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2007

Um projeto inovador: O dendê e a agricultura familiar


Fevereiro 2007 - 21 fev 2007 - 08:50 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

A BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E A SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA
Rosa Maria Fischer, Monica Bose and Paulo da Rocha Borba

Agricultor e o dendê

O azeite-de-dendê, ou óleo de palma, popular na cozinha afro-brasileira, é produzido a partir do fruto de uma palmeira conhecida como Dendezeiro. A importância econômica do azeite-de-dendê extrapola seu uso culinário, como é mais conhecido no Brasil. É empregado como biocombustível, como proteção de folhas-de-flandres e chapas de aço, na fabricação de sabão, vela, graxas, lubrificantes e artigos vulcanizados, e na produção de gorduras vegetais e margarinas. Trazidos da África pelos escravos, os dendezeiros foram plantados inicialmente no Nordeste do Brasil. Hoje, o país é o terceiro maior produtor da América Latina e o estado do Pará, na região amazônica, contribui com 85% da produção nacional de dendê.

Considerado o mais importante produtor de óleo de palma da América Latina, o Grupo Agropalma iniciou, em 2001, o “Projeto de Agricultura Familiar do Dendê” nos municípios onde atua no Pará. Por ser uma região de baixo desenvolvimento socioeconômico, o projeto tornou-se uma atraente opção de trabalho para os pequenos agricultores familiares. Ao tornar essas pessoas fornecedoras do fruto para a cadeia produtiva do óleo de palma, a empresa conseguiu fazer com que elas, antes dedicadas a culturas de subsistência, participassem ativamente da economia local. Ao se dedicarem ao cultivo do dendezeiro, essas famílias tornaram-se agentes de um processo de desenvolvimento socioambiental sustentável caracterizado pelo incremento da geração de renda e preservação do ecossistema.

EM ESTADO DE DESEQUILÍBRIO

Embora tenha havido crescimento econômico na Amazônia Legal desde a década de 1960, as condições de vida na região continuam a apresentar baixos padrões de desenvolvimento humano. Isso se dá, por exemplo, no município de Vitória do Jarí, no estado do Amapá; ali, apenas 3,74% das pessoas vivem em domicílios com banheiro e água encanada; também no município de Almeirim, no estado do Pará, 31,81% das crianças são analfabetas, enquanto que este índice corresponde a 6% no contexto brasileiro. É necessário implementar políticas sociais capazes de corrigir essas distorções, sob pena de comprometer definitivamente o desenvolvimento da região. A dinâmica social indica a existência de diversos conflitos: agricultores familiares nativos opõem-se aos migrantes; agricultores reivindicam a propriedade da terra; indígenas são expropriados de seus meios de produção e de sua cultura; empresas exploram os recursos naturais com formas predatórias de manejo; muitas famílias vivem em condições de miséria. Há dificuldade de acesso aos recursos naturais disponíveis e aos meios técnico-financeiros concedidos por prefeituras, estados e governo federal.

O Pará ocupa 1/3 da região amazônica, ou 1.248.042 km2, (equivalente a 481.872 milhas quadradas) representando 16,7% do território brasileiro. O estado, caracterizado por grandes vazios, conta com 7 milhões de habitantes que se encontram espalhados – em média, 5 por quilômetro quadrado. Sua economia baseia-se na extração de minérios, no extrativismo vegetal e, em menor porcentagem, na agricultura, pecuária e indústria. O Pará contribui com 1,9% do PIB brasileiro ou cerca de US$ 16 bilhões, configurando uma área em forte desequilíbrio social, econômico e ambiental.

O estado do Pará – localização e dimensões
NO CONTROLE DO CICLO PRODUTIVO

O Grupo Agropalma conta com o maior e mais moderno complexo agroindustrial de plantio e processamento de óleo de palma do Brasil. Responde por 80% da produção nacional e gera 2.800 empregos diretos, com faturamento anual de US$ 19,2 milhões1 e controle de todo o ciclo produtivo – do cultivo da semente à produção de óleo refinado, gorduras vegetais e margarina. Atua no segmento agroindustrial desde 1982, quando estabeleceu uma empresa para cultivo e extração de óleo de palma (obtido da polpa do fruto por simples cozimento, debulhamento e prensagem) e óleo de palmiste (obtido após a quebra e a separação das cascas das amêndoas e processo de prensagem). Essa primeira empresa foi instituída em área de 11 mil hectares no município de Tailândia, 150 km ao sul de Belém, a capital do Pará. A tabela abaixo fornece os principais dados dos municípios (Acará, Moju e Tailândia) onde o Grupo atua, todos localizados no estado do Pará.

O DENDÊ E A AGRICULTURA FAMILIAR

Para a Agropalma, o investimento em ações sociais deve estar alinhado com sua missão de obter o desenvolvimento sustentável do negócio e também da região. Assim, sua atuação social se dá principalmente pela participação em projetos de desenvolvimento socioeconômico que envolvem pequenos produtores da região, como o Projeto de Agricultura Familiar do Dendê. O objetivo desse projeto é assegurar a geração de trabalho e a diminuição do impacto ambiental e do êxodo rural, empregando um modelo de produção baseado na agricultura familiar. Com isso, a Agropalma visa: implantar o cultivo da palmeira nas pequenas propriedades rurais; estimular o aumento da renda com esse cultivo; recuperar áreas degradadas pelas lavouras de subsistência; proporcionar aos agricultores uma alternativa de produção com cultura de ciclo perene; e diminuir a incidência de queimadas e desmatamento provocados pela agricultura itinerante. Essas ações encadeadas asseguram o fornecimento da matéria-prima para a indústria, buscando simultaneamente contribuir para o desenvolvimento sustentável da região e gerar resultados econômico-financeiros positivos para as famílias de agricultores envolvidas e para a própria empresa.

O Projeto de Agricultura Familiar do Dendê teve início no município paraense de Moju, a 80 quilômetros de Belém. Em apenas quatro anos, atingiu suas metas iniciais de:

  • Implantação de 1.500 hectares de palma;
  • Geração de empregos para 150 famílias, com aproximadamente 750 diretos;
  • Aumento da renda de 80% das famílias envolvidas no projeto.

Centrado no estímulo à colheita de cachos de palma, o projeto nasceu de uma iniciativa conjunta da Agropalma e da prefeitura do município de Moju. Para alcançar os objetivos traçados, ambos procuraram junto ao Banco da Amazônia (BASA) os meios para canalizar recursos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) para as famílias que aderissem à proposta da empresa. A parceria visava beneficiar 150 famílias de Moju – município que contava, à época, com 60 mil habitantes. A aliança era essencial para viabilizar o projeto, pois as palmeiras levariam cerca de 3 anos para começar a produzir cachos e o BASA concedeu um pagamento mensal de valor equivalente a um salário mínimo (cerca de US$ 130.00) para manutenção de cada família e aquisição dos insumos para a lavoura. O valor total do empréstimo seria pago com juros de 4% ao ano, com prazo de carência de sete anos, ou seja, em condições bem melhores do que a taxa de juros anual de 64,4% que era cobrada nas operações de crédito para pessoas físicas em 2005. "Uma parte do rendimento obtido por cada família é retida pelo BASA e será utilizada para pagamento do valor financiado, garantindo o ciclo de produtividade do investimento", explica Brito. Além do financiamento do BASA, cada família recebeu um lote de dez hectares com direitos de propriedade regularizados, através de articulação entre a empresa e o Instituto de Terras do Pará (Iterpa). Também recebeu máquinas e equipamentos agrícolas, mudas de palmeira e assistência técnica, fornecidos diretamente pela Agropalma. A empresa também se comprometeu a comprar toda a produção dos pequenos agricultores e manter disponível uma equipe de operações agrícolas, veículos para transporte de adubos, insumos, ferramentas e equipamentos de segurança individual. A prefeitura, por sua vez, encarregou-se da seleção e assentamento das famílias, além do apoio de infra-estrutura, como escolha de área, topografia e demarcação. Até 2006, a empresa investira US$ 1,2 milhão no projeto.

A cadeia de valor envolvendo grupos do Primeiro, Segundo e Terceiro setores. A segunda fase do projeto teve início em 2005, agora no município de Tailândia, também no estado do Pará, com adesão de 34 das 50 famílias pretendidas para produção de cachos de palma.

RESULTADOS RELEVANTES DE UM PROJETO INOVADOR

O Projeto de Agricultura Familiar do Dendê estimulou os agricultores de Moju a criarem a Associação de Desenvolvimento Comunitário Arauaí. Na sede da entidade, são realizadas reuniões mensais com a presença de associados, técnicos da Agropalma e representantes das partes envolvidas no projeto. Nesses encontros, são discutidas dificuldades, melhorias e parcerias em prol da comunidade, originando planos de ação que já realizaram a construção de estradas, a implantação de escola e de sistema de transporte coletivo. O surgimento dessa associação é considerado um dos resultados mais importantes do projeto, por fortalecer o capital social da comunidade e a capacidade de interagir com o poder público, exercendo sua cidadania. Outra conseqüência significativa do projeto é a promoção de educação ambiental aos agricultores familiares, antes habituados a sobreviver do extrativismo não sustentável de madeira, de outros recursos nativos e de lavouras de subsistência, como mandioca, milho e feijão. Nas palavras de Edmilson Ferreira de Barros, presidente da Associação de Desenvolvimento Comunitário Arauaí, “Antes, nós não tínhamos desenvolvimento, desmatávamos muito e colhíamos pouco. Agora, não derrubamos as florestas”.

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No ano de 2005, 50 famílias de Moju fizeram a primeira colheita e passaram a contar com uma receita mensal média de US$ 320, com perspectiva de duplicar esses valores em 2006. Após o sétimo ano (2008), a receita líquida anual esperada é de aproximadamente US$ 8,5 mil por família. Antes do envolvimento no projeto, a renda média das famílias não ultrapassava US$ 26 mensais com a venda de farinha, frutas e carvão, o que, adicionalmente, degradava a floresta. Outro aspecto relevante é a garantia de trabalho permanente, em razão da perenidade da cultura; ou seja, a produção se mantém no mesmo local. Além disso, as palmeiras não necessitam de trato diário e a área de cultivo pode ser compartilhada com outros plantios.

O projeto é inovador, na medida em que inclui os pequenos agricultores locais em uma cadeia produtiva com perspectivas econômicas positivas; viabiliza seu acesso à tecnologia de plantio e colheita de palma; e orienta a agricultura familiar para um tipo de cultivo que antes era considerado possível somente em plantios intensivos. Dessa forma, manifesta-se na Amazônia um exemplo de que a produção de culturas perenes pode gerar renda mensal contínua, reduzindo o êxodo rural e fortalecendo a comunidade. Além disso, permite à Agropalma expor aos seus públicos uma conduta de responsabilidade social, obtendo ainda, benefícios diretos como a redução nas despesas de investimento e na imobilização de capital, o aumento do volume de produção e a garantia de provimento de matéria-prima com padrões de qualidade elevados. De maneira mais específica, esses projetos têm condição de permitir a expansão da área de produção da empresa sem a necessidade de imobilizar capital em terras e sem expandir o quadro de empregados diretos, diminuindo sensivelmente os custos com pessoal e encargos trabalhistas. Outro aspecto favorável resultante do projeto consiste na preservação das terras e dos recursos naturais pela própria população, principalmente as famílias de agricultores locais.

Na opinião de Brito, “o projeto abriu os olhos das autoridades para a necessidade de parcerias que garantam a vida útil do investimento, com produtos que tenham mercado forte, aberto e que, principalmente, remunerem o produtor de forma adequada". Ainda segundo ele, “é um equívoco dizer que a agricultura familiar não pode estar unida a uma empresa. Pelo contrário, pode estar unida a qualquer empresa, seja ela de pequeno, médio ou grande porte”.

SUPERANDO DESAFIOS

A dificuldade em mudar os padrões culturais dos pequenos agricultores familiares é um dos grandes desafios do projeto. Acostumados a sobreviver do extrativismo e de culturas de subsistência, agora devem adotar técnicas de plantio mais sofisticadas, conforme os requisitos das culturas perenes. Essa mudança vem acontecendo gradualmente, através de informação e diálogo constantes, a exemplo do processo de aprendizagem vivenciado pela Agropalma para construir um relacionamento de confiança com os agricultores. O desinteresse e a desconfiança de alguns deles quanto às intenções da empresa provocaram uma resistência inicial ao projeto, a qual foi sendo minada a partir de reuniões presenciais nas quais a empresa e demais instituições envolvidas interagiam com os agricultores para esclarecer os objetivos e discutir resultados e atividades do projeto.

Sobre essa evolução, o agricultor familiar Ivan da Silva Cristo declara: “No início, fiquei em dúvida se devia aceitar entrar no projeto ou não. Mas meus colegas me mostraram que teria benefícios. Hoje em dia, minha renda cobre 100% das despesas de casa”. Complementando, Brito explica que “como os preços são determinados pelo mercado internacional, não há como a empresa definir preços que venham a beneficiar quem quer que seja. Isso dá transparência ao processo".

Desafios de outra ordem estão presentes no envolvimento da esfera pública na rede e na cadeia de valor construída. Enquanto algumas relações são prósperas, como a parceria com a Prefeitura de Moju, outras apresentam dificuldades. Alguns exemplos de falta de comprometimento do poder público com o projeto manifestam-se no desrespeito do governo estadual pelos acordos de contrapartida em investimentos na infra-estrutura da região. Como também as restrições impostas à regularização da propriedade das terras nos assentamentos. Ou, ainda, na ausência de apoio de prefeituras de municípios vizinhos, impedindo ou dificultando o avanço do projeto para outras localidades. Nesses casos, para não comprometer os resultados, a empresa arca com uma parcela do investimento que seria de responsabilidade de outros parceiros do empreendimento, tentando evitar a descontinuidade do projeto. Com marchas e contramarchas, essa experiência retrata o itinerário de persistência e resiliência enfrentado pelos pioneiros no processo de invenção de um novo modo de produzir resultados econômicos que agregam valor social e asseguram a preservação ambiental. Também demonstra que é possível transformar a realidade de famílias através de iniciativas envolvendo a participação de diversos atores sociais e que incentivem sua inserção na cadeia produtiva de um bem, contribuindo não só para a melhoria de sua qualidade de vida, como para o desenvolvimento sustentável de uma região.

Rosa Maria Fischer is the SEKN leader in Brazil. Director of CEATS – Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Center of Social Entrepreneurship and Management on Third Sector) and Professor at the Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

Monica Bose is a senior researcher at CEATS and holds a Master in Business Administration from the Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

Paulo da Rocha Borba is a senior researcher at CEATS and holds a Master in Business Administration from the Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

ReVista: Harvard Review of Latin America, é publicada três vez por ano, focando em diferentes assuntos sobre a américa latina.