PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
028

Usinas: demora nos pagamentos da Petrobras


Edição de Abr / Mai 2012 - 19 abr 2012 - 17:09 - Última atualização em: 24 abr 2012 - 16:39
As usinas precisam esperar mais de 30 dias antes de receber da Petrobras pelo biodiesel que entregam. Um prazo mais curto poderia ajudar a reduzir custos no setor

Por Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba

Desde 2008, com o início da obrigatoriedade da adição do biodiesel ao diesel mineral no Brasil, muitas mudanças aconteceram no mercado desse biocombustível. De um dia para outro, a adição obrigatória criou um mercado para um produto inteiramente novo. A novidade incentivou investimentos, impôs desafios e obrigou a criação de um arcabouço de regras. Quem trabalha no setor se acostumou às mudanças constantes nessas regras, ora benéficas, ora negativas.

Nesse percurso, que já dura quatro anos, as usinas puderam contar com uma constante, algo que nunca mudou: o prazo de pagamento da Petrobras. O contrato padrão da estatal com as usinas que vendem biodiesel nos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) estipula um período de 30 dias a partir do faturamento da entrega para que os valores devidos às usinas sejam compensados. Ou seja, entrega hoje, recebe daqui a um mês. E é isso que tem sido observado.

“Está definido contratualmente: a Petrobras tem 30 dias para pagar a partir do faturamento. É o que acontece. Ela paga com 30 ou mais dias”, conta o sócio da Bio Óleo Rodrigo Prosdócimo Guerra. Uma das veteranas do mercado, a Bio Óleo é uma usina instalada em Cuiabá (MT) com capacidade para fabricar 3,6 milhões de litros de biodiesel ao ano. Produz desde setembro de 2008 e atualmente se encontra parada aguardando a finalização de obras de ampliação.

O prazo longo obriga as usinas a manterem um patamar maior de capital de giro para não ficarem sem recursos e paralisarem suas operações enquanto esperam o pagamento. Quem não tem o dinheiro necessário para fazer frente às necessidades acaba dependendo de crédito, uma opção mais cara e cujo custo pode acabar indo parar no preço final do produto. É uma péssima notícia para um mercado que tem brigado constantemente para se tornar competitivo frente ao diesel tradicional.

A Petrobras é uma peça fundamental no desenho do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). A petrolífera é a única que pode adquirir o biodiesel fabricado pelas usinas para depois revendê-lo às distribuidoras de combustíveis na proporção necessária para garantir o cumprimento do percentual obrigatório, que hoje está em 5%. O efeito colateral disso é que procedimentos administrativos internos da estatal afetam diretamente todo o mercado – dos produtores de matéria-prima às distribuidoras.

Questionados sobre o assunto, governo e usinas afirmam que não há problema com os prazos. “Não conhecemos nenhuma solicitação do mercado nesse sentido”, diz Dornelles. Guerra, que é secretário do Sindicato das Indústrias de Biodiesel de Mato Grosso (Sindibio-MT), também afirma que não existem reivindicações dos fabricantes em relação ao tema. “O sindicato não fez nenhum pedido em relação a isso”, explica ele.

A União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio) e a Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), os dois principais órgãos representativos do setor produtivo, não responderam aos pedidos de entrevista feitos por esta reportagem de BiodieselBR. Isso confirma que o setor não considera a questão assim tão urgente.

Cenário

Mas se não há questionamentos ou reivindicações sobre esse ponto, então qual é o problema? É matemático. O Brasil é o país com maior taxa de juros reais entre as 40 economias mais relevantes do mundo. Juros reais é a diferença entre a taxa cheia de juros cobrada num contrato de financiamento depois de descontada a inflação apurada durante o período da operação. Os brasileiros pagam 4,2% de juros reais ao ano, segundo os cálculos da Cruzeiro do Sul Corretora de Valores. Atualmente a taxa Selic, que baliza os juros no país, está em 1,3% ao mês, ou 10,4% ao ano. Isso quer dizer que quem precisa tomar dinheiro a prazo deve estar disposto a pagar caro. Péssima notícia para quem precisa manter o fluxo de caixa em dia. Trocando em miúdos: os custos financeiros em que as usinas precisam incorrer por causa dos dilatados prazos de pagamento da Petrobras acabam incorporados pelo setor.

Na economia de mercado, a situação é pior para quem é pequeno. “Uma empresa grande como a Petrobras tem total acesso ao mercado financeiro. O dinheiro é mais barato para eles, mas os pequenos e médios não têm acesso a esse tipo de capital. E pagam caro se precisarem de recursos”, explica Roy Martelanc, professor de finanças da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).

Ao estender o prazo de pagamento, diz o professor, a estatal está “reduzindo seus custos e aumentando os custos dos outros”. “O fornecedor vai ter que pagar juros no mercado e esse custo vai para o preço final”, aponta. A situação é pior para quem tem menos recurso em caixa e depende dos pagamentos para fazer o capital continuar fluindo. “Quem precisa de dinheiro pode antecipar o crédito, mas aí paga juros”, afirma Guerra, da Bio Óleo.

Na prática, avalia Martelanc, o mercado pode estar pagando essa conta sem nem perceber. “Se o produtor está pagando juros de 2% ao mês e a Petrobras 1%, o consumidor está pagando esse 1% adicional sem necessidade. Seria perfeitamente possível pagar entre 3 e 5 dias”, defende. “É só um ajuste na burocracia, que pode resultar numa redução, na ponta, de 1% nos custos”, completa.

Para a Granol, que se manifestou sobre o assunto em nota enviada a BiodieselBR, a situação não é tão simples assim: “Os contratos da Petrobras têm prazo de 30 dias. Um prazo menor certamente ajudaria muito no fluxo de caixa da maioria das empresas do setor, ainda que neste momento não viesse a representar redução adicional de preços, já que, devido à superoferta, os preços efetivados no ultimo leilão ficaram demasiadamente baixos para o cenário que se projeta para a soja neste trimestre.”

O diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Ricardo Dornelles, informou que o prazo “é uma parte consistente da negociação. Está no contrato e é um padrão do programa”, defende.

Custos

Se o tamanho do efeito que a redução nos prazos teria sobre os preços do biodiesel ainda é alvo de debate, um resultado é dado como certo: reduzir o tempo que as usinas precisam esperar pelo pagamento da Petrobras ajudaria a cortar custos de uma forma incrivelmente simples. “É muito difícil reduzir 1% de custos na fábrica. Mas uma redução no prazo de compensação teria uma repercussão imediata”, aposta Martelanc, da USP.

No último leilão de biodiesel, que aconteceu no início de março, uma redução de 1% no preço médio da negociação (que foi de R$ 2,041) significaria uma economia de R$ 0,02041 por litro. Foram negociados na ocasião 700 milhões de litros num total de R$ 1,43 bilhão. Ou seja, a economia total seria de R$ 14,3 milhões. Parece uma bagatela, contudo trata-se de uma somatória. Se considerarmos que nos quatro leilões de biodiesel responsáveis pelo abastecimento do mercado no ano passado foram movimentados quase R$ 5,9 bilhões, esse 1% significaria uma economia total de R$ 59 milhões. É dinheiro demais para esbanjar por uma razão tão banal.

Para Martelanc, o custo de reorganização do sistema de pagamentos da Petrobras seria menor. “Eles têm condições de reduzir isso [o prazo] drasticamente apenas com uma reorganização do sistema”, aponta. Segundo o especialista, normalmente em compras de estatais a preocupação com a redução do prazo de pagamento tem relação com o controle. “O processo é extenso porque tem vários pontos de checagem para impedir desvios, mas isso não é impedimento para a redução”, explica.

Procurada por BiodieselBR, a Petrobras não quis comentar o assunto.