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Ricardo Dornelles - Biodiesel no Brasil: Um sucesso construído por muitos


Revista BiodieselBR - 23 set 2015 - 14:10 - Última atualização em: 07 fev 2019 - 12:34
ricardo
Biodiesel no Brasil: Um sucesso construído por muitos

A primeira coisa que me vem à cabeça é a palavra sucesso. Nenhuma outra expressão poderia resumir melhor aonde chegamos. Com muito trabalho e diálogo, governo e iniciativa privada formaram uma verdadeira parceria com um objetivo comum: o próprio biodiesel. Mesmo nas discussões mais calorosas, estávamos todos lutando por esse mesmo objetivo, ainda que com visões diferentes, o que é natural.

Em resumo, o biodiesel brasileiro é isso. O sucesso nascido da construção em conjunto, com cada ator desempenhando seu papel. E olha que não são poucos atores. São diferentes áreas de governo, são diferentes setores econômicos. Para listar alguns dos eixos principais, são exemplos o agronegócio, a agricultura familiar, a tecnologia e a inovação, o combustível, o meio ambiente, a indústria, a distribuição, a revenda e o consumidor. Por tudo isso, sou muito feliz por participar do desenvolvimento do biodiesel no Brasil, por ser parte desse processo.

Ao longo dessa história do biodiesel brasileiro, tenho a percepção clara de que todos esses atores tiveram e continuarão tendo um ponto de encontro: BiodieselBR. Vejo-a não apenas como um membro da mídia ou um canal de comunicação, é muito mais do que isso. É onde nos encontramos uma vez por ano na conferência que é a referência sobre o biodiesel. É onde diariamente buscamos as notícias sobre o biodiesel no Brasil e no mundo. É onde encontramos análises independentes sobre pontos críticos ligados ao biodiesel. É onde acompanhamos a realização dos leilões.

Mas voltando a 2005. Esse foi o ano em que a lei do biodiesel foi aprovada. A proposta do Executivo saiu sem a obrigatoriedade de mistura. Foi aprovada pelo Congresso com a obrigatoriedade da mistura B2 a partir de 2008. Veio junto com o temor se teríamos condições de atender plenamente à determinação legal. A meta era na época audaciosa, pois tínhamos um retrato em branco. Não havia produtor, apenas potenciais interessados. Havia receios por parte da indústria de combustíveis em geral, assim como pela indústria automobilística.

Era uma época em que não existia o ovo nem a galinha. A base legal precisou ser criada. A regulação idem, incluindo a criação e a alteração, por exemplo, de aproximadamente vinte resoluções da ANP para a introdução do biodiesel no mercado de combustíveis. O Selo Combustível Social precisou ser criado.

A fórmula que usamos para desenvolver o mercado foi a dos leilões, inclusive de compra futura de produtores que nem sequer existiam, mas se diziam interessados em um dia produzir biodiesel e assumiam esse compromisso. Quando comparamos com hoje, o setor evoluiu muito, já se transformou bastante. Apenas para ilustrar, mais de 70% das usinas que venderam nos primeiros três leilões não existem mais. Naquela época, considerava- -se grande porte uma unidade de 80 a 100 milhões de litros por ano. A média era muito inferior a isso. Com o tempo, o retrato foi sendo desenhado. As resistências foram descontruídas aos poucos, a partir de trabalhos, a partir de resultados. Hoje é esse quadro de sucesso que vivenciamos.

Agora indo a 2007. O início da mistura obrigatória se aproximava rapidamente. Precisávamos de uma âncora robusta para segurar o desenvolvimento da indústria do biodiesel, para evitar fraudes em um combustível fundamental para a economia brasileira – o diesel. A solução foi a continuidade do modelo de leilões. Todavia, com outro propósito. Ao invés de desenvolver a capacidade produtiva, o objetivo era ser um mecanismo transparente e público de negociação, centralizado nos produtores e importadores de diesel, no qual a Petrobras era o agente preponderante. Essa fórmula era o que se precisava para trazer tranquilidade ao mercado de distribuição e também de produção. Bastaria uma distribuidora fraudar e não misturar que todos os produtores seriam prejudicados, assim como as distribuidoras que atuavam dentro das regras.

Desde então, os leilões evoluíram muito. Foram várias mudanças, algumas mais estruturais, outras pontuais. Os mais novos talvez não saibam, mas o primeiro leilão do período obrigatório era para entrega por um ano e com preço fixo. Antes mesmo da sua realização, foi alterado para semestral. Hoje é bimestral. Antes do atual sistema da Petronect, tivemos Licitações-E, Comprasnet e presencial, por exemplo. No início, o produtor de biodiesel competia tão somente com outros produtores. O comprador primário (produtor de diesel) e o secundário (distribuidores) não tinham a opção de escolherde quem comprar.

E não foi só o modelo de leilões que evoluiu. Todo o PNPB amadureceu junto. O próprio Selo Social passou por aperfeiçoamentos importantes, por ajustes de rota. A especificação do biodiesel também. Idem para as questões de manuseio e transporte do produto.

Mas nem tudo saiu como planejado. Algumas premissas ou desejos não se concretizaram. O melhor exemplo é a diversificação de matérias-primas. O PNPB nasceu com a premissa de que o biodiesel seria uma importante âncora para alavancar o plantio de outras oleaginosas, tais como mamona, girassol, canola, palma etc.

O fato é que hoje continuamos importadores de óleos vegetais de mamona, girassol, canola e palma. O mais triste nesse aspecto é a contradição: o Brasil é uma potência agrícola, mas mesmo assim não consegue abastecer seu mercado interno com produção local. E não falo de atender ao mercado de biodiesel, mas ao tradicional mercado consumidor de óleo de mamona, de girassol, de palma etc. Ou seja, temos conhecimento e tecnologia, há mão de obra disponível, há terras agricultáveis e a demanda está presente, seja para fins alimentícios, seja para fins industriais ou energéticos. Mas precisamos importar...

É bem verdade que houve avanços notáveis. A área plantada com canola, por exemplo, praticamente dobrou, em função fundamentalmente de arranjos produtivos vinculados ao PNPB. A produção de mamona também aumentou, ainda que com altos e baixos no período. A construção de um programa voltado para o óleo de palma é outro exemplo. Todavia, esses avanços foram e ainda são muito tímidos perto da escala do biodiesel.

Um esclarecimento importante. Nas discussões que fizeram parte da formulação do PNPB, já havia o entendimento de que a matéria-prima a ser usada era uma decisão do produtor. O que quero dizer é que a premissa da diversificação nunca foi mandatória. Sabia-se claramente que a soja era a única opção com quantidade compatível com a demanda energética e que muita ação precisava ser feita para avançarmos nesse campo. A escolha feita naquele momento foi estimular o cultivo de outras oleaginosas por meio de estímulos vinculados à tributação federal do biodiesel e, paralelamente, com pesquisa, desenvolvimento e transferência tecnológica.

A mamona ficou emblemática, mais talvez por dificuldades de comunicação do que qualquer outra coisa. Para o Semiárido, não há alternativas com conhecimento agronômico como soja, canola ou palma. A opção disponível de prateleira é a mamona. É uma alternativa de renda. O biodiesel poderia ter sido o suporte necessário para alavancar seu desenvolvimento, ainda que não se precisasse usar a mamona diretamente na produção desse biocombustível. Contudo, não foi. Desde 2007, importamos sistematicamente mamona (baga e óleo) de outros países. A única exceção foi 2011, em que conseguimos ter exportação líquida de óleo de mamona, mas mesmo assim importamos mamona em baga nesse ano para complementar a produção doméstica.

O retrato atual é de uma forte dependência do óleo de soja, seguido de longe pelo sebo bovino e o óleo de caroço de algodão. E particularmente não vislumbro mudança desse cenário no médio prazo. Assim, a dependência da soja tende a continuar, ou mesmo se intensificar ainda mais, já que a disponibilidade de sebo e óleo de algodão tende a se aproximar do limite máximo com a ampliação da demanda de biodiesel. Em todo caso, mesmo com essa dependência, há externalidades positivas. Essas matérias- primas podem ser consideradas resíduos ou subprodutos, sendo o biodiesel um elemento preponderante para assegurar o equilíbrio e a competitividade das cadeias produtivas de soja, carne e pluma no país.

Percorremos todo esse caminho. Olhando de onde partimos, a distância percorrida foi fantástica. Hoje o Brasil está definitivamente presente no mapa do biodiesel mundial. Hoje temos uma indústria de biodiesel cada vez mais forte e preparada. Hoje temos um programa consolidado, aliás, o único no mundo com presença da agricultura familiar em larga escala. Hoje temos um biocombustível com qualidade “estado da arte”.

Para finalizar, o biodiesel nasceu como qualquer recém-nascido. Desenvolveu-se com a proteção de um pai – o mandato de mistura. Com o tempo, começou a caminhar. Hoje é um adolescente audacioso, aguerrido, querendo alçar voos cada vez maiores. Mas para virar um adulto, vai precisar encarar o mundo sem toda aquela proteção paterna. Um dia vai precisar mudar da casa dos pais, vai precisar morar sozinho. Vai precisar competir no mundo do petróleo. Vai precisar ter preço competitivo. Vai precisar aprender a lidar com exportação, assim como com importação também. Nessa condição, a presença paterna prossegue. A ação de governo é importante, com olhar de zelo, atenção e vigilância. Mesmo quando o filho cresce.

Não posso finalizar esse artigo sem deixar explícito meus mais sinceros agradecimentos a todos aqueles que contribuíram para essa trajetória, repito, de sucesso. Sem citar nomes, mas do agricultor, dos técnicos agrícolas e industriais, do químico e do pesquisador, do regulador, do legislador, do empresário, dos sindicatos e associações, da mídia, em especial a especializada como BiodieselBR, dos servidores públicos e, neste caso em especial, dos meus fiéis escudeiros no Ministério de Minas e Energia, que nunca faltaram com dedicação, empenho e criatividade dentro do mais altruísta espírito público.

Desafios? Sim, ainda há muitos. O trabalho continua.

Ricardo Dornelles – Diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia