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Natureza

Países amazônicos fecham declaração sem meta comum de desmatamento zero ou bloqueio a petróleo


Valor Econômico e O Globo - 09 ago 2023 - 08:58

A Declaração de Belém, texto político aprovado pelos oito países da Organização do Tratado de Cooperação Econômica, a OCTA, na Cúpula da Amazônia, frustrou a expectativa de uma meta regional para combater o desmatamento, embora cite quatro vezes que é preciso evitar o ponto de não-retorno da floresta.

O texto final “salienta a urgência de pactuar metas comuns para 2030 para combater o desmatamento”, mas tem como “ideal” alcançar o desmatamento zero na região. O ponto era defendido pelo governo brasileiro, que recuou para encontrar consenso com países mais pobres, com dificuldades para se comprometer com a meta, como a Bolívia.

A declaração lança a Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento, a partir das metas nacionais como a de desmatamento zero até 2030 do Brasil. Foi a maneira de acomodar as diferenças entre as legislações florestais dos países e os interesses.

Há contudo, sinalizações positivas. A principal delas é citar que é preciso evitar o ponto de não-retorno da floresta, quando o bioma fica empobrecido diante da incessante pressão do desmatamento e dos incêndios. É uma vitória da ciência, principalmente do pesquisador brasileiro Carlos Nobre, que cunhou o conceito em pesquisas sobre a resiliência da Amazônia com o norte-americano Thomas Lovejoy, na década de 90.

Se a Amazônia for desmatada em mais de 20% a 25%, pode transformar-se em uma savana, perdendo suas características de floresta tropical. O Brasil, segundo o MapBiomas, desmatou 21% da floresta. A região amazônica, contudo, já perdeu 17% de sua cobertura nativa.

O texto cria o Painel Intergovernamental Técnico-Científico da Amazônia, na OCTA, com pesquisadores da região e participação permanente de povos indígenas e comunidades tradicionais.

Menciona a criação de Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, com sede em Manaus. A ideia está no plano de segurança à Amazônia do ministro da Justiça Flavio Dino e a intenção é coordenar ações e trocar informações com outros países, numa espécie de Interpol amazônica. Trata-se de um esforço para erradicar as atividades ilegais e o crime organizado.

Outro ponto é a criação de um sistema de controle de tráfego aéreo. A intenção é conseguir monitorar e combater o narcotráfico e a exploração ilegal de recursos naturais na região.

O avanço foi tímido na exploração de petróleo, tema que o Brasil bloqueava e a Colômbia impulsionava. Em seu discurso, o presidente Gustavo Petro foi eloquente em relação aos hidrocarbonetos. “Estamos às margens da extinção da vida. E, nesta década, nós políticos temos que tomar decisões”, disse. Reprovou o que chamou de “negacionismo progressista”, que não consegue se descolar dos interesses econômicos e do lobby dos combustíveis fósseis.

A Colômbia defendia que não se abram novas frentes de exploração de petróleo na floresta, a contradição mais evidente da agenda climática do governo Lula e dos Estados amazônicos. Em rascunhos do texto, a citação era genérica. Na declaração final inicia-se um diálogo entre os países sobre a sustentabilidade da mineração e da exploração de petróleo. Foi uma vitória colombiana.

O texto cita 64 vezes os povos indígenas, abrindo espaço ao tema. O tópico mais forte é o que garante os direitos dos povos indígenas, comunidades locais e tradicionais, incluindo o direito aos territórios e terras habitados por eles, “sua posse plena e efetiva”. Menciona os processos de definição, delimitação ou demarcação, e titulação de territórios e terras, de acordo com as diferentes legislações nacionais.

Nos parágrafos iniciais, a declaração condena a “proliferação de medidas comerciais unilaterais que, com base em requisitos e normas ambientais, resultam em barreiras comerciais”. O texto diz que estas barreiras comerciais “afetam principalmente os pequenos produtores em países em desenvolvimento, a busca do desenvolvimento sustentável, a promoção de produtos amazônicos e os esforços de erradicação da pobreza e de combate à fome, e ameaçam a integridade do sistema de comércio internacional.”

A Declaração tem 113 artigos. É longa e abrangente e foi celebrada como um ponto de partida para articulação regional. O fortalecimento institucional da OCTA é um longo capítulo. Institucionaliza o Observatório Regional da Amazônia (ORA), um painel de monitoramento online de vários parâmetros da região, do desmatamento ao surgimento de garimpos.
Discorre ainda sobre cidades da Amazônia, ciência e educação, recursos hídricos, mudança do clima, proteção do bioma, cooperação policial e de inteligência, infraestrutura e desenvolvimento sustentável, saúde, segurança alimentar, proteção social, direitos humanos, reconhecimento cultural, cooperação diplomática e implementação.

Cinco tópicos sensíveis na Declaração de Belém:

- O esperado compromisso transnacional de desmatamento zero para a Amazônia em 2030 ficou de fora do documento, mencionada como um objetivo a ser perseguido;
- A sugestão de barrar novos campos de exploração de petróleo no bioma ficou de fora da declaração; há um indicativo de que a questão tenha uma agenda de discussão;
- O texto é incisivo em reafirmar o direito de indígenas à "posse plena e efetiva" de suas terras, seja por "definição, delimitação ou demarcação, e titulação";
- A declaração menciona quatro vezes que a floresta não pode ser destruída até chegar a um "ponto de não retorno", a partir do qual cientistas estimam que ela não se sustenta sozinha;
- Os países amazônicos usam o texto para atacar países ricos que ameaçam impor barreiras comerciais a produtos de áreas desmatadas, alegando que pequenos produtores são punidos.

Daniela Chiaretti e Rafael Garcia – Valor Econômico e O Globo