Escolhi como tema para escrever este artigo um assunto que, provavelmente, venha a causar alguma polêmica. Chama a atenção na mídia brasileira, o fomento e incentivo que vem sendo dado para a produção de biodiesel a partir do óleo de mamona, que resultou no cultivo dessa oleaginosa em quase todo o território nacional. Acredito que muitos leitores já me ouviram defendendo certos argumentos contrários ao uso dessa matéria-prima para produção de biodiesel nos inúmeros eventos sobre o tema que tem acontecido nos quatro cantos do Brasil. No entanto, gostaria evidenciá-los mais uma vez neste portal, pois acredito que uma das minhas responsabilidades como pesquisador e professor universitário seja incentivar o debate do programa de biodiesel com base científica.
O óleo de mamona é bastante peculiar e diferente das demais oleaginosas cultivadas no Brasil, tendo na sua composição química aproximadamente 90 % do ácido graxo ricinoléico (12-hidroxi-cis-9-octadecenóico). O grupo hidroxila desse ácido graxo, que permite que este óleo seja uma excelente matéria-prima para diversos produtos químicos de alto valor agregado, conduz a propriedades químicas, tanto do óleo como do biodiesel de mamona, muito diferentes das apresentadas por outras oleaginosas usuais, como pode ser visto na Tabela abaixo. A partir dos valores apresentados nessa Tabela, os quais foram coletados de estudos publicados por outros pesquisadores ainda na década de 1980, percebe-se que os combustíveis dos óleos de soja e dendê apresentam valores aceitáveis para as propriedades estudadas, enquanto que o derivado de mamona não. Obviamente, o uso do biodiesel apenas como aditivo, com até 2 % em misturas de diesel como pretendido inicialmente pelo PNPB, não trará limitações para o seu uso. Mas limitações certamente irão ocorrer se teores maiores, como 5 %, forem adicionados ao diesel futuramente.
Por outro lado, quem já tentou fazer biodiesel com diversas oleaginosas sabe que o uso do óleo de mamona dificulta todas as etapas processo, tanto na velocidade da transesterificação, quanto na separação e purificação dos produtos dessa reação (recentemente a Profa. Simoni Meneghetti da UFAL publicou um interessante artigo no periódico científico americano Energy Fuels onde relata um estudo comparativo da transesterificação de diversos óleos vegetais). Certamente esses fatos, associados a um preço bem mais elevado desse óleo em relação aos demais, tornarão esse biodiesel bem menos competitivo economicamente.
Acredito que o incentivo à mamona seja conseqüência de uma tentativa governamental de resolver problemas sociais crônicos brasileiros, principalmente nas regiões do semi-árido. No entanto, penso que colocar as dimensões social e política a frente do conhecimento científico disponível na nossa comunidade poderá levar a prejuízos ao PNPB.   
Tabela. Valores obtidos para a viscosidade e densidade de biodiesel obtido por metanólise (OMe) e etanólise (OEt) dos óleos de mamona, soja e dendê.
(OMe) e etanólise (OEt) dos óleos de mamona, soja e dendê.
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			 Viscosidade a 37,8 ºC (cSt)  | 
			
			 Densidade 20 ºC (g.cm-3)  | 
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			 OMe  | 
			
			 OEt  | 
			
			 OMe  | 
			
			 OEt  | 
		|
| 
			 Mamonaa  | 
			
			 17,02  | 
			
			 19,75  | 
			
			 0,9144  | 
			
			 0,9095  | 
		
| 
			 Sojab  | 
			
			 4,08  | 
			
			 4,41  | 
			
			 0,884  | 
			
			 0,881  | 
		
| 
			 Dendêa  | 
			
			 6,25  | 
			
			 6,39  | 
			
			 0,8603  | 
			
			 0,8597  | 
		
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			 Óleo Diesel Interiorc  | 
			
			 2,5 a 5,5  | 
			
			 0,820 a 0,880  | 
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			 Óleo Diesel Metropolitanoc  | 
			
			 2,5 a 5,5  | 
			
			 820 a 865  | 
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Paulo Anselmo Ziani Suarez é engenheiro químico, colunista BiodieselBR.com, com pós-doutorado pelo National Center for Agricultural Utilization Research dos Estados Unidos. Saiba mais sobre o autor.