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Cursos: Formação integrada


Edição de Ago / Set 2012 - 27 ago 2012 - 11:50 - Última atualização em: 31 out 2012 - 12:01
Novos cursos procuram solucionar a falta de profissionais com capacitação adequada no setor de biodiesel

Ligia Sanchez, de São Paulo

Para atuar na cadeia produtiva do biodiesel, é fundamental que os profissionais tenham conhecimentos específicos das reações químico-físicas que envolvem a produção do biodiesel e uma visão ampla das questões próprias ao processo industrial do setor, competências que andam em falta no mercado.

Conforme coloca o coordenador de Ações de Desenvolvimento Energético do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Rafael Menezes, o setor precisa de profissionais com “amplo conhecimento acerca de todas as vertentes que envolvem desde a produção de matéria-prima até a distribuição e o uso dos combustíveis e subprodutos do processo produtivo”. Para ele, o mercado de produção de biocombustíveis líquidos e de outras formas de biomassa para a geração de energia carece de recursos humanos com estes atributos, apesar de sua grande importância energética, econômica, ambiental e social. “Nas discussões entre os pesquisadores da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel (RBTB) fica evidente a necessidade de formação de recursos humanos na área de biocombustíveis visando à consolidação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB)”, reflete Menezes, para quem o crescimento e a consolidação de programas dependem da criação de quadros com formação técnica multidisciplinar e que possam compreender e gerenciar todas as etapas que envolvem a produção de biocombustíveis.

Química e engenharia são as principais formações acadêmicas dos profissionais mais disputados pelas usinas de biodiesel. No entanto, Menezes diz que já começou aentrar no mercado a primeira fornada de profissionais preparados por cursos tecnológicos de nível superior especificamente voltados para essa indústria, especialmente estagiários. Ele cita como exemplo o curso de Tecnologia em Combustíveis que desde agosto de 2010 é oferecido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) na cidade de Matão.

Danilo Luiz Flumignan, professor do IFSP, apresenta a conta exata: “No campus Matão, possuímos 15 alunos realizando estágios de iniciação cientifica e mais 20 alunos realizando estágios profissionalizantes de um total de 150 matriculados.”

A Universidade Federal do Paraná (UFPR) possui um curso de Tecnologia em Biocombustíveis em situação bem parecida. Iniciado em março de 2009, de acordo com seu coordenador, o professor Helton José Alves, quase todos os estudantes da primeira turma já fazem estágios, que os encaminham para a indústria e a carreira acadêmica. “Acabei de receber um e-mail de uma usina que está recrutando profissionais. Situações como esta mostram que os primeiros egressos sairão empregados”, comemora. Ele ressalta que até bem pouco tempo só químicos e engenheiros eram contratados pelas usinas.

Alves pondera que embora a indústria empregue muitos profissionais técnicos das áreas de química e engenharia, eles não são bem profissionais de biocombustíveis. “O crescimento do próprio setor deve ser impulsionado com a capacitação de mão de obra. Muitos problemas seriam resolvidos com a presença e atuação de pessoas qualificadas para lidar com questões próprias do biodiesel”, complementa.

O curso da UFPR tem como objetivo formar um profissional que reúna diferentes habilidades para lidar com diversos tipos de combustíveis fabricados pela indústria bioenergética, como etanol, biomassa, biogás e biodiesel. “Os profissionais terão capacidade para trabalhar na cadeia produtiva do biodiesel, com uma visão que contemple desde a produção de matéria-prima até a qualidade do produto”, explica Alves.

Segundo o professor, um dos maiores desafios enfrentados pela indústria de biodiesel está em assegurar a qualidade do combustível produzido, tanto na análise como no controle. Há casos em que não basta dar um parecer. É preciso saber elencar e relacionar os diferentes fatores que geraram aquele resultado, o que se torna mais fácil quando se tem o olhar treinado dentro de uma visão integrada da cadeia produtiva. “Se um produto cai fora da especificação, existe uma série de variáveis que podem interferir. Em geral, o técnico, limitado a análises de temas específicos, não possui esta visão”, completa.

Dados dispersos

Embora as fontes ouvidas por essa reportagem pareçam concordar que existe uma demanda não atendida por profissionais com competências específicas em biodiesel, há dificuldades em comprovar a situação com séries históricas de dados e estatísticas. “Como o setor está em fase de organização, temos poucos números sobre a demanda de mão de obra”, afirma Alves, da UFPR. “Os dados estão dispersos pela indústria, em iniciativas isoladas”, confirma o professor Paulo Suarez, da Universidade de Brasília, que há vários anos organiza cursos sobre biodiesel.

Segundo Wanderley da Costa Feliciano Filho, membro da Comissão de Meio Ambiente do Conselho Regional de Química do Estado de São Paulo (CRQ-IV), há um déficit estrutural de profissionais especializados em todo o mercado. Ou seja, a falta de pessoal bem- -preparado não é exclusividade do setor de biocombustíveis.

Rafael Menezes, do MCTI, joga um pouco mais de luz sobre o tema ao mencionar uma estimativa do IFSP segundo a qual, até 2013, as usinas deverão abrir pelo menos 50 vagas somente no estado de São Paulo, oferecendo salários entre R$ 2,5 mil e R$ 8 mil.

E se há boas oportunidades de trabalho, certamente haverá profissionais querendo preenchê-las. Suarez diz que é possível perceber a demanda por mais capacitação na áreade biodiesel a partir da observação direta: “Conforme fui organizando e ministrando cursos específicos para o setor, constatei que existe uma procura muito grande. E não só de profissionais em formação na graduação, mas também de profissionais que já estão no mercado e desejam conhecimento na área.”

A criação de cursos e programas de treinamento tem evoluído nos últimos anos, seja pela iniciativa privada ou com incentivo do governo. “O MCTI desenvolve, por meio de suas agências, várias ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação voltadas a solucionar os principais gargalos tecnológicos da cadeia produtiva do biodiesel”, detalha Menezes. Bolsas do CNPq – iniciação científica, mestrado, doutorado, desenvolvimento tecnológico industrial (DTI), entre outras – são disponibilizadas em todas essas ações, direcionadas à formação e capacitação de recursos humanos especializados nessas áreas. “Além disso, já foram dirigidos editais específicos do CNPq para a estruturação de cursos e concessão de bolsas”, frisa.

Como ressalta Paulo Suarez, há também formas indiretas de incentivo à formação de profissionais qualificados, por meio de editais para projetos de pesquisas que preveem a contratação de bolsistas e concessão de bolsas de estudos. O professor da UnB cita que a própria indústria tem demonstrado interesse em investir em programas de treinamento e especialização para os profissionais já contratados: “Fomos solicitados por uma grande usina para estruturar um curso sob medida para as suas necessidades.”

O professor Helton José Alves, da UFPR, conta que a universidade já encaminhou à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) o projeto do primeiro programa de mestrado em biocombustíveis no Brasil. “Esperamos o parecer até o final do ano”, afirma. Se concretizado, o mestrado terá duas linhas de pesquisa: uma voltada à tecnologia de produção do biocombustível e outra em gestão ambiental na produção de biocombustíveis.

Alves acredita, no entanto, que o financiamento de projetos, principalmente iniciativas mais específicas, não está consolidado. “Vimos algo, por parte do governo, em 2010. Desde então, falta incentivo e investimento, tanto na questão de equipar as universidades, com laboratórios de análise e contratação de especialistas, como na definição de políticas públicas que acelerem a produção e o uso de biocombustíveis em si.” Ele reclama que o biodiesel continua emperrado no B5, apesar do país já ter capacidade instalada para atender a demanda do B10.

Currículo e atuação

Mesmo em meio aos desafios conjunturais, em um cenário mais amplo, as competências dos profissionais especialistas em biodiesel vão se delineando. “A grade curricular dos cursos específicos possibilita que o profissional atue em toda a cadeia produtiva dos biocombustíveis, inclusive do biodiesel. É preciso ampliar essas iniciativas”, comenta Rafael Menezes. Para ele, os currículos dos cursos já existentes apontam para uma formação multidisciplinar. “O profissional deverá possuir conhecimentos desde o processo de obtenção de matéria- -prima graxa até o uso do biodiesel. A matriz de produção de biodiesel contempla as áreas agronômica, industrial, química, ambiental e mecânica”, explica.

O professor Danilo Luiz Flumignan, do IFSP, ressalta que a multidisciplinaridade foi um ponto valorizado do desenho do curso oferecido pelo instituto. “O curso de tecnologia em biocombustíveis permeia todas as áreas, e ainda mostra aos alunos a situação social relacionada à produção de biodiesel.”

Com isso, o profissional formado nesses cursos consegue ter um leque maior de possibilidades no campo de trabalho, indo desde empresas produtoras e/ou distribuidoras de biocombustíveis, passando por laboratórios de controle de qualidade e instituições de pesquisa, chegando à carreira pública em agências reguladoras e órgãos governamentais.

As necessidades de força de trabalho com capacitação em biodiesel, apontadas pelos entrevistados, mostram um cenário híbrido composto tanto por profissionais em começo de carreira que precisam de uma formação básica sólida, quanto por profissionais experientes em busca de reciclagem. “Vários dos problemas de uso do biodiesel e da qualidade exigem pessoas que possam dar a resposta correta. O ideal é que, durante a formação, eles trabalhem em laboratórios de pesquisa sobre o tema e façam estágio na área. Vemos que o mercado está gerando cursos de especialização”, diz Suarez.


Áreas de conhecimento

Áreas em que o profissional de biodiesel deve ter conhecimentos/competências:

AGRONÔMICA: Preparo de solo, plantio, manejo e colheita de oleaginosas.

INDUSTRIAL/ENGENHARIA: Secagem, extração de óleo, transesterificação e obtenção de biodiesel.

QUÍMICA: Análise de qualidade de óleos e gorduras, análise de biodiesel e otimização de métodos de síntese de biodiesel por catálise homogênea/ heterogênea e processo contínuo/ batelada.

AMBIENTAL: Reaproveitamento de óleos e gorduras, créditos de carbono.

MECÂNICA: Utilização de biodiesel em motores de ciclo diesel.

AMBIENTAL: Reaproveitamento de óleos e gorduras residuais.

SISTEMAS DE GESTÃO DE QUALIDADE: Gestão de laboratório, boas práticas de laboratório, normas ISO, guia e acreditação de ensaios.


Cursos para formação

Cursos disponíveis para formação na área de biodiesel e biocombustíveis:

TECNOLOGIA EM BIOCOMBUSTÍVEL - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP)

CURSO DE ENGENHARIA MECÂNICA: ENERGIAS RENOVÁVEIS E TECNOLOGIA NÃO POLUENTE - Universidade Anhembi Morumbi

CURSO DE TECNOLOGIA EM BIOCOMBUSTÍVEIS E ESPECIALIZAÇÃO EM AGROENERGIA - Fatec

TECNOLOGIA EM BIOCOMBUSTÍVEIS Universidade Federal do Paraná (UFPR)

MESTRADO EM BIOENERGIA - rede FTC