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2008

O capitalismo salvou o biodiesel


Junho 2008 - 17 jun 2008 - 15:33 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:06

Após muitas incertezas e erros de principiante, as leis do mercado, o empurrão do governo e a entrada da Petrobras dão vigor ao setor

Quem olha o mapa das usinas de biodiesel que já funcionam no Brasil tem dois motivos para ficar perplexo: primeiro, trata-se de uma atividade que simplesmente não existia dois anos atrás e agora exibe 38 unidades industriais que trabalham a plenos pulmões, com outras 47 em diversos estágios de construção; em segundo lugar, o programa lançado por iniciativa do governo federal para levar trabalho e renda para famílias carentes está muito rarefeito no Nordeste, alvo prioritário da iniciativa liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No lugar da mamona ou do pinhão-manso, 70% do biocombustível misturado obrigatoriamente ao diesel na proporção de 2% é processado a partir da soja (o que é conhecido como B2). A parte social do projeto ficou no sonho. A realidade da eficácia capitalista tomou conta desse mercado altamente subsidiado, que funciona debaixo da partitura composta e regida pela Petrobras – que investe agora para se tornar o principal fornecedor, numa tentativa de resgatar o propósito inicial do programa.

O mercado recente é promissor, incentivado pela legislação: a mistura do biodiesel vendida nos postos do país conterá 3% de energia renovável a partir de julho (o que é conhecido como B3), quando a demanda mensal subirá para cerca de 115 milhões de litros. E até 2010 a mistura chegará a 5%, limite atual dos motores que rodam a diesel.

Nos três últimos anos houve uma corrida em busca de licenças da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) para produzir biodiesel com incentivos fiscais e financiamento. Os benefícios podem chegar a 100%, se o projeto estiver instalado no Semi-Árido do Nordeste e utilizar 50% de agricultura familiar em sua cadeia produtiva. Quem segue o enredo à risca é premiado pela ANP com o chamado Selo Social, que concede privilégios também nas participações dos leilões oficiais, com cotas separadas.

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Produtores de mamona na Bahia. Hoje, o óleo da mamona só representa 0,03% do biodiesel

Debaixo dessa inundação de benefícios custeados pela sociedade, e com o suporte do financiamento a 9% de juro anual s oferecido pelo BNDES, pipocam no país os futuros “barões” do biodiesel, que são geralmente empresas grandes, com escala para facilitar a redução nos custos de produção. É meia dúzia de nomes, entre os quais Nelson Côrtes, fundador da Brasil Ecodiesel, por ora líder no setor, e Juan Diego Férres, fundador e presidente da Granol, segunda maior. São investidores que até agora cumprem os prazos de contratos obtidos nos leilões periódicos da ANP, têm planos de expansão mais ousados que a média do mercado e se dizem tranqüilos ante a chegada iminente da Petrobras, que conclui três unidades produtoras nos próximos 60 dias.

“A ‘planta premium’ da Petrobras será no Nordeste, com capacidade inicial de produção de 300 milhões de litros por ano e vocação para exportar. Será, portanto, perto de um porto”, afirma Graça Foster, que foi presidente da BR Distribuidora. Enquanto essa megausina está em gestação, a Petrobras prepara a festa de inauguração das unidades que ergue em Candeias, na Bahia, Montes Claros, em Minas Gerais, e Quixadá, no Ceará, com capacidade total de produção de 171 milhões de litros por ano e tecnologia comprada no exterior. Nesses projetos, a agricultura familiar deverá ter até 50% de participação no plantio das oleaginosas, entre soja, girassol e dendê. Há 53 mil agricultores cadastrados no programa. No qüinqüênio 2008-2012, a Petrobras reserva investimentos de US$ 1,5 bilhão em energias renováveis, com ênfase no biocombustível. A meta é oferecer 938 milhões de litros em 2012 e 1,2 bilhão em 2015. Hoje, a Brasil Ecodiesel, líder inconteste, pode fazer apenas 350 milhões de litros por ano.

A escala de produção é cada vez mais decisiva num mercado que normalmente opera com margens apertadas. No leilão mais recente, da semana passada, a Petrobras – que compra praticamente 95% da produção nacional de biodiesel – pagou R$ 3,30 por litro, ao arrematar 33 milhões de litros. Dois meses atrás, esse mesmo produto foi comprado por R$ 2,69. O preço médio do diesel nas bombas está em R$ 1,87 o litro. Isso significa um subsídio estatal de mais de R$ 1,50. Só não afeta o balanço da Petrobras porque o total ainda é irrisório.

Preço do biodiesel nos leilões

O modelo familiar é tido como promissor por especialistas. O mais entusiasmado é o responsável pelo programa no Ministério de Minas e Energia, José Lima de Andrade Neto. “É tão bem-sucedido que antecipamos o B3 (3% de mistura de biodiesel ao diesel da bomba) para julho.” O secretário exibe seus dados para sustentar sua euforia. Hoje, o Brasil já possui capacidade instalada para produzir 2,7 bilhões de litros por ano, o que deve abastecer com folga a projeção de consumo interno para 2008, de 1,2 bilhão de litros. O volume e o andamento acelerado desse mercado fizeram com que o governo, com a ANP, antecipasse a elevação da mistura do biodiesel para estimular o mercado interno – que já aposta na antecipação também das proporções B4 para 2009 (a data original era 2013) e B5 no início de 2010. Caso esse calendário se realize, o presidente da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), Juan Diego Férres, na vida empresarial líder da Granol, calcula que a produção deverá bater os 2 bilhões de litros já em 2009.

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LIDERANÇA
Graça Foster, ex-presidente da BR distribuidora. A estatal chega ao setor para se tornar líder em pouco tempo

“Para dar certo nesse mercado, a logística de distribuição do produto até a bomba tem de funcionar bem”, diz o fundador da Brasil Ecodiesel, Nelson Côrtes. A empresa foi a primeira do setor que fez IPO (oferta inicial de ações) na Bolsa de São Paulo. Levantou na operação, no ano passado, R$ 350 milhões. Esse recurso bancou seis unidades de fabricação, com capacidade para 600 milhões de litros por ano. A empresa articula 65 mil parceiros-fornecedores em todo o país.

Mais antiga que todas as outras, a Granol começou em 1966 e tem ainda hoje algumas das marcas de óleo de cozinha mais populares nas prateleiras de supermercados. Como exporta 70% de sua produção de farelo de soja e 10% da de óleo de cozinha, Juan Diego Férres é o único empresário do ramo que já possui terminais marítimo e fluvial, que poderão servir no futuro para a comercialização externa do biodiesel. Por ora, contudo, os olhos de Diego estão fixados na demanda interna. “O preço está ficando cada vez mais interessante”, diz.

Há algumas nuvens nesse quadro. A inadimplência já sobe a 30% daquilo que os empresários do setor tomaram emprestado. “Esse porcentual é muito alto. Talvez alguns não agüentem e tenham de sair dessa atividade”, afirma o presidente da Ubrabio. Também há mais usinas prontas e inoperantes que usinas produzindo. De um total de 885 milhões de litros de biodiesel comprometidos nos leilões da ANP, em 2005 e 2006, para produção e consumo em 2007, somente 402 milhões de litros foram entregues. A produção melhora e os preços se corrigem, como se viu. Mas o passo do programa está muito longe do acerto almejado por Lula. “A razão de tamanho descompasso está na significativa elevação do preço das matérias-primas, principalmente do óleo de soja”, diz o pesquisador da Embrapa Amélio Dall’Agnol. Para viver com saúde, a usina de biodiesel depende da garantia de fornecimento da matéria-prima com preços competitivos e previamente acertados. Algumas venderam nos leilões sem contratos firmes e não tiveram condições de entregar o produto. Outras cumpriram o compromisso assumido, mas operam no vermelho.

O Brasil tem terra apta e disponível, clima ótimo e bastante subsídio – ou seja, muito potencial. Mas, em 2006, foi apenas o 14o produtor de biodiesel. Pode ter alcançado o quarto lugar no ano passado (os números mundiais definitivos ainda não foram divulgados), mas só vai disputar a liderança, hoje com a Alemanha, a partir de 2009.

Na frente tecnológica, as nuvens parecem menos carregadas. As três principais indústrias de caminhões e ônibus estão vários passos adiante do mercado no desenvolvimento de seus motores para uso do biodiesel. Enquanto se fala em 4% a 5% de biodiesel nos tanques, já se testam motores com 20%; e até o B100 – biodiesel puro no motor – já não é uma utopia.

“A partir deste mês os nossos veículos já podem rodar com B5 sem nenhum problema nem alterações e com garantia de fábrica. Os testes com B20 também estão se mostrando bastante promissores”, afirma Roberto Cortes, presidente da Volkswagen Caminhões no Brasil. O executivo diz que essa vocação veio da Alemanha, sede da Volks mundial, onde o biodiesel está no DNA da empresa. O B100 já é testado pela Volkswagen e por uma concorrente direta no Brasil, a Mercedes-Benz. “O B5 já está aprovado”, afirma Gilberto Leal, responsável pelo desenvolvimento de motores da Mercedes. “Para o B20, já temos 1,5 milhão de quilômetros rodados, sem nenhum problema no motor. Vamos encerrar com 2 milhões.”

Daqui a duas semanas, será a vez de São Paulo e Paraná receberem ônibus e caminhões Mercedes rodando com biodiesel puro. Outra concorrente, a Scania, não realizou testes para o B2 e B3. Só começa a se preocupar com a mistura a partir do B5. Segundo a empresa, as misturas até 3% não representam perigo algum ao motor. A Scania tem 500 caminhões rodando na Europa só com 100% de biodiesel, mas há diferenças entre os motores utilizados lá e aqui, devido às especificações técnicas de cada país europeu e do Brasil.

Se as demais peças desse quebra-cabeça marchassem com planejamento e constância, os problemas já estariam para trás num programa que hesita em confessar que sua matéria-prima de estimação, a mamona, representa irrisório 0,03% da oferta de biodiesel. Esse tiro deu errado. Mas a pujança agrícola, mais uma vez, pode salvar o pescoço de quem pôs a idéia na rua sem noção de como entregar o prometido – no caso, o entusiasmado presidente Lula.

Usinas em funcionamento
Roseli Loturco
Agliberto Lima
Fonte: Revista Época
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