Em Foco

Em uma das beiras da península do Castanhão, maior açude do Brasil - desenhado no sertão cearense jaguaribano -, o sangue despejado de 1.400 quilos de tilápia avermelha a terra desde as 7 horas da manhã. É quarta-feira de um sol de quarar. No barracão, onde pelo menos 20 homens da Cooperativa do Curupati-Peixe se revezam num trabalho organizado, um personagem espreita ansiosamente as vísceras do pescado. Olha atento, desloca-se de um lado para o outro e é rápido quando chega o momento de pegar o que lhe deram por camaradagem.

A espera dura o tempo da despesca. E é contado, também, pelos segundos que as peixeiras amoladas levam para golpear certeira a barriga das tilápias graúdas colhidas de alguns dos 620 criatórios flutuantes do projeto de piscicultura Curupati-Peixe. As tripas do pescado, e tudo que aparentemente não tem serventia comercial para as 53 famílias cooperativadas, enchem um cocho de madeira ligado à mesa de triagem do pescado.

Quatro horas depois, finalmente, o boa praça Francisco Fernandes Maciel, 24, é autorizado a recolher os “fatos” das tilápias que foram tratadas e comercializadas a poucos metros de uma das margens prósperas do Castanhão.

Maciel enche, justo, quatro tambores - cada um com 200 litros - de vísceras frescas. Do barracão da Cooperativa, ajudado por um reboque engatado a sua moto, segue para uma barraca de madeira onde um “laboratório” improvisado em cima de um fogão de tijolos e madeira.

Invenção
Lá, o criativo e inovador Fernandes Maciel, que tem apenas o 2° ano do ensino médio incompleto, ferve por quatro horas as vísceras em dois caldeirões artesanais. Através de um processo de decantação, ele consegue engarrafar um óleo que foi batizado pela comunidade de “biodiesel”.

A um preço de R$ 0,50 o litro, o extrato do rejeito da tilápia segue para Juazeiro do Norte e para a sede do município de Jaguaribara, para ser misturado a combustível que faz até trator “andar”. A fórmula do
“menino do biodiesel”, repassada para Maciel por um amigo, também é aproveitada para fazer sabão. “Depois que tiro o combustível, jogo os cozidos para os porcos. Tão gordos!”, observa.

Por depender da despesca da Cooperativa do Curupati-Peixe, a produção do “biodiesel” de tilápia é flutuante. Em média, soma Maciel, dá para fazer 12 tambores (cada um de 200 litros) de óleo. O melhor mês da “usina”, lembra o rapaz que hoje dispensa patrão, foi no último novembro quando ele vendeu 23 “barris” do combustível.

Sobre o castanhão
O Castanhão foi construído em Alto Santo, 253 km ao sul de Fortaleza. A bacia ocupa áreas de outros três municípios - Jaguaribara, Jaguaribe e Jaguaretama. O Castanhão tem capacidade para represar 6,7 bilhões de m³ de água, duas vezes o volume da Baía da Guanabara.

Demitri Túlio e Plínio Bortolotti - Enviados à Região do Jaguaribe

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