PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
Motores

Uma longa estrada pela frente: o que falta para os carros elétricos engrenarem no Brasil


Época Negócios - 23 out 2023 - 09:20

Head da Volvo na América Latina, além de presidente da montadora no Brasil, Luis Rezende não tem do que reclamar. Neste ano, a marca sueca está celebrando seu melhor ano de vendas na região — serão cerca de 20 mil unidades — e resultados recordes em países como Brasil, México e Costa Rica. E uma das metas para o ano que vem é vender o dobro de veículos no conjunto de países sob a alçada de Rezende — são 14 no total.

No ano passado, segundo a Fenabrave, o Brasil emplacou 5.270 carros da montadora, que pertence à chinesa Geely há mais de uma década. As incertezas da economia provocaram uma queda em relação a 2021, quando haviam sido emplacados 8.277. Mas, neste ano, a tendência é atingir uma venda recorde de 9 mil carros - só de janeiro a agosto deste ano, foram 5.246.

Boa parte do otimismo em relação a 2024 se deve à entrada em cena do EX30, lançado no Brasil no mês passado. Trata-se do veículo mais acessível da Volvo — 100% elétrico, custa a partir de R$ 219.950. Para efeito de comparação, o XC60 Recharge, um dos hits da marca, parte de R$ 419.950, enquanto o XC90 Recharge não sai por menos de R$ 549.950. “Estamos democratizando a eletrificação no país”, disse Resende a Época Negócios.

Até a chegada do novo veículo, que começará a ser entregue no ano que vem, a montadora se restringia a um nicho de mercado que vende cerca de 50 mil carros por ano. Com o modelo mais acessível, abriram-se as portas de uma fatia que gira em torno de 500 mil comercializações por ano. “Passamos a atingir um mercado dez vezes maior”, reforça o executivo.

Não à toa, a montadora acredita que o EX30 deverá responder pela metade dos 40 mil automóveis que ela espera vender na América Latina no ano que vem. Dez horas após o início da pré-venda na região, no dia 14/9, Rezende anunciou que 1.500 unidades do modelo já haviam sido adquiridas — correspondem a um faturamento de R$ 329 milhões, no mínimo.

Mais compacto que os demais SUVs da marca, o EX30 tem autonomia de até 476 quilômetros, faz balizas por conta própria e dispõe de um recurso que ajuda os motoristas e os passageiros a não abrirem as portas quando há ciclistas passando por perto. E ainda há sistemas para evitar colisões e para alertar motoristas sonolentos, entre outras inovações do tipo.

A montadora, que de 2030 em diante só pretende produzir e comercializar carros elétricos, aproveitou o lançamento do EX30 para anunciar uma nova rodada de investimentos em sua rede de eletropostos. Falamos dos ultrarrápidos, instalados em rodovias — não confundir com aqueles carregadores que demoram horas e horas, vistos em supermercados, shoppings e estacionamentos.

Dos 28 ultrarrápidos previstos na primeira rodada de investimentos, que totalizou R$ 22 milhões, 10 já foram instalados. A segunda rodada, de R$ 50 milhões, prevê mais 73 carregadores do tipo em rodovias Brasil afora.

O bom momento da montadora no país sugere um panorama favorável para os veículos movidos a bateria. De acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), 49.052 modelos eletrificados, total ou parcialmente, foram emplacados no Brasil nos primeiros oito meses deste ano, o que corresponde a um salto de 76% em relação ao mesmo período de 2022. Em comparação aos primeiros oito meses de 2021, o crescimento foi de 129%.

“Estes recordes indicam o amadurecimento gradativo da eletrificação no país e as perspectivas de expansão para os próximos anos”, declarou a ABVE. Segundo a entidade, o país dispõe de 3.800 eletropostos considerados públicos ou semipúblicos — os que estão instalados em casas e edifícios residenciais não entram na conta.

Convém lembrar, no entanto, que os elétricos estão longe de virar maioria no país. De acordo com a NeoCharge, que oferece soluções em infraestrutura de recarga para veículos do tipo, só 157.038 carros movidos a eletricidade circulam atualmente pelo Brasil. Trata-se de 106.346 híbridos, de 55.407 híbridos plug-in e de apenas 15.285 100% elétricos. Para efeito de comparação, o Brasil tem, ao todo, 6,4 milhões de automóveis cadastrados, segundo o Ministério dos Transportes.

O que falta por aqui

A falta de políticas públicas que freiem as vendas dos veículos a combustão no Brasil é tida como o principal empecilho para o crescimento dos elétricos no país. Até os Estados Unidos, que veneram os beberrões de diesel e gasolina, se renderam a mecanismos do tipo. O país da Ford quer que os modelos movidos a bateria representem 50% das vendas de 0km até 2030 — O Brasil não estipulou nenhuma meta do tipo.

Para estimular a transição aos elétricos, o Congresso americano, com o aval de Joe Biden, aprovou a destinação de US$ 7,5 bilhões para a construção de uma rede nacional de eletropostos. O dinheiro permite tirar 500 mil unidades do papel – hoje há 45 mil no país, onde circulam, atualmente, cerca de 2 milhões de elétricos. Correspondem a menos de 1% da frota americana.

“O governo brasileiro deveria incentivar a eletrificação e não insistir em processos antigos e antiquados”, reclama Rezende, referindo-se ao eventual fim à isenção de impostos de importação para carros movidos a bateria – o tema tem sido discutido em Brasília. “É duro que o mesmo país que vai sediar a COP30, em Belém, queira aumentar o preço dos carros elétricos”, acrescenta. “É a tecnologia vencedora. Não dá para insistir em etanol, que polui muito mais que a gasolina em centros urbanos”.

Ele aproveita para criticar as medidas que o governo federal implantou neste ano para estimular a compra de carros populares. “Toda vez que o governo deixa de se preocupar com a macroeconomia para interferir na microeconomia não dá certo”, afirma. “Essas medidas só serviram para antecipar vendas”.

Um dos maiores freios para a adesão em massa aos elétricos, obviamente, é o preço. Com o EX30, é verdade, a Volvo abre as portas para muito mais consumidores – mas continuará restrita aos endinheirados. “Ainda não conseguimos colocar um Volvo na mão de alguém que ganha um salário mínimo, infelizmente, mas já avançamos muito”, diz Rezende. “Um casal com bons salários, por exemplo, já pode ter um veículo nosso, o que era impensável há poucos anos, em vez de dois carros populares, que às vezes custam R$ 100 mil cada um”.

Chineses em cena

Já na China, o governo trabalha em um plano de estímulo à eletrificação da frota, cedendo isenções de impostos para os consumidores e benefícios fiscais aos fabricantes. O primeiro lote de abatimentos monetários equiparou o preço de veículos eletrificados aos seus equivalentes a combustão. Logo, o custo da tecnologia estava totalmente subsidiado. O plano deu tão certo que deveria ter sido encerrado em 2015. Porém, está em uso até hoje. Além de estimular a eletrificação da frota, também favoreceu a ascensão da indústria de elétricos no país.

Tanto que outra montadora que tem ajudado a ampliar o segmento de elétricos e híbridos no Brasil é a chinesa BYD, que começou a vender seus veículos de passeio por aqui no ano passado. De janeiro a agosto, 3.918 carros da marca foram emplacados no país. O Dolphin custa a partir de R$ 149.800, enquanto o Yan Plus parte de R$ 229.800 – ambos são 100% elétricos.

No dia 23/9, a montadora anunciou ter vendido 603 veículos em apenas um dia. Foram 226 unidades do Dolphin; 208 do Song Plus DM-i, um híbrido plug-in; e 122 do Seal. “É uma prova da confiança dos brasileiros nos carros da BYD e mais um passo rumo a um futuro mais verde e sustentável”, declarou Alexandre Baldy, conselheiro especial da companhia. Mais de 4.500 unidades do Dolphin já foram vendidas no Brasil.

A montadora chinesa anunciou que vai investir R$ 3 bilhões em três fábricas na Bahia. A empresa, que rivaliza com a Tesla a primeira posição mundial entre os maiores fabricantes de carros elétricos do mundo, pretende iniciar a produção de seus veículos por aqui até o final de 2024, com capacidade de fabricar até 150 mil veículos por ano.

Segundo o presidente da BYD disse em entrevista a Época Negócios, o objetivo é lançar um carro elétrico de entrada com preço competitivo próximo a R$ 100 mil. Resta saber se carros do tipo vão conseguir deixar os modelos a combustão para trás.

Daniel Salles – Época Negócios