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Biodiesel: energia ou inclusão social


KEIJI KANASHIRO - 13 jan 2010 - 15:49 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:10

Contribuição ao debate em defesa da agricultura familiar

No segundo semestre do ano de 1973, em função da primeira grande crise de abastecimento mundial de petróleo, o governo federal começava a estruturar as diretrizes de um grande programa de energia renovável, o “Pró-Álcool”. Esta crise iria provocar um grande aumento nos gastos com a importação de petróleo (US$ 600 milhões em 1973 para US$ 2,5 bilhões em 1974) e um déficit na balança comercial de US$ 4,7 bilhões, que impactaria fortemente na divida externa brasileira e na escalada da inflação que salta de 15,5% em 1973 para 34,5% em 1974.

Na época eu trabalhava na Mercedes Benz do Brasil S/A, e cheguei a participar em algumas reuniões de um grupo de trabalho, que discutia a concepção de um motor MBB movido a álcool. Numa destas reuniões, foi apresentado um quadro comparativo que demonstrava que o álcool produzido através da mandioca tinha um rendimento superior ao álcool da cana de açúcar. A partir desta constatação, uma segunda discussão aparecia. A opção poderia ser por uma cultura de latifúndio (cana de açúcar) ou uma cultura de minifúndio (mandioca) que poderia alavancar na época, um grande programa de fixação do homem no campo e a tal sonhada reforma agrária.

"Parte da Petrobras e parte da Petrobras Bicombustível, está dividida quanto ao entendimento deste programa, como um Programa de Energia ou de inclusão social." KEIJI KANASHIRO


Trinta anos depois, em 2003, como secretário-executivo do Ministério dos Transportes, acompanhei as discussões do grupo de trabalho formado no início do governo Lula sobre o biodiesel. A primeira constatação foi que desta vez, haveria uma grande possibilidade de um avanço na reforma agrária. Isto porque a produção do biodiesel teria como vantagem intrínseca a possibilidade de processamento de vários tipos de oleaginosas, ainda que com rendimentos de produção distintos, como é o caso da soja, algodão, girassol, mamona, dendê, palma, pinhão manso, o que amplia consideravelmente a abrangência territorial e a forma de exploração das culturas, incluindo alternativas interessantes para a agricultura de base familiar.

Tal situação levou ao estabelecimento, na forma da lei federal 11.097, de 13/01/2005, da obrigatoriedade de mistura de biodiesel ao óleo diesel de origem mineral consumido no país, em uma proporção de 2% a partir de 2008 e de 5% a partir de 2013. Ato contínuo, uma série de iniciativas vem sendo tomadas ou fomentadas para o abastecimento de biodiesel para o mercado nacional, principalmente envolvendo ações de grupos privados, com foco nesta nova oportunidade de empreendimento.

A PETROBRAS, enquanto empresa estatal e principal alavancadora do programa vem desenvolvendo, de acordo com o seu Plano de Negócios, um amplo conjunto de iniciativas no campo das energias renováveis, que tanto visam os interesses econômicos empresariais, como os objetivos de responsabilidade social e com o meio-ambiente. Em relação ao biodiesel, particularmente quanto ao atendimento do disposto na legislação federal, a empresa precisa suprir as suas necessidades considerando a sua participação no mercado nacional de distribuição de óleo diesel. As projeções realizadas, considerando que esta participação é de 32%, indicam um consumo de 800 mil m³ em 2013.

Para suprir tal demanda, a PETROBRAS estabeleceu como prioritária a obtenção de óleo vegetal proveniente de culturas baseadas na agricultura familiar tendo como referência:

•    O alinhamento com a política agrícola e agrária do Governo Federal;
•     A sua política interna de responsabilidade social, em especial valendo-se do Programa Petrobras Fome Zero (PPFZ);
•    As vantagens inerentes aos benefícios fiscais advindos do Selo Combustível Social obtido no uso de matérias primas proveniente da agricultura familiar.

Mediante o PROGRAMA PETROBRAS FOME ZERO, a estatal de forma articulada com outras entidades governamentais, vem apoiando os pequenos agricultores, através de suas representações, na sua organização nas regiões das áreas de influência das unidades para a produção das oleaginosas na quantidade requerida.

Vale ressaltar, que o processo de extração do óleo, que poderá ser suprido pelas próprias cooperativas fornecedoras de oleaginosas, permitirá agregar maior valor ao negócio do pequeno agricultor, que não só fornecerá a matéria prima, como poderá participar da produção do biodiesel.

Trata-se sem dúvida de um ambicioso programa de ação envolvendo inúmeros agentes e um processo produtivo novo, o qual, como tal, exige a solução de diversas questões, que vão do cultivo da oleaginosa, à produção final do biodiesel.

No entanto uma questão que continua atrapalhando o desenvolvimento do programa é sem dúvida o fato de parte da Petrobras e parte da Petrobras Bicombustível, estar divididas quanto ao entendimento deste programa, como um Programa de Energia ou um Programa de Geração de Emprego e Renda no Campo ou mais explicitamente um Programa de Inclusão Social, que acredito ter sido a idéia do governo federal, quando da decisão de se implantar as Usinas de Montes Claros, Candeias e Quixadá, da criação da subsidiária Petrobras Bicombustível S/A e até mesmo da Lei do Selo Combustivo Social.

A Petrobrás nas últimas décadas tem se notabilizado na descoberta de poços de petróleo em águas profundas, como foi o caso recente das reservas do Pré Sal. Quero dizer que incontestavelmente, ela tem excelência em tecnologias para se descobrir poços já feitos. Mas no caso do biodiesel, onde ela tem que construir os poços, ela teve e continua tendo que aprender no processo, porque esta expertise ela não tinha.  A logística do processo é inversa.

Além disso, se a Petrobrás for encarar a produção do biodiesel só pela ótica de negócio, como mais uma alternativa de receita, o biodiesel nunca será uma prioridade da empresa. Isto em função das expectativas de receita e lucros neste processo industrial, em comparação as oriundas da exploração, produção e refino do petróleo.

Por outro lado, sabe-se que os investimentos que a estatal faz em programas sociais, influem diretamente no índice Dow Jones que por sua vez, impactam positivamente nos juros dos financiamentos que ela contrai no exterior. É o caso dos investimentos feitos pelo Programa Petrobras Fome Zero no apoio as cooperativas da agricultura familiar na produção de insumos para produção do biodiesel. Isto quer dizer, que investimentos sociais trazem ganhos para a estatal.

Com a Lei do selo Combustível Social, o governo reforça a sua posição quando busca estimular oleaginosas alternativas a soja, o percentual de aquisição de insumos da agricultura familiar, privilegiando o semi-árido, norte e nordeste. Os benefícios nesta combinação podem chegar a 100% de isenção do PIS – CONFINS para as indústrias de biodiesel.

Esta opção vem sendo muito criticada, principalmente pelos representantes do agro-negócio, leia se monocultura, alegando a falta de competitividades destas oleaginosas, da produtividade destas culturas no semi-árido, norte e nordeste e da capacidade de produção da agricultura familiar. Se voltarmos aos anos 70, ao início do Pró Álcool, vamos verificar que críticas semelhantes eram feitas ao programa.

Sem entrar na discussão do mérito pela escolha na ocasião da cana de açúcar, hoje eu posso afirmar que o Pró Álcool só se tornou realidade devido à política de subsídios do governo federal para manter o programa; a partir dos investimentos em pesquisas feitos na Embrapa nestas três últimas décadas, que reduz os custos de produção do etanol tornando o programa viável; e muito também em função da grande exploração de mão de obra feita pelo setor neste período.
Se o antigo Proálcool distribuiu mais de US$ 11 bilhões em subsídios, hoje os usineiros dizem que não precisam de tais incentivos, porque o setor tem competitividade e eficiência. O faturamento anual anda na casa dos R$ 13 bilhões, a produção em 257 milhões de t de cana e o emprego na faixa de um milhão de trabalhadores. "Não precisamos de nenhum subsídio, porque somos competitivos. Precisamos é reativar a produção do carro a álcool e introduzir o carro com motor bicombustível", afirma o presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única), Eduardo de Carvalho.
Espera-se que em um prazo menor, o mesmo aconteça com o biodiesel. Obviamente sem a exploração dos trabalhadores rurais pelas indústrias, como acontece ainda hoje.

Com o a Lei do Selo Combustível Social e a conseqüente renúncia fiscal, o governo federal está fazendo a sua parte. Faltam as indústrias de biodiesel fazerem a sua, como contrapartida aos benefícios fiscais adquiridos através do Selo Combustível Social, dando assistência técnica e pagando preços justos aos trabalhadores rurais.

De agosto de 2006 a março de 2009, atuando como consultor de logística no Programa de Inclusão da Agricultura Familiar na Cadeia Produtiva do Biodiesel, para as unidades de Montes Claros, Candeias e Quixadá, duas questões ficaram bastante claras para mim.

•    A primeira é que a agricultura familiar tem todas as condições de ser auto-sustentável, a partir de uma política correta do governo federal e apoio inicial da Petrobras;
•    A segunda é que as organizações ligadas à agricultura familiar (MPA, MST, FETRAF e CONTAG) querem agregar valor a sua produção com a produção de óleo vegetal num primeiro momento e num segundo através da produção de biodiesel para pequenos nichos de mercado. Por isso, não aceitam serem apenas fornecedores de produtos primários para a Petrobras.

Por outro lado, a Lei do Selo Combustível Social não esta funcionando a contento, como argumenta Julio Cesar Vedana, diretor de redação da Revista BiodieselBR e do portal BiodieselBR, em seu artigo “O lamentável fracasso do Selo Combustível Social”, que tomo a liberdade de reproduzir alguns trechos da matéria.
 “É fato que a inclusão social não acompanhou a produção de biodiesel e existem explicações para essa falta de eficácia. As usinas dependem do selo tanto quanto o MDA depende das usinas para continuar com essa falácia. Pelas regras, as usinas que possuem o selo podem participar do maior lote do leilão, e isso é fundamental para as empresas produtoras. Mas se o selo não está funcionando, por que a esmagadora maioria das usinas continua com ele? Simplesmente porque as regras do selo permitem essa distorção. Ou seja, não é necessário que as usinas efetivamente incluam as famílias na cadeia do biodiesel para continuarem com o benefício. Assim, uma vez que você ganhou o selo, para perdê-lo precisa se esforçar muito. Não é à toa que apenas duas usinas perderam o benefício. E essas duas são a Soyminas e a Ponte di Ferro – uma teve produção insignificante e a outra nunca chegou a produzir biodiesel.”
Penso que a grande prioridade do governo no sentido de corrigir os rumos do programa do biodiesel, antes mesmo da reformulação necessária da Lei do Selo Combustível Social, com a inclusão de outras oleaginosas, novos zoneamentos agrícolas, reavaliação e atualização dos percentuais de compras da agricultura familiar nas regiões, etc., deva ser um esforço no sentido de capacitar o MDA com instrumentos de controle e fiscalização, para a que a lei vigente seja efetivamente cumprida.
O selo “Combustível Social” será concedido ao produtor de biodiesel que:
•    Promover a inclusão social dos agricultores familiares enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, que lhe forneçam matéria-prima;
•    Comprovar regularidade perante o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF.
Para promover a inclusão social dos agricultores familiares, o produtor deve:
•    Adquirir de agricultor familiar, em parcela não inferior a percentual a ser definido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, matéria-prima para a produção de biodiesel;
•    Celebrar contratos com os agricultores familiares, especificando as condições comerciais que garantam renda e prazos compatíveis com a atividade, conforme requisitos a serem estabelecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário;
•    Assegurar assistência e capacitação técnica aos agricultores familiares.
Por fim, outra questão não menos importante, deve ser a definição pelo governo federal, de que o biodiesel, além de contribuir com o meio ambiente, de ser um programa economicamente viável, é prioritariamente um Programa de Geração de Emprego e Renda e que esta concepção fique bem clara entre as várias instituições da esfera federal, que participam direta ou indiretamente do programa.

KEIJI KANASHIRO
CONSULTOR EM LOGÍSTICA E TRANSPORTES E EX-SECRETÁRIO-EXECUTIVO DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES
Tags: Selo social