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Soja

Disputa entre China e EUA está afetando o esmagamento de soja no Brasil


BiodieselBR.com - 01 nov 2018 - 16:50 - Última atualização em: 30 out 2020 - 19:03

A vida não anda nada fácil para as esmagadoras de soja do Brasil. Pegas bem no meio do fogo cruzado da guerra comercial que está sendo travada por China e Estados Unidos, elas viram suas margens sendo corroídas ao longo do segundo semestre e, agora, estão tendo que amargar prejuízos se quiserem continuar a operar. Segundo um levantamento publicado há algumas semanas pela Bloomberg, alguns processadores vêm pisando no freio e reduzindo – ou paralisando – suas atividades a espera de condições mais favoráveis.

Dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) realmente mostram uma queda no processamento. Até agosto – dado mais recente –, haviam sido esmagadas um pouco menos de 23,4 milhões de toneladas de soja. Cerca de 16,8% menos do que em 2017.

Esse movimento é resultado de um tufão que se abateu sobre o mercado global de soja desde que os dois maiores players globais começaram a medir forças. A tensão entre os dois gigantes vem recrudescendo desde abril passado, quando o governo de Trump impôs tarifas de 25% sobre um grupo de 1.300 produtos que, juntos, representavam US$ 50 bilhões em exportações chinesas para os EUA. A resposta de Beijing veio em espécie: no começo de abril sobretaxou – também em 25% – 128 produtos norte-americanos.

Entre estes produtos está a soja. E é aí que as coisas se complicam.

De um lado temos os Estados Unidos que, apesar do crescimento acelerado da sojicultura brasileira nos últimos anos, segue como maior produtor mundial da oleaginosa. Os produtores norte-americanos colheram 120 milhões de toneladas na temporada agrícola atual o que representa 35,6% da oferta mundial. Do outro lado do mundo, temos o maior mercado consumidor para a commodity com uma demanda de aproximadamente 94 milhões de toneladas.

Até então, soja era precisamente o principal produto na pauta de comércio entre os dois países. “Entre janeiro a dezembro de 2017, os EUA exportaram 31,7 milhões de toneladas de soja em grão para a China”, explica o analista de mercado de soja da consultoria Safras & Mercado, Luiz Fernando Gutierrez. “[A soja] acabou virando o alvo ideal para a China retaliar os Estados Unidos”, prossegue.

Brasil

Com o acesso à soja norte-americana barrado, os compradores chineses se voltaram em massa para o Brasil. “Por ser o maior exportador de soja em grão do mundo, o Brasil se tornou o destino natural para a demanda chinesa”, diz Luiz Fernando. Esse movimento foi reforçado pela quebra de mais de 30% na colheita da Argentina – o terceiro maior produtor do mundo – neste ano.

De janeiro até setembro – dado mais recente divulgado –, as exportações nacionais de soja em grão já passam das 69,2 milhões de toneladas. O crescimento sobre o mesmo período do ano passado foi de 13,2%. Desse montante, um pouco mais de 55 milhões de toneladas – 79,5% – tiveram a China como destino final. Um ano antes os embarques para o país asiático somavam 47,7 milhões de toneladas.

De quebra, as incertezas sobre as eleições presidenciais deste ano ajudaram o dólar a se valorizar frente ao real colocando ainda mais vento a favor dos exportadores, a ponto de sobrepujar até mesmo os efeitos da sazonalidade da oferta no Hemisfério Sul.

“Isso está fazendo com que nossas as vendas externas batam recordes e cresçam em um período em que elas deveriam estar em queda”, admira-se o professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e pesquisador Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Lucilio Alves.

O resultado foi um enxugamento brutal dos excedentes na oferta brasileira. Projeções da Abiove indicam que os estoques da oleaginosa devem fechar o ano em 1,46 milhão de toneladas, os menores já registrados pela entidade desde que ela começou a acompanhar o mercado em 1999.

Um ano antes, os estoques de passagem estavam em 5,2 milhões de toneladas. Uma queda de 72,2%.

Prêmios em alta

Não quer dizer que a indústria corra o risco de parar por falta de soja. “Nós ainda temos excedentes. Podemos ter restrições maiores do que em anos anteriores, mas não creio em falta [de soja]. Em último caso, seria possível importar”, ressalta Lucilio. O problema é que, com a China sugando toda a soja brasileira que consegue encontrar, os preços do grão no mercado interno dispararam.

Dados da Safras & Mercado indicam que na média anual, o valor que os importadores pagam além das cotações mais do que dobram – alta de 135,5% – neste ano sobre a média apurada em 2017. “Os prêmios estão bem acima do normal”, pontua Luiz Fernando da consultoria Safras.

“Atualmente, o mercado de soja do Brasil está operando com preços cerca de 30% maiores que o norte-americano”, complementa Lucilio, explicando que isso reflete um movimento duplo, ambos explicados pelo deslocamento da demanda chinesa dos EUA para o Brasil. “Isso derrubou os preços na Bolsa de Chicago [que serve de referência para a soja] e fez com que os prêmios aumentassem no Brasil”, conclui.

Do começo do ano até agora, os preços da soja no mercado do Paraná acompanhados pelo Cepea acumulam alta de 16,4%. E isso porque, o processo perdeu sustentação ao longo último mês – em setembro a alta acumulada se aproximava dos 32%.

A consequência imediata é um cenário bastante adverso para as esmagadoras brasileiras. “No fundo, o que estamos vendo é um aumento nos custos de esmagamento”, reconhece o gerente de economia da Abiove, Daniel Amaral.

“Por um lado, fica caro comprar soja para esmagar. Por outro, as cotações internacionais do farelo e do óleo não estão acompanhando essa alta por causa da competição com os Estados Unidos”, complementa Luiz Fernando dizendo que os impactos vêm se tornando mais visíveis nos últimos “três ou quatro meses”.

No vermelho, por enquanto

Nas contas do Cepea, na média do mês de outubro os esmagadores perderam o equivalente a US$ 11,05 para cada tonelada de soja que processaram. Daniel reconhece a dificuldade, mas a classifica como “pontual” e garante que a situação não representa ameaça à oferta de óleo para a produção de biodiesel. “Somos empresas que estão há décadas trabalhando com commodities, não vai ser uma variação sazonal que nos fará deixar de cumprir nossos contratos”, elabora apontando que, apesar dos percalços, as esmagadoras estão dando conta de garantir a oferta de óleo durante a transição do B8 para o B10. “Tivemos greve de caminhoneiros, tabelamento de fretes, guerra comercial... Nada nos impediu de cumprir nossos compromissos”, continua.

A crise, de qualquer forma, não deve ser particularmente prolongada. A expectativa para o próximo ano é de que, conforme a safra 2018/19 comece a chegar ao mercado e a demanda global passe a se reajustar dentro da nova realidade, haja uma recomposição. As projeções do Cepea apontam que, no primeiro semestre de 2019, as margens do esmagamento oscilarão entre US$ 14,60 e US$ 31,50 por tonelada – apresentando uma média de US$ 24,09.

Além disso, como a soja ficou cara por aqui, a tendência é que compradores que se abasteciam no Brasil passem a buscar alternativas como a Argentina ou os próprios Estados Unidos – vale lembrar que, para o restante do mundo, a guerra comercial tornou a soja norte-americana mais barata – que acaba de colher uma boa safra. “No médio e longo prazos, o mercado vai voltar a se reequilibrar. Esse processo deve começar já no ano que vem e ganhar intensidade em 2020”, avalia Lucilio.

Há até o risco de que o atual surto de exportações para a China possa ser um mal negócio para o Brasil. “Nesse primeiro momento saímos no lucro, mas os fluxos comerciais globais vão mudar e não temos como saber como vai ser o ano que vem”, comenta Luiz Fernando.

Aumento de oferta

Segundo os entrevistados, a demanda extra da China já está tendo impacto sobre a decisão de plantio dos agricultores brasileiros para a safra 2018/19. Com a oleaginosa ficando mais rentável justamente por causa dos efeitos da guerra comercial, a tendência é de aumento na área reservada à soja da ordem de 2% nas contas da Safras & Mercado. “Se o clima ajudar um pouco termos outra safra recorde no Brasil”, adianta o consultor da Safras.

Isso pressionaria o mercado global. “Tivemos uma safra muito boa nos Estados Unidos que eles não estão conseguindo escoar. Se juntar nisso uma colheita maior aqui, temos os elementos para um cenário baixista”, analisa Lucilio.

Uma saída para o impasse está sendo buscada pela Abiove. Hoje, a China importa quase exclusivamente soja em grão. A entidade espera modificar essa realidade. “Estamos trabalhando em parceria com o governo brasileiro para abrir o mercado chinês ao farelo brasileiro. Queremos mostrar que somos um parceiro confiável”, diz.

Grosso modo cada tonelada de soja processada rende 200 kg de óleo e 800 kg de farelo. Por esse motivo, encontrar mercados para onde escoar o farelo de soja fabricado no Brasil é um dos nós que precisarão ser desatados para abrir caminho para os novos aumentos de mistura de biodiesel. “A indústria de esmagamento está trabalhando para ter o óleo necessário para a abastecer a produção de biodiesel. O farelo que será gerado nesse processo é uma oportunidade para que a própria China tenha um produto de qualidade e uma oferta confiável”, finaliza Daniel.

Fabio Rodrigues – BiodieselBR.com