, 10, uma retaliação à decisão dos EUA de elevar as tarifas dos produtos exportados aos EUA, em meio à expectativa de um dia de fortes perdas no mercado financeiro e de embates políticos e jurídicos.

O presidente Lula anunciou nas redes sociais que vai recorrer à lei de reciprocidade econômica, aprovada neste ano pelo Congresso. Segundo a lei, o governo fica autorizado a adotar tarifas comerciais sobre bens e serviços importados e até suspender concessões e obrigações do país relativas a direitos de propriedade intelectual.

“Qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de reciprocidade econômica”, afirmou Lula, em nota nas redes sociais. A medida, entretanto, deverá provocar uma escalada na guerra comercial.

Impacto inicial

A ofensiva de Trump vai deflagrar fortes impactos na economia, na política e no judiciário no Brasil. Na quarta-feira, a Bolsa de Valores já estava fechada quando Trump anunciou a medida. No mercado futuro, as apostas são de que a Bolsa caia mais de 2% nesta quinta, mas com a perspectiva de prejuízos à economia brasileira.

Conforme levantamento publicado pela Exame, os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Em 2024, o país vendeu cerca de US$ 40 bilhões em produtos aos Estados Unidos. Ao todo, o Brasil exportou US$ 337 bilhões em mercadorias, de modo que os EUA representam cerca de 12% do total das vendas brasileiras.

Em relatório divulgado na noite de quarta-feira, o banco Goldman Sachs avaliou que a elevação das tarifas deve reduzir o Produto Interno Brasileiro (PIB) entre 0,3 e 0,4 ponto porcentual, caso não haja retaliação significativa. “Caso o país opte por retaliar, o impacto negativo na atividade econômica e na inflação poderá ser maior”, escreveram os analistas do Goldman Sachs.

Entre os produtos que o Brasil mais exporta para os Estados Unidos estão aço, petróleo, aviões, celulose, café, carne e suco de laranja. Na quarta, os títulos da Embraer no mercado americano chegaram a cair 8% depois do fechamento do pregão regular da Bolsa de Valores. Às 21h40, também estavam em queda papéis da Petrobras, Vale, Bradesco e Itaú.

No agronegócio, o impacto deverá ser grande. Segundo o diretor executivo da CitrusBR, Ibiapaba Netto, os exportadores foram pegos de surpresa. “Ainda vamos avaliar o impacto, mas é uma notícia péssima para o setor”, afirmou.

A Associação Brasileira das Indústria Exportadoras de Carnes (Abiec) afirmou que a medida representa um “entrave ao comércio internacional”. Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), os EUA consomem cerca de 24 milhões de sacas de café, e o Brasil tem 30% desse mercado.

No front político, a pressão de Trump para beneficiar Bolsonaro não deve mudar a disposição do STF em julgar o ex-presidente Bolsonaro.

Ministros do Supremo disseram, em caráter reservado, à repórter Carolina Brígido, que não se impressionariam se os ataques dos EUA ao Brasil se intensificassem à medida que se aproxima o julgamento de Bolsonaro, previsto para acontecer entre o fim de agosto e o início de setembro. Segundo ministros do Supremo, esse tipo de pressão não impedirá o julgamento de ser realizado.

O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, conversou com Lula sobre a crise aberta pelo tarifaço de Trump. Ficou combinado que os integrantes do tribunal não vão se manifestar sobre o caso. A tarefa ficou com o Itamaraty, que já se manifestou.

Na quarta, o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos, Gabriel Escobar, foi convocado para uma reunião com a embaixadora Maria Luisa Escorel, secretária da América do Norte e Europa, do Itamaraty. Maria Luisa avisou que Lula mandou “devolver a carta por meio da qual Trump anunciou a taxação por considerá-la ofensiva”, com “afirmações inverídicas” sobre o país e “erros factuais” a respeito da relação comercial entre os dois países.

Mais cedo, a embaixada americana havia dito que Bolsonaro e sua família têm sido “fortes parceiros” dos norte-americanos e afirmou que a “perseguição política contra ele, sua família e seus apoiadores é vergonhosa e desrespeita as tradições democráticas do Brasil”. A nota da embaixada americana reforçou declaração de Trump na segunda-feira, 7, que falou em “perseguição” e “caça às bruxas”, além de pedir para que “deixem Bolsonaro em paz”.

Outro front aberto pelas tarifas de Trump foi na política interna brasileira. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) usou a decisão de Trump para cobrar do Congresso Nacional a aprovação de uma anistia para seu pai, Jair Bolsonaro. O parlamentar licenciado chega a chamar a sobretaxação imposta pelos EUA de “tarifa-Moraes”.

Eduardo Bolsonaro, que está morando nos Estados Unidos, onde diz atuar para impor sanções contra o STF por causa das investigações contra seu pai, publicou uma nota intitulada “Uma hora a conta chega”, em que fala para que as autoridades brasileiras “evitem escalar o conflito e adotem uma saída institucional que restaure as liberdades”.

A medida de Trump e as falas de Eduardo Bolsonaro viraram combustível para o discurso de petistas contra bolsonaristas. Os petistas responsabilizaram os bolsonaristas pelas tarifas e partiram para o ataque. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), disse que o partido estuda formas de pedir a cassação do mandato do deputado.

Lindbergh também responsabilizou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), que postou foto nas redes sociais com boné dos Estados Unidos nesta semana. “Não tem dúvidas que teve a atuação do Eduardo. E teve essa campanha que estão fazendo fora do país cotidianamente”, disse Lindbergh. “Os vira-latas da direita têm que se explicar”, atacou.

Com informações adicionais da Exame e edição NovaCana

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