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2009

Extraindo petróleo até a última gota


BiodieselBR.com - 15 out 2009 - 09:33 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:09
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Em uma área seca e plana de 50 km2 do Vale Central, na Califórnia, mais de 8 mil cavalos de pau – como os pioneiros do petróleo costumam chamá-los – sobem e descem lentamente enquanto sugam petróleo do subsolo. Só os oleodutos reluzentes que atravessam o local revelam que o cenário é algo mais que uma relíquia do passado. Mas mesmo para o olhar de um especialista, o campo de Kern River não dá mostras do milagre que lhe permitiu sobreviver a décadas de prognósticos sombrios.

O campo foi descoberto em 1899, quando se acreditava que apenas 10% do petróleo pesado e viscoso ali presente poderia ser recuperado. Em 1942, depois de quatro décadas de produção modesta, estimava-se que ele ainda contivesse 54 milhões de barris de petróleo recuperável. Como apontado em 1995 por Morris Adelman, professor emérito do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT) e um dos últimos gurus do setor de energia, “nos 40 anos seguintes, ele produziria não 54 milhões, mas 736 milhões de barris, restando ainda outros 970 milhões para serem explorados”. Mas mesmo essa estimativa mostrou-se equivocada. Em novembro de 2007, a gigante do petróleo Chevron anunciou que a produção acumulada do campo alcançara 2 bilhões de barris. Hoje, Kern River ainda rende mais de 80 mil barris por dia, e a Chevron calcula as reservas remanescentes em cerca de 480 milhões de barris.

A empresa começou a operar seu milagre nos anos 60, ao injetar vapor dentro do solo, uma tecnologia inédita na época. Mais tarde, uma nova geração de ferramentas de prospecção e perfuração – juntamente com o advento da injeção uniforme de vapor – transformou o campo numa espécie de milagre. E Kern River não é um caso isolado. A maior parte dos campos petrolíferos ao redor do mundo se revitalizou ao longo do tempo. Novos métodos de exploração revelaram outros segredos da Terra; e saltos na tecnologia de extração permitiram o acesso ao petróleo em áreas antes inacessíveis ou nas quais a perfuração era antieconômica. De certa forma, a tecnologia é o verdadeiro milagre.

Tudo o que deixamos para trás

É surpreendente notar que, numa época em que todos temem que a produção de petróleo chegue a seu limite e comece a decair (mesmo que a atual crise econômica tenha obscurecido essa idéia), a maior parte dos recursos de que se tem conhecimento continua intocada sob o solo. E ainda há muito mais esperando para ser descoberto.

Em 2008, pouco antes de o caos financeiro derrubar os níveis de consumo de petróleo, o mundo devorava cerca de 30 bilhões de barris de petróleo por ano, praticamente 85 milhões de barris por dia. Os Estados Unidos lideravam a corrida, gastando mais de 21 milhões de barris todos os dias. Estima-se que as reservas comprovadas do planeta girem em torno de 1,1 a 1,3 trilhão de barris, mais do que tudo o que foi consumido até hoje (que não chega a 1 trilhão de barris).

Esses 2,3 trilhões de barris são apenas uma fatia de todo o petróleo contido originalmente nas jazidas da Terra, que o Instituto de Pesquisas Geológicas dos Estados Unidos estima ser algo entre 7 e 9 trilhões de barris. Mas com a tecnologia, o know-how e os preços atuais, apenas parte desse volume pode ser recuperada de forma economicamente viável, sendo portanto classificada como reserva comprovada.

A taxa mundial média de recuperação de petróleo é de cerca de 35%, o que significa que quase dois terços do volume original de petróleo do planeta continuam no subsolo – um dado que raramente se menciona nos debates sobre o futuro do petróleo. Mas há mais.

Para começar, as reservas comprovadas são apenas estimativas, e não um número fixo. A definição de quanto é economicamente viável recuperar muda à medida que a tecnologia evolui e o preço do petróleo sobe. É por isso que a maioria dos campos de petróleo produziu mais do que as estimativas iniciais, baseadas no volume presumido das reservas, e na verdade bem mais do que esse próprio volume presumido. Em segundo lugar, os dados não incluem outros tipos de petróleo não convencionais, como os óleos ultrapesados, as areias betuminosas e o xisto betuminoso, que em conjunto são tão abundantes quanto o petróleo convencional. Finalmente, apenas um terço das bacias sedimentares (formações geológicas que podem conter petróleo) do nosso planeta foram completamente exploradas com as tecnologias modernas.

Mesmo um país produtor maduro como os Estados Unidos, cuja produção vem caindo desde os anos 70, ainda possui volumes enormes de petróleo não explorado sob a superfície. De acordo com um relatório recente do Conselho Nacional de Petróleo dos Estados Unidos (CNP), dos 582 bilhões de barris de petróleo descobertos no país, 208 bilhões foram extraídos ou comprovados, o que deixa 374 bilhões de barris no subsolo. Mais importante ainda, todo esse petróleo é apenas uma fração do volume original total do país, que o CNP estima em mais de 1 trilhão de barris (1.124 bilhões). Enquanto isso, as reservas americanas comprovadas de petróleo mantêm-se em 29 bilhões de barris e a produção anual é de cerca de 3 bilhões de barris, menos da metade dos 7 bilhões consumidos todos os anos.

Dessa forma, países e empresas podem aumentar suas reservas do produto, mesmo sem explorar novas áreas e fronteiras, desde que sejam capazes de recuperar mais petróleo dos campos conhecidos. O que não significa que isso seja fácil.

No meio do caminho tinha uma rocha

Ao contrário do que se costuma acreditar, o petróleo não fica depositado em grandes lagos ou cavernas subterrâneas. Se pudéssemos “ver” uma reserva de petróleo, enxergaríamos apenas uma estrutura rochosa na qual não parece caber petróleo. Mas além do alcance do olho humano há um mundo de poros e microfraturas, muitas vezes invisíveis, que contêm minúsculas gotículas de petróleo, juntamente com água e gás natural.
A natureza criou essas formações ao longo de milhões de anos. Tudo começou quando grandes depósitos de vegetação e microorganismos mortos se acumularam no fundo dos mares ancestrais, decompondo-se e acabando enterrados sob sucessivas camadas de rocha. Esses sedimentos orgânicos, sob a ação de temperaturas e pressões elevadas, foram lentamente se transformando no petróleo e no gás que temos hoje.

Perfurar uma dessas reservas não é muito diferente de abrir uma garrafa de champanhe. Libertada de sua milenar prisão rochosa, a pressão interna do reservatório empurra o petróleo para a superfície (juntamente com pedras, lama e outros fragmentos), um processo que continua até que a pressão se desanuvie. Daí em diante, a recuperação precisa de assistência.

Cerca de um terço do petróleo contido em uma reserva é “petróleo imóvel” – gotas isoladas que ficam presas nos poros da rocha por forças externas. Os dois terços restantes, embora móveis, não fluirão para os poços necessariamente. Na verdade, cerca de metade do petróleo móvel fica preso dentro do reservatório, devido a barreiras geológicas ou à baixa permeabilidade. A situação fica ainda pior quando esse petróleo não é um líquido leve, mas uma substância viscosa e pesada, parecida com melaço. Nesse caso, apenas uma pequena parte pode ser recuperada com as tecnologias convencionais.

“Eu tomo o seu milkshake”

No passado, os pioneiros do petróleo concluíram que a evolução de um reservatório passa por três estágios. Primeiro eles exploravam a pressão interna do campo. O estágio era conhecido como recuperação primária e o normal era extrair entre 10% e 15% do volume total do reservatório. A recuperação secundária consistia em injetar gás natural e água no reservatório. O motivo para se usar água, embora não seja óbvio à primeira vista, é bastante simples. Como o petróleo é mais leve que a água, acaba sendo empurrado para cima quando ela é injetada, da mesma forma que aconteceria se enchêssemos um copo de óleo com água. Esses dois estágios iniciais resultavam em taxas de recuperação variando entre 20% e 40% (dependendo da qualidade da reserva). Para se conseguir mais, os manuais indicavam um terceiro estágio, a recuperação terciária, baseado na aplicação de processos térmicos, mecânicos, químicos ou biológicos.

Um das descobertas mais importantes conseguidas até hoje foi a do poço horizontal, uma evolução revolucionária em comparação com a perfuração vertical usada desde os primórdios da indústria petrolífera. Adotada comercialmente nos anos 80, essa técnica é particularmente eficaz em reservatórios onde o petróleo e o gás natural ocupam estratos horizontais estreitos ou em seções onde a perfuração vertical não consegue mais trazer resultados. Com seu formato em “L” flexível, os poços horizontais podem mudar de direção e penetrar o reservatório horizontalmente, alcançando regiões ainda virgens.

A revolução das ferramentas de exploração, computação e perfuração permitiu também que se alcançasse áreas mais profundas dos oceanos, ampliando as fronteiras da prospecção de petróleo.

Desenvolvidas depois da Segunda Guerra Mundial, as tecnologias de prospecção marítima pareciam ter alcançado seu marco mais audacioso nos anos 70, quando foram essenciais para o desenvolvimento da indústria petrolífera no Mar do Norte. Naquela época, o petróleo era retirado de campos que jaziam 100 a 200 metros abaixo d’água e outros 1.000 metros abaixo do leito oceânico. Mas nos últimos anos a indústria conseguiu alcançar petróleo a uma profundidade de 3.000 metros de água e 6.000 metros de solo – como no Golfo do México e no litoral do Brasil.

Além disso, novas tecnologias permitiram que os geólogos descobrissem o que havia abaixo das camadas de sal subterrâneas, que se espalham irregularmente sob o leito do mar e chegam a ter mais de 4.500 metros de espessura. Semelhantes a águas congeladas, as formações de sal representavam um obstáculo descomunal, uma vez que dissipavam as ondas sísmicas usadas na prospecção, impossibilitando que se conseguisse uma imagem precisa do subsolo. A superação desse obstáculo permitiu pelo menos três grandes descobertas em águas ultraprofundas: os campos de Thunder Horse e Jack, no golfo do México, e o campo de Tupi, no Brasil. Essas áreas são o que os especialistas da área costumam chamar de “elefantes” – campos que contêm mais de 1 bilhão de barris de petróleo e gás natural.

Espremendo até a última gota

Embora os poços tenham alcançado profundidades inimagináveis, as tecnologias evoluíram e hoje conseguem retirar mais petróleo da rocha através de calor, injeção de gás, processos químicos e até mesmo micróbios.

A injeção de vapor, um dos métodos térmicos mais antigos, foi decisiva para a revitalização do campo de Kern River no início dos anos 60. O princípio básico dessa tecnologia é que o vapor injetado aquece a formação sobrejacente, permitindo que o óleo se mova e se torne recuperável. Em outras palavras, é como aquecer mel cristalizado para torná-lo líquido e menos viscoso.

Até hoje, a experiência em Kern River é o maior projeto desse tipo no mundo. Uma variante da recuperação auxiliada por vapor foi aplicada nas jazidas de areia betuminosa de Alberta, no Canadá, que são muito profundas e não permitem a extração superficial.

Outro processo térmico testado foi a queima de uma parcela dos hidrocarbonetos do reservatório. O fogo gera calor e gás carbônico, que tornam o óleo menos viscoso. Ao mesmo tempo, o próprio fogo quebra as moléculas maiores e mais pesadas do petróleo, mais uma vez tornando-o móvel.

Outra técnica envolve a injeção a pressões elevadas de gases como o gás carbônico (CO2) ou o nitrogênio dentro do reservatório. Grosseiramente falando, os gases misturam-se com o petróleo, reduzindo sua viscosidade e as forças que o mantêm aprisionado. O CO2 também pode ser injetado simplesmente para restaurar ou manter a pressão no reservatório.

Nos Estados Unidos, o CO2 é usado na recuperação de petróleo desde os anos 70, e vem sendo utilizado em cerca de cem empreendimentos no momento, com uma rede exclusiva de dutos de mais de 2.500 quilômetros. O know-how obtido com a injeção de CO2 abriu caminho para a captura e o seqüestro de carbono, uma técnica promissora para estocar esse gás de efeito estufa no subsolo por centenas de anos. O primeiro projeto comercial de captura e seqüestro de carbono, implantado em 1996 no campo de Sleipner, na Noruega, continua ativo e estocando 1,5 milhão de toneladas de CO2 por ano. É um pequeno passo se considerarmos que apenas a ação humana libera quase 50 bilhões de toneladas de gás carbônico para a atmosfera todo ano.

Ironicamente, no entanto, um dos maiores entraves para a utilização do CO2 na recuperação de petróleo é a sua escassez. Capturar o gás de usinas elétricas e de vulcões é caro, e o custo de capturá-lo de fontes menores, como carros, ou mesmo da maioria das indústrias é proibitivo. Outro obstáculo é o transporte, que pode ficar muito caro se os campos de petróleo estiverem localizados em regiões distantes.

Outro método que ajuda na recuperação é o químico. Substâncias químicas podem se imiscuir com o petróleo aprisionado e torná-lo menos viscoso, de forma que ele flua para o poço. Embora a terminologia química possa ser bastante esotérica, todos esses compostos funcionam segundo um mesmo princípio, semelhante à forma como as moléculas de sabão englobam substâncias gordurosas, possibilitando que elas sejam removidas de uma superfície. O processo químico de maior sucesso até o momento foi aplicado na China. Desde meados dos anos 90, a estatal PetroChina injeta uma substância polímera no campo de Daqing, aumentando em 10% o volume de petróleo extraído dos reservatórios. Uma variação desse processo faz uso de uma solução cáustica que reage com componentes presentes no próprio petróleo, formando materiais semelhantes ao sabão e diminuindo o custo final do produto.

Já a recuperação com o uso de micróbios ainda está engatinhando, com pesquisas em andamento nos EUA, México, Noruega, Venezuela e Trinidad. Essa tecnologia consiste em bombear grandes quantidades de micróbios especializados no reservatório, juntamente com nutrientes e em alguns casos oxigênio. Os micróbios se multiplicam no espaço entre o petróleo e a rocha, contribuindo para a liberação do produto. A revolução em curso na engenharia genética também abre uma nova possibilidade: modificar bactérias e outros microorganismos para aumentar a eficiência com que quebram as moléculas mais pesadas e viscosas do petróleo, aumentando sua mobilidade.

Uma nova era pela frente?

Os avanços tecnológicos da indústria petrolífera sempre resultaram de longos e arrastados processos. A perfuração horizontal foi inicialmente testada nos anos 30 e alguns dos métodos de recuperação mais avançados existem desde pelo menos a década de 50. Mas como o petróleo estava quase sempre presente em grande abundância, seu preço manteve-se muito baixo para justificar grandes – e caras – inovações. Uma nova era está chegando, e não apenas porque o preço do barril de petróleo atingiu um novo patamar histórico (mesmo depois da queda descomunal de US$ 147, em julho de 2008, para US$ 45). Outros importantes fatores estão em jogo.

Antes de qualquer coisa, várias das maiores e mais produtivas bacias de petróleo do mundo estão atingindo o que eu chamo de maturidade tecnológica, ou seja, seus limites de produção com a tecnologia convencional. Entre essas bacias estão as do golfo Pérsico, México, Venezuela e Rússia, que começaram a produzir nas décadas de 30, 40 e 50. Para que esses campos continuem produzindo no futuro, novas tecnologias serão necessárias.

O segundo fator são as oportunidades limitadas de desenvolvimento e exploração para as empresas de petróleo ocidentais. Embora no começo dos anos 70 as maiores petrolíferas controlassem cerca de 80% das reservas globais de petróleo, hoje mais de 90% do petróleo e 80% do gás natural mundiais estão sob controle direto de países produtores, através de suas companhias estatais. A atual onda de nacionalismo só pode piorar a situação, uma vez que vários importantes países produtores já estão aptos a desenvolver seu petróleo “fácil” por conta própria, tendo alcançado um nível adequado de competências técnicas e administrativas. Recuperar mais petróleo dos campos maduros e descobri-lo em novas e arriscadas fronteiras são as únicas formas de se abrir novas oportunidades de crescimento. Do contrário, o mundo ficará cada vez menor para as companhias petrolíferas ocidentais.

O petróleo fácil está acabando, provavelmente porque foi o primeiro a ser descoberto e queimado. Mas não era tão “fácil” quando ele foi descoberto. Pela mesma medida, o petróleo difícil de hoje será o petróleo fácil de amanhã, graças à curva de aprendizado do conhecimento tecnológico. No final das contas, a exploração de “petróleo difícil” será a chave da sobrevivência e mesmo da prosperidade para muitas empresas de petróleo ocidentais em um mundo que será cada vez mais dominado por petrolíferas estatais. 

Vai levar tempo, mas eu me arrisco a fazer uma previsão. Até 2030, mais de 50% do petróleo conhecido será recuperável. Além disso, a quantidade conhecida de petróleo terá crescido significativamente e uma parcela maior de petróleo não convencional será regularmente produzida, elevando as reservas recuperáveis totais para algo em torno de 4,5 e 5 trilhões de barris de petróleo. E o que é mais importante, uma porcentagem expressiva das “novas reservas” não virão de novas descobertas, mas da capacidade adquirida de se explorar melhor aquilo que já temos.

Até 2030, teremos consumido outros 650 ou 700 bilhões de barris de nossas reservas, fazendo com que daqueles 4,5 ou 5 trilhões, cerca de 1,6 trilhão de barris tenham sido consumidos. Ainda assim, se minhas estimativas estiverem corretas, teremos petróleo para o resto do século 21. O verdadeiro problema será como usar todo esse volume sem desperdiçá-lo com hábitos de consumo inaceitáveis – como os que temos alimentado até agora – e, acima de tudo, sem colocar em risco o meio ambiente e o clima do nosso planeta.

SOBRE O AUTOR
Leonardo Maugeri é autor do livro The Age of Oil: The Mythology, History, and Future of the World’s Most Controversial Resource (Praeger, 2006, sem tradução). Ele também é vice-presidente sênior da petrolífera italiana ENI e membro do comitê consultivo da Iniciativa Energética do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, onde também é Professor Visitante.

Fonte: Scientific American
Tradução: BiodieselBR.com