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Entrevista: Sandro Barreto


Edição de Out / Nov 2012 - 30 out 2012 - 10:28 - Última atualização em: 13 dez 2012 - 10:48
entrevista sandro barreto
O gerente de comercialização da Petrobras, Sandro Barreto, conta como a maior empresa da América Latina está se posicionando para cumprir seu papel de intermediação no setor de biodiesel sem se tornar um “ponto de perda de carga”


Fábio Rodrigues, de São Paulo

Formado em engenharia química pela UFRJ, Sandro Barreto ingressou como estagiário nas fileiras da Petrobras há quase 12 anos e fez carreira. No início de 2011, assumiu o comando da operação de comercialização de biodiesel. No que diz respeito à sua atuação no mercado de biodiesel, a Petrobras é meio como o proverbial iceberg: o que vemos são os 10% que aparecem sobre a linha d’água. A maior parte permanece submersa e, portanto, desconhecida da maior parte do público.

A Petrobras foi colocada bem no centro do sistema de comercialização de biodiesel desenhado pelo governo federal. É ela quem liga as duas pontas da cadeia, comprando biodiesel das usinas e o revendendo para as distribuidoras. Segundo Barreto, sua grande aspiração no momento é tornar a atuação da Petrobras tão eficiente que sua presença passe praticamente despercebida.

Revista BiodieselBR – A Petrobras acabou sendo colocada no centro do sistema de comercialização de biodiesel pelo governo federal. Por que vocês acham que isso aconteceu e como vocês veem a contribuição da empresa?
Sandro Barreto – Quando o programa de biodiesel começou, a presença da Petrobras era mais forte do que hoje. Isso acelerou a curva de aprendizado. Nós servimos como o fiel da balança para dar a segurança que o mercado precisava e, ao mesmo tempo, pudemos repassar nosso conhecimento aos fornecedores de biodiesel que ainda não sabiam muito sobre a atividade de distribuição. Assim, não precisaram passar pelo desgaste de aprender esse processo por conta própria. Acho que esse é um papel fundamental que a Petrobras vem desempenhando. Nosso maior desafio agora é agregar valor sem nos tornarmos um obstáculo. Quanto mais eficiente formos, menos vamos aparecer no processo.

Revista BiodieselBR – O que o governo imaginava que poderia dar errado se não houvesse essa chancela?
Sandro Barreto – É difícil julgar coisas que não aconteceram, mas eu não acho que o mercado iria se meter em alguma trapalhada. Pode ser que tudo tivesse corrido perfeitamente bem. Mas, a presença da Petrobras trouxe conhecimentos importantes. Nós chamávamos as usinas para conversar e explicar a dinâmica do mercado de distribuição. Estimulamos que elas chamassem os distribuidores para conversar e os convidassem para conhecer suas plantas, afinal, os distribuidores é que são os clientes de fato. Esse foi um processo de amadurecimento que ajudou o setor a entrar de forma muito suave nessa nova fase em que há um contato direto entre fornecedores e distribuidores. Hoje, estamos num ponto em que esse meio de campo é cada vez menos relevante. Não acredito que esse processo teria deixado de acontecer sem a Petrobras, mas talvez ele tivesse sido mais sofrido.

Revista BiodieselBR – De uma forma geral, você diria que o mercado compreende bem as contribuições da Petrobras?
Sandro Barreto – Acho que sim. Tanto os fornecedores quanto os distribuidores têm nos dado um feedback muito positivo sobre nossa participação. A gente agrega em vários pontos da cadeia de formas distintas, seja ajudando a ANP a conduzir o leilão ou centralizando a programação quinzenal de retiradas. O mercado reconhece o valor disso.

Revista BiodieselBR – Há pouco você disse que a Petrobras quer ficar menos em evidência. Colocar os leilões dentro da Petronect e ter o Canal Cliente gerenciando a logística do segmento não vai no sentido oposto?
Sandro Barreto – Acho que o setor passar a se auto-organizar é fundamental. Temos que estar preparados para que um dia o mercado tome a decisão de não querer mais a nossa participação. Por enquanto, existem pontos a serem trabalhados e ainda estamos nesse processo. Quando olhamos para o mercado há alguns meses, vimos que ele já estava atingindo um grau de maturidade razoável e percebemos que precisávamos nos preparar melhor para não nos tornarmos um gargalo. Por isso, tomamos a decisão de colocar à disposição do setor sistemas de automação que desenvolvemos para os nossos produtos. Essa foi uma forma de melhorar o nível de serviço que a gente estava prestando ao mercado, não uma maneira de tornarmos as empresas dependentes.

Revista BiodieselBR – O efeito não acaba sendo o mesmo?
Sandro Barreto – Na verdade, o mercado não precisa da Petrobras para fazer isso. Existem outros fornecedores de sistemas de entrega no mercado e qualquer usina pode se organizar sem se prender com a gente. Uma vez que estamos responsáveis pelo segmento, vamos oferecer o que temos de melhor.

Revista BiodieselBR – Isso para o Canal Cliente, mas e os leilões? Oficiosamente, a ANP fala em criar uma plataforma própria há tempos, chegou a ser uma surpresa ver o processo passar para a Petronect.
Sandro Barreto – Essa é uma decisão que extrapola um pouco a gente. A verdade é que fomos procurados porque éramos a opção mais simples. Havia uma conversa entre a ANP e o MME sobre a plataforma e, como a gente já possuía algo pronto para os releilões, poderíamos atender ao mercado rapidamente. Foi essa facilidade que levou à escolha. Mas a Petronect é só uma ferramenta, o importante é que o leilão continua sendo promovido pela ANP.

Revista BiodieselBR – Falando no leilão, houve certa surpresa quando o mercado soube que a Petrobras comprou 91 milhões de litros depois de encerrado o processo de aquisições. Por que vocês optaram por conduzir as compras dessa forma?
Sandro Barreto – Essa foi uma situação específica daquele leilão. Como tivemos que adaptar o Petronect muito rápido, colocar as nossas compras ali seria um complicador a mais e nossa prioridade era garantir que o novo modelo entrasse. Não é o que chamaríamos de uma situação ideal, mas a gente estava com a ANP bem do nosso lado enquanto fazíamos nossas compras. Ou seja, nossa atuação foi fiscalizada e a lisura do processo garantida. Para o Leilão 27 a situação já estava corrigida.

Revista BiodieselBR –Qual foi o critério daquelas compras, afinal esse volume foi quase inteiramente comprado de apenas quatro usinas?
Sandro Barreto – Nosso critério foi exatamente o mesmo de qualquer distribuidor: custo. A gente tem nossas bases em localidades que beneficiavam as condições logísticas dessas usinas. Temos uma ferramenta onde colocamos o preço FOB e acrescentamos os custos de frete. Isso nos dá automaticamente uma série de opções de compra para cada base. O que fizemos foi comprar de quem tinha melhor preço.

Revista BiodieselBR – Por que não fazer as compras junto com as distribuidoras?
Sandro Barreto – Porque a gente estaria concorrendo com os nossos clientes e gerando um ágio desnecessário no processo. Além disso, a gente tem acesso a informações privilegiadas porque podemos ver os preços que todo mundo está pagando. Seria um atentado contra as regras do bom senso se competíssemos dessa forma. Por isso optamos por fazer nossas compras depois do encerramento. No final do primeiro dia, compramos os 80% exigidos e, depois, transferimos os saldos para dar a partida no segundo dia do leilão. No segundo dia os distribuidores fazem suas compras adicionais e, depois, a gente também faz.

 Revista BiodieselBR – A relação entre a Petrobras e as usinas já passou por alguns percalços. Lembro, por exemplo, de quando a PBio estreou e vocês passaram a estar dos dois lados do balcão nos leilões. É uma relação complicada?
Sandro Barreto – Se pensar bem, estamos dos três lados do balcão (risos). A Petrobras é dona da maior distribuidora do mercado brasileiro, a BR, e também de uma das maiores produtoras de biodiesel. A Petrobras é tão grande que qualquer gestor precisa se pautar por códigos de ética e de conduta comercial. A gente trabalha com a PBio da mesma forma como trabalhamos com outros produtores. Ela é um produtor de biodiesel que também assina contratos e tem as mesmas obrigações que os demais. Acho que o mercado já percebeu isso. O susto inicial é normal e esperado, mas já está superado. Participar do mercado de biocombustíveis é um pilar estratégico para a gente. Queremos estar no mercado interno de biocombustíveis, mesmo que seja no papel operacional que estamos desempenhando no setor de biodiesel no momento.

Revista BiodieselBR – Com os leilões e releilões acontecendo junto, o que passou a ter peso na hora das distribuidoras fazerem suas escolhas?
Sandro Barreto – O mercado de distribuição trabalha com margens apertadas. Logo, o distribuidor vai sempre olhar o custo do produto colocado na base. Só que o preço FOB do biodiesel na usina não é a única variável. Pode ser o mais relevante, mas não é o único. Por exemplo, uma usina que tenha problemas frequentes de entrega ou de qualidade do produto acaba aumentando o custo do produto. Não adianta nada a usina ter um preço muito bom se, no final, uma deficiência operacional gerar custos adicionais. A localização obviamente é outro fator determinante porque o distribuidor vai ter que pagar o frete.

Revista BiodieselBR – E como anda a eficiência das usinas? Ainda há casos de devolução?
Sandro Barreto – Isso acontece em qualquer mercado porque todo processo tem seu grau de eficiência. Estamos falando de algo entre 5 e 6 mil caminhões de biodiesel ao mês. Se tivermos um índice de 1% de problemas – e não chega a tanto – estaremos falando de uns 60 caminhões-tanque devolvidos. Pelo que tenho visto desde que estou lidando com biodiesel, a preocupação dos fornecedores com o serviço que eles estão prestando tem sido cada vez maior e o novo modelo de leilões favorece isso.

Revista BiodieselBR – Tem dado certo então?
Sandro Barreto – A gente saiu de um leilão onde todo mundo estava só focado nos custos para um leilão onde você tem um cliente precificando a forma como você produz. A usina sabe que pode ganhar um ágio se produzir de forma melhor, o que as incentiva a fazerem investimentos. Cada vez mais o mercado tem procurado entender o que o cliente quer. Esse é o grande ganho do novo modelo.

Revista BiodieselBR –Mas esse ainda é um fator em construção, não é?
Sandro Barreto – É a continuidade da curva de aprendizado do setor. Uma novidade que estamos planejando aqui na Petrobras é incluir o biodiesel na pesquisa de satisfação que fazemos anualmente com nossos clientes. Com isso teremos uma fotografia que vai nos permitir medir a evolução do setor. Estamos pensando em passar a fazer isso a partir do ano que vem.

Revista BiodieselBR – Os releilões eram um ponto cego do setor que só foi ser resolvido recentemente. Havia alguma razão prática para que os resultados não fossem divulgados?
Sandro Barreto – Eu não diria que havia alguma razão especifica, mas que isso fez parte do processo de amadurecimento da própria Petrobras. Fazer um papel de intermediário não é algo tão simples porque temos acesso a informações de terceiros. Precisávamos saber que poderia ou não ser publicado sem interferir na competitividade. Tudo isso teve que ser muito conversado internamente para que pudéssemos dar mais transparência ao processo.

Revista BiodieselBR – E quanto aos ganhos que a Petrobras teve com a intermediação da venda de biodiesel. Isso não dava uma contribuição negativa?
Sandro Barreto – Esse não é um mercado no qual a Petrobras trabalhe para ter resultados financeiros. Isso posso garantir. Só que a gente também não pode ter prejuízo e buscamos sempre zerar a nossa posição financeira. Temos trabalhado muito para reduzir nossos custos significativamente, só que há trimestres em que os custos são maiores por motivos diversos. Além disso, o nosso maior custo é a necessidade de mantermos os estoques reguladores.

Revista BiodieselBR – De que forma funcionam os estoques reguladores de biodiesel? Quem pode acessar esse biodiesel e como?
Sandro Barreto – O estoque estratégico foi criado para garantir que não vai haver falta de produto em situações pontuais. Digamos que uma usina tenha um problema numa bomba de carregamento ou, como vocês mesmos da BiodieselBR noticiaram, tenhamos problemas com a importação de metanol. O mercado de diesel precisa continuar operando. O modelo comercial também pode levar a um descasamento entre oferta e demanda. Desde que topem pagar as multas contratuais, os produtores pode entregar só 80% do que venderam no leilão e os distribuidores podem precisar receber 110% do que compraram. É uma diferença de 30% que precisa ser solucionada de alguma forma. Nesse momento você usa os estoques para ter garantia de suprimento.

Revista BiodieselBR – Como é decidido quais serão as usinas que vão participar dos leilões de estoque?
Sandro Barreto – Não sei todos os detalhes desse processo porque é a ANP que regula isso. São eles que determinam quais as usinas que podem participar dos leilões de estoque. Tudo o que fazemos é encaminhar um ofício informando que precisamos recompor nossos estoques e solicitando uma autorização para fazer um leilão e adquirir o volume que considerarmos conveniente. Ao autorizar nosso pedido, a ANP envia a lista das empresas que podemos convidar. A gente simplesmente executa o processo.

Revista BiodieselBR – Alguns distribuidores vêm afirmando que o aumento do B5 para o B7 colocaria o sistema de distribuição sob muito estresse e que eles não têm tancagem. Vocês concordam com esse argumento?
Sandro Barreto – Seria leviano de minha parte querer dizer se isso é verdade ou não. Claro que um aumento de 40% na demanda por biodiesel automaticamente aumentaria a necessidade de tancagem, ainda mais num momento em que o mercado está aquecido e novos grades de diesel estão entrando no mercado. Então, você vai precisar de investimentos novos. Essa é uma análise que pode ser feita, mas é difícil julgar como esses investimentos estão sendo feitos.

Revista BiodieselBR – A Petrobras também se envolve bastante no sistema de garantias de qualidade, não?
Sandro Barreto – Nem tanto assim. A Petrobras não tem obrigação de garantir a qualidade, mas como nós somos intermediários na cadeia de compra e venda de biodiesel, temos o que se chama responsabilidade solidária, o que nos leva a ter que assegurar que os laudos sejam feitos da melhor forma possível. Também notificamos a ANP sempre que detectamos qualquer ocorrência relacionada a não conformidade. Outra coisa que fazemos é trazer essa discussão. A gente sempre conversa com os distribuidores para que eles se assegurem que os caminhões cheguem limpos nas usinas de biodiesel.

Revista BiodieselBR – Como vocês sentem o envolvimento dos distribuidores com a qualidade do biodiesel?
Sandro Barreto – Esse é um fator fundamental e temos observado que a preocupação é crescente. O amadurecimento não está apenas nos produtores, mas no mercado como um todo, que já entende que o biodiesel é um éster e não um derivado do petróleo, e que isso demanda uma série de cuidados específicos. A superintendência de qualidade da ANP tem tido um papel muito importante nessa questão ao promover reuniões sobre o assunto.