Francisco Barreto é presidente da Bionasa Combustível Natural S.A, uma empresa da Jaraguá Participações que atua também no segmento de tabaco e produtos adoçantes. A usina associou-se à companhia britânica Trading Emission PLC (TEP) para a construção de um complexo industrial de produção de biodiesel em Porangatu, no interior de Goiás. Em entrevista exclusiva ao CANAL ele detalha o empreendimento e expõe suas opiniões sobre o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel.
Quando a unidade da Bionasa começa a operar?
O começo da operação está projetado para setembro deste ano. A indústria tem a capacidade para 200 mil toneladas/ano em sua primeira etapa. Na segunda etapa, prevista para setembro de 2010, a produção aumenta mais 200 mil toneladas, tornando-se a maior unidade industrial do mundo de produção de biodiesel.
Quais matérias-primas serão utilizadas na produção?
Vamos trabalhar com o pinhão-manso e o dendê, mas não num primeiro momento. Inicialmente vamos trabalhar com girassol e uma pequena parte de soja. Estamos fazendo uma grande plantação de pinhão-manso no Norte de Goiás, onde há uma quantidade muito grande de áreas degradadas e que se prestam bastante ao plantio do pinhão-manso, dado a sua adaptabilidade à região.
Quais fatores foram decisivos para instalar a indústria na região?
Tem muito a ver com logística e com os 2 milhões de hectares degradados, abandonados ou subutilizados em uma região que também abrange o Sul do Tocantins e o Nordeste de Goiás. Uma indústria dessa magnitude deixará na região mais de 650 milhões de reais/ano em riqueza gerada pela agricultura. A indústria está se comprometendo em fazer a compra da produção dos agricultores. O Norte de Goiás precisava de um apoio industrial e a instalação teve incentivo fiscal, dentre outros, pelo governo do Estado. Nós avaliamos e achamos que a região é realmente boa para esse propósito. Do ponto de vista da logística, a indústria se localiza entre a Belém-Brasília e a Ferrovia Norte Sul. Acho que o Crescimento do País em direção ao Norte é uma conseqüência natural.
E a decisão pela produção de biodiesel, como se deu?
Temos informações de especialistas europeus em energia de que haverá uma queda muito grande nas reservas de petróleo a partir de 2015. Com isso, tanto o etanol como o biodiesel terão uma ascensão natural junto aos mercados interno e externo. E esse nosso projeto é de longo prazo. É gigantesco para Goiás e para o Brasil.
Quantos empregos diretos e indiretos serão gerados?
Após o início da segunda etapa teremos aproximadamente 300 empregos diretos e mais de 20 mil empregos indiretos na região, incluindo os agricultores familiares. A nossa empresa apóia o agricultor familiar in loco. Ajudamos na preparação da terra e no cultivo do pinhão-manso, que é a única cultura que poderá trazer lucro a esses agricultores.
Quantos hectares já estão plantados e qual será a área total?
Nós teremos plantados este ano 2 mil hectares em função de uma adesão baseada na confiabilidade. Fizemos um trabalho de convencimento e conquista de credibilidade junto aos produtores. A partir de 2008 também pretendemos plantar entre 7 a 10 mil hectares em assentamentos, que totalizam 198 mil hectares. Queremos alcançar até 2010, no mínimo, 50 mil hectares junto aos assentados. Este é um capítulo da história importante para a Região Norte e para os assentados, para assegurar essa renda necessária aos pequenos agricultores, mas também precisamos de ajuda governamental. Temos uma responsabilidade muito séria com a sustentabilidade sócio-ambiental na região. Temos muita contribuição do município, mas precisamos do apoio do Estado e do Governo Federal, via Pronaf, para ajudar, basicamente, na preparação do solo para o plantio.
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E a obtenção de crédito para o plantio do pinhão-manso?
Depende de uma ação política para o Pronaf aceitar e desenvolver programas de financiamento que ainda não existem. Vamos discutir junto com os representantes do Pronaf, no governo federal, para viabilizar esse processo.
E quais são as perspectivas em relação ao girassol?
O girassol é uma oleaginosa fantástica, tem 40% de óleo, mais que o dobro da soja. Não tem sentido trabalharmos com a soja, pois o girassol é a única oleaginosa comestível que pode ser usada na produção de biodiesel sem prejuízo para a cadeia alimentar. Isso porque temos 60 milhões de hectares de terras degradadas e prontas para o plantio. Temos 11 milhões de hectares de terras próprias para a safrinha e o girassol tem as características adequadas para esse tipo de cultivo, que está sendo explorado por poucos agricultores no Brasil e não causa prejuízo a ninguém, pois a terra não é utilizada nesse período. A safrinha é própria para o girassol, que resiste muito mais à seca.
O Programa de Produção e Uso do Biodiesel está em fase inicial. Existe necessidade de ajustes?
A regulamentação do biodiesel tem alguns equívocos. Trata-se de um projeto de grande repercussão do ponto de vista social, pois integra a sociedade ao lucro, ao resultado obtido com a produção. Quando fizeram a regulamentação, transferiram toda a responsabilidade do Estado para o setor privado, além de nos penalizar com muitos impostos. Dizer que existe incentivo fiscal é uma grande balela, pois trata-se de um incentivo para promover aquilo que o Estado não promoveu, a agricultura familiar, que passou a ser uma responsabilidade do empresário. Além disso, estamos subordinados a uma burocracia enorme e anacrônica, que vem de 500 anos atrás.
E quanto aos porcentuais de adição de biodiesel ao diesel?
Acho que até 10% de mistura é pouco, não melhora o clima, não resolve nada. O B 100 é aplicável em qualquer motor. Ele poderia ser utilizado no transporte público e nas máquinas agrícolas, por exemplo. Isso valorizaria o segmento econômico que é a indústria de biodiesel. Fala-se que não existe pesquisa, mas parece que não querem que exista. Deveria haver uma política para reduzir os efeitos sobre o clima e não simplesmente lançar o programa de produção do biodiesel. Ele precisa ter um cunho sócio-ambiental.
Qual é a situação do segmento de produção de biodiesel em relação à obtenção de crédito?
O crédito do Governo é supercomplicado. Ele pede 180% de garantia, uma aberração, coisa de quem não quer emprestar mesmo, pois não quer correr riscos.
A Bionasa está usando só recursos próprios?
Estamos usando só recursos próprios, pois gasta-se muita energia, tempo e dinheiro para conseguir crédito. Só emprestam dinheiro para áreas consolidadas, como a petroquímica e de papel e celulose, por exemplo.
O senhor atua na indústria do tabaco. Por que apostar no biodiesel?
Sim, na indústria do tabaco produzimos charutos e cigarrilhas de alta qualidade e exportamos para 52 países. Estamos também apostando na produção de bioenergia como um todo e no biodiesel, como um primeiro trabalho. Posteriormente vamos investir na geração básica de biodiesel, como esmagadoras e, num terceiro momento, em produtos da oleoquímica, pois o Brasil importa U$ 4 bilhões desses produtos. Podemos fazer toda a cadeia produtiva de oleoquímicos baseada na indústria de biodiesel. Estamos fazendo uma indústria de primeira geração, muito bem feita e estudada. Foram dois anos para elaborar todo o projeto, não foi de forma imediatista.
Que produtos originários da oleoquímica devem ser produzidos?
Aditivos, a partir da glicerina, plásticos duros, química fina, para a área medicamentosa, e uma série de outros produtos. Estamos agora desenvolvendo esses projetos.
A Bionasa tem algum parceiro internacional? Qual a tecnologia utilizada e em que fase está a montagem da indústria?
Sim, a Trading Emissions PLC (TEP), um dos maiores fundos ingleses na área de energia limpa. A tecnologia é italiana, os equipamentos são produzidos pela Dedini e já estão sendo descarregados na indústria. O processo de montagem deve começar ainda em abril.
Há uma crítica em relação ao porcentual inicial obrigatório de adição do biodiesel ao diesel. Neste momento, ele poderia ser maior ?
Existem diferentes pensamentos em relação a isso. Muitas empresas, justamente por falta de incentivo governamental, têm dificuldades. Colocaram muito dinheiro na industrialização e se esqueceram da originação. Paralelamente, houve uma corrida às oleaginosas para a alimentação humana e um problema sério de capital de giro para essas empresas fabricarem e fornecerem o biodiesel. Atualmente, existem cerca de 46 indústrias prontas. As mais profissionais estão produzindo e entregando, mas não na sua total capacidade. São industriais competentes, tradicionais. Alguns deles atuam na área de originação e estão entregando alguma coisa, mas a situação é peculiar, pois os preços de compra nos leilões não cobrem o custo de produção.
O senhor interpreta isso como um descaso por parte do governo ?
Não existe uma posição do Estado brasileiro na área de agroindústria em relação a esse processo, que foi provocado pelo próprio Estado. Isso traz um certo desânimo. Enquanto isso, os EUA utiliza o milho, pouco eficiente para a produção de álcool e dá altos subsídios. Nós só queremos compensação de custo na hora da compra, em função do estouro do preço das oleaginosas que originam o óleo básico para produzir o biodiesel. Isso é o mínimo que o Estado brasileiro pode fazer.
E a posição do presidente Lula sobre essas questões?
Ele está isolado dessas discussões pelo seu staff. Ele não sabe o que está acontecendo. As informações que foram passadas a ele são de que a produção do biodiesel é viável, é um bom negócio e que daria condições de sobrevivência no campo, para o pequeno produtor, mas existem outros fundamentos micro e macroeconômicos dentro do programa que não foram observados, pois o Estado brasileiro não pensa a médio e longo prazo. Era de se esperar que haveria essas distorções.
Evandro Bittencourt
Canal O Jornal da Bioenergia, edição 19, março/2008