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União Europeia

Dados vazados indicam que biodiesel europeu polui mais que o petróleo


BiodieselBR.com - 30 jan 2012 - 09:44 - Última atualização em: 27 fev 2012 - 00:37

Biocombustíveis derivados de óleo de palma, soja e colza emitem mais gases de efeito estufa do que os combustíveis fósseis, se forem considerados os efeitos da Mudança Indireta no Uso da Terra (ILUC, na sigla em inglês). É o que mostram dados da União Europeia (UE) revelados ao público pelo portal EurActiv.

Os valores-padrão atribuídos aos biocombustíveis são comparáveis aos das areias betuminosas do Canadá, de acordo com a planilha de dados, que deve ser divulgada oficialmente em alguns meses, juntamente com uma bastante aguardada proposta legislativa para os biocombustíveis.

Uma porta-voz da Comissão Europeia disse que não poderia “comentar sobre documentos vazados, como avaliações de impacto que ainda não foram publicadas”.

Mas fontes da indústria e da sociedade civil descreveram os dados como críveis e compatíveis com outros estudos. Segundo uma delas, tais dados fariam soar os sinos da morte para a indústria de biodiesel se publicados.

 “Acho que a ciência provou com clareza que, por sua ligação com desmatamentos em lugares como o Sudeste Asiático, vários gêneros de biodiesel geram impactos negativos consideráveis no clima”, disse Robbie Blake, porta-voz da Amigos da Terra, em entrevista ao portal EurActiv.

Mudança indireta no uso da terra
A mudança indireta no uso da terra acontece quando florestas e pântanos são derrubados para compensar pelas terras que foram destinadas à produção de biocombustíveis em outros lugares.

Um relatório recente previu que todas as florestas tropicais pantanosas da Malásia seriam destruídas até o fim da década por causa da ILUC – com consequências alarmantes em termos de emissões de gases estufa – caso a expansão da produção de óleo de palma não seja detida.

Para medir o impacto climático dos combustíveis, a União Europeia é favorável à designação de valores-padrão para cada um deles com base em um cálculo das suas emissões de ciclo de vida – daí o debate sobre fatores causadores de ILUC e os biocombustíveis.

Em sua recente revisão da Diretiva de Qualidade de Combustível, a UE propôs um valor-padrão de 107 gramas de CO2-equivalente por megajoule de combustível (CO2/mj) para o petróleo extraído de areais betuminosas, contra 87,5 g CO2/mj do petróleo bruto, o que reflete o dano ambiental maior causado pela produção do primeiro.

Mas enquanto os biocombustíveis avançados de “segunda geração” superam confortavelmente os combustíveis fósseis nas novas planilhas da UE, o óleo de palma recebe um valor de 105 g; o óleo de soja, de 103 g; óleo de colza, 95 g; e girassol, 86 g; isso levando em conta o fator ILUC.

Eis a tabela completa de valores em CO2/mj proposta para os biocombustíveis com a incorporação do fator ILUC:
Óleo de palma - 105g
Soja – 103g
Colza – 95g
Girassol – 86g
Óleo de palma com captura de metano – 83g
Trigo (combustível de processo não especificado) – 64g
Trigo (gás natural usado em sistemas CHP como combustível de processo) – 47g
Milho – 43g
Cana-de-açúcar – 36g
Beterraba-sacarina – 34g
Trigo (palha como combustível de processo em usinas CHP) – 35g
Etanol 2G (com uso de terra) – 32g
Biodiesel 2G (com uso de terra) – 21g
Etanol 2G (sem uso de terra) – 9g
Biodiesel 2G (sem uso de terra) – 9g

Biodiesel
Isabelle Maurizi, porta-voz da European Biodiesel Board (EBB), disse ao portal EurActiv que esses dados, assim como relatórios recentes do Centro de Pesquisas Conjuntas, da Agência Ambiental Europeia e do Instituto de Pesquisa para Políticas Alimentares – todos órgãos da União Europeia – não são consistentes com a pesquisa existente nos Estados Unidos.

“Não reconhecemos a validade desta ciência pelas discrepâncias nos resultados. A ciência ainda não está fundamentada, não está madura, por isso seríamos favoráveis a incentivos na proposição de políticas, e não a propostas punitivas”, disse Isabelle.

Uma aplicação dos valores divulgados poderia prejudicar enormemente a possibilidade dos fabricantes de biodiesel de entrar no novo plano de certificação de biocombustíveis da União Europeia, anunciado em agosto do ano passado.

O plano estipula que a certificação só seja concedida para combustíveis com emissões de gases estufa 35% menores que o petróleo, com o índice aumentando para 60% a partir de 2018.

Produtores de biocombustíveis avançados acreditam que cumpririam esse critério. Rob Vierhout, secretário-geral da ePURE, associação europeia de etanol renovável, disse que a União Europeia precisa de “uma nuance diferente de fator ILUC”.

“Se de fato os efeitos sobre a mudança no uso da terra dependem da matéria-prima utilizada, então isso deve ser reconhecido nas regras”, disse Vierhout ao portal EurActiv.

Em abril de 2009, a União Europeia determinou por lei que fontes de energia renovável, como os biocombustíveis, perfaçam 10% da matriz de combustíveis no setor de transportes europeu até 2020, o que tem consequências legais e também financeiras.

Sinalizações de mercado
Nusa Urbancic, do grupo de pressão Transport & Environment, pediu à União Europeia que “envie um sinal claro aos mercados sobre quais os futuros biocombustíveis que queremos”.

“Temos biodiesel bastante para cumprir a atual meta, o que é um problema para o setor, já que eles investiram demais, seguindo uma sinalização política diferente, e em alguma medida seus investimentos precisam ser protegidos”, disse Nusa ao EurActiv.

Mas com o conhecimento científico das vantagens climáticas proporcionadas pelos biocombustíveis avançados, “não há desculpa para não agir na resolução desse problema”, acrescentou.

Um relatório publicado pelo auditor nacional francês, em 24 de janeiro, descobriu que embora os agricultores ganhassem com a atual política de biocombustíveis da UE, os benefícios ambientais eram “questionáveis”, e os motoristas acabavam tendo de consumir mais combustível e pagar mais caro.

POSICIONAMENTOS:

Kåre Riis Nielsen, diretora para assuntos europeus da Novozymes, disse ao EurActiv: “Há um corte claro entre os biocombustíveis que não conseguem alcançar a meta de emissões de 35% caso se inclua a ILUC, e aqueles que conseguem. Nossa posição é a de que novas políticas devem se basear na ILUC. Elas devem promover os biocombustíveis de melhor desempenho e concentrar-se em garantir que cheguem ao mercado, que os biocombustíveis avançados sejam promovidos e distribuídos.”

Em nome da European Biodiesel Board, Isabelle Maurizi disse que “o biodiesel é um dos meios de se alcançar a meta da UE de 10% de combustível renovável no transporte, e devemos lembrar que é uma alternativa renovável ao combustível fóssil”.

“É sempre um pouco difícil criar leis com base em relatórios com tantas discrepâncias”, prosseguiu Isabelle. “O estudo do Instituto Internacional de Pesquisas para Políticas Alimentares, que muito provavelmente será usado pela Comissão Europeia, possui brechas e imprecisões na metodologia, as quais destacamos. Os resultados nos Estados Unidos são exatamente opostos. O etanol é pior que o biodiesel, enquanto na Europa é bem o inverso.”

Rob Vierhout, secretário geral da ePURE, disse ao portal EurActiv que uma possível razão para a discrepância é que o etanol americano é feito de milho, diferentemente do europeu. “Até onde sei, eles não usam beterraba também, e trata-se do etanol de melhor desempenho no mundo. Além disso, muitas usinas nos Estados Unidos trabalham com carvão lignito, que mal temos na Europa. Então você está comparando alhos com bugalhos se disser que os números devem ser iguais na Europa. São matérias-primas e processos tecnológicos diferentes”.

Robbie Blake, porta-voz para biocombustíveis da Amigos da Terra, disse à EurActiv que os investidores do setor de biodiesel deveriam ter pesquisado com mais cuidado as opções de matéria-prima. “Se eu fosse um investidor da indústria de biodiesel, estaria apostando numa indústria que causa desmatamento e que certamente não está entregando os combustíveis verdes e limpos que promete”, diz.

Mas os planos de biocombustíveis da União Europeia também deveriam ter sido mais bem considerados, diz Blake. “Acho que podemos concluir claramente que, se os países-membros se ativerem aos planos já traçados, é claro que isso causará um aumento nas emissões de gases estufa, e isso vale especialmente para o uso de óleo de soja e de palma, que são baratos mas muito danosos.”

Nusa Urbancic, especialista em biocombustíveis da Transport & Environment, disse ser “difícil dizer” se a política de biocombustíveis da UE aumentou as emissões de gases estufa no passado, devido à falta de dados de monitoramento confiáveis. “Mas estes números [vazamento de dados] nos dão uma dimensão do que acontecerá no futuro se não agirmos”, disse ela ao EurActiv.

“Supondo que a demanda existente continue como está e cresça no volume previsto nos planos de ação nacionais, a maior parte desse crescimento será suprida por essas culturas consideradas como maiores emissoras em relação aos combustíveis fósseis. Então, podemos dizer com bastante certeza que existe um risco de, se continuarmos com as políticas atuais, as emissões crescerem ao invés de diminuírem.”

Arthur Neslen
Fonte: EurActiv
Tradução e adaptação BiodieselBR.com
Tags: Europa Iluc