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As palmeiras nativas do Brasil e a produção de óleo


Edição de Fev / Mar 2012 - 08 mar 2012 - 14:22 - Última atualização em: 11 mar 2012 - 19:27
No Brasil, há aproximadamente 40 milhões de hectares de palmáceas, com média de produção de óleo em torno de 3 mil quilos. Teoricamente, isso equivaleria a 120 milhões de toneladas de óleo por ano

Juliana Tavares, de São Paulo

Em tupi-guarani, o Brasil é chamado de “pindorama”, palavra que significa “região das palmeiras”, uma característica que inspirou poetas – como Gonçalves Dias e sua inescapável “Canção do Exílio” –, encanta turistas e, recentemente, chamou a atenção do governo federal e de diversas instituições para o excelente potencial das palmáceas nativas para a produção de óleo vegetal destinado à fabricação de biodiesel.

Palmeiras nativas há em quantidade e diversidade, a ponto de fazer qualquer leigo no assunto perder-se com a profusão de nomes pitorescos: macauba, buriti, inajá, tucumã, coco-da-baía, babaçu, licuri, e por aí vai. Todas elas são aptas para a produção de biocombustível. A presença endêmica e a alta produção de óleo por unidade de área, sobretudo em comparação com outras espécies oleaginosas, são as principais vantagens das palmáceas quando o assunto é produção de biodiesel.

“Projeta-se que a palma de óleo (dendê) produza em torno de 6 mil quilos de óleo por hectare, enquanto que a macauba pode produzir aproximadamente 4 mil quilos”, revela o pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) José Carlos Fialho Resende. “A soja, ao contrário, produz em torno de 550 quilos de óleo na mesma área”, diz.

Uma vantagem adicional das palmáceas em relação a qualquer outra cultura usada atualmente na regionalização. O tucumã é produzido basicamente na região Norte, mais especificamente no Pará, enquanto que o inajá se concentra em Roraima e Amazonas. A macauba, por sua vez, tem uma distribuição mais ampla na área de cerrado, incluindo toda a região Centro-Oeste e Minas Gerais. O babaçu tem sua produção concentrada nos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará e Tocantins.

Este último tem uma produção de óleo por hectare comparável à da soja, sendo explorado por seu potencial para a cogeração de energia: a partir da casca do coco de babaçu produz-se carvão vegetal e gorduras comestíveis.

“A presença de palmáceas em quase todo o Brasil, com exceção do Sul do país, e a alta capacidade de produção de óleo, associadas à variabilidade de espécies, comprovam a necessidade de se realizar pesquisa de médio e longo prazos para a sua utilização no fabrico de combustível. Há muitos projetos a fazer e muito bons resultados a colher”, garante Fialho Resende.

Nem tudo são flores

Apesar do grande potencial de produção de óleo, a maioria das espécies citadas não estão domesticadas. Com exceção do dendê, que é uma espécie de origem africana e cujas pesquisas para desenvolver tecnologias de cultivo e ampliação da base genética das variedades comerciais possuem um programa de melhoramento bem estruturado pela Embrapa, as palmáceas nativas são pouco conhecidas. “Essas espécies têm uma série de problemas a serem resolvidos, entre os quais a necessidade de se determinar o principal sistema de cultivo, de propagação, ponto de colheita, maturação, e armazenamento dos frutos e do óleo extraído”, explica o pesquisador Alexandre Alonso Alves, da Embrapa Agroenergia.

“Além disso”, prossegue Alves, “é preciso estabelecer o beneficiamento genético de cada espécie para, só aí, viabilizar a produção de óleo dessas palmeiras em volume, em escala e nos locais adequados, que a meu ver deve ser perto das usinas produtoras de biodiesel. Conseguindo-se equacionar essa questão de viabilidade, o processo de produção de biodiesel por meio das palmáceas será uma realidade no Brasil”.

Mas hoje o cenário de produção de óleo a partir de palmáceas é muito diferente do descrito por Alves. A começar pelo sistema extrativista de exploração, que não se sustenta como cadeia de produção. E isso passa pela qualificação e profissionalismo de ribeirinhos e agricultores. Há ainda a qualidade do produto final, que deixa a desejar, pois durante a produção do óleo misturam-se frutos novos e velhos com brocas e outros resíduos.

A Embrapa reconheceu a importância dessas espécies para a produção de biodiesel e por isso coordena uma série de projetos que pretendem solucionar essas deficiências. Em abril, por exemplo, foi lançado o Projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Palmáceas para a Produção de Óleo e Aproveitamento Econômico de Coprodutos e Resíduos (ProPalma), que conta com recursos da Finep e parcerias com o Instituto Agronômico de Campinas e 8 universidades.

De acordo com Alves, que também é coordenador do projeto, o ProPalma visa à promoção do domínio tecnológico e à domesticação de palmáceas, entre elas o babaçu, o tucumã, o inajá e a macauba, selecionadas pela densidade energética e distribuição territorial. “Além disso, busca resolver os gargalos tecnológicos para aproveitamento econômico de coprodutos e resíduos, inserindo as regiões de ocorrência dessas palmáceas na geopolítica de produção de biocombustíveis, adubos e rações”, informa.

O projeto prevê um prazo de três anos, durante os quais as espécies pesquisadas serão mapeadas, ganharão bancos ativos para genotipagem e métodos de propagação vegetativa. Também serão desenvolvidos um sem-número de estudos que pretendem avaliar, entre outros aspectos, o ponto de maturação para colheita, armazenamento dos frutos, condições de beneficiamento, extração de óleo, produção de biodiesel e determinação das condições adequadas para o aproveitamento de coprodutos. “Os resultados que conseguimos, até agora, são iniciais”, atesta Alves. “Mas com o aprofundamento dos estudos, queremos fazer com que a produção de biodiesel seja complementada com a introdução de outras espécies para o seu fabrico”.

Articulação popular

O babaçu é a palmeira nativa com maior volume de pesquisas. As florestas de babaçu que ocorrem de forma natural no Brasil possuem mais de 25 bilhões de árvores e capacidade para produzir 7 milhões de toneladas de óleo por ano, com inúmeros usos comerciais.

Apesar da sua importância produtiva, a falta de políticas públicas para preservação dos babaçuais e de profissionalização do sistema de colheita dos cocos fez com que na década de 1980 o acesso às áreas produtoras se tornasse um foco de tensões sociais. Fazendeiros, pecuaristas e empresas agropecuárias, instalados nas regiões Norte e Nordeste a partir de políticas públicas, estavam se apropriando das principais áreas produtoras e deixando de fora as populações tradicionais que viviam da coleta do coco babaçu. Foi nessa época que as chamadas “quebradeiras” começaram a se organizar e se transformar num movimento social importante [veja box]. Desde então, sob o guarda-chuva do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), mulheres que sobrevivem da venda de produtos derivados da palmácea nos quatro Estados produtores se reúnem para, entre outros aspectos, discutir problemas e propostas de melhoria no trabalho.

“Além de contribuir para a inserção das quebradeiras na sociedade, o MIQCB abre um leque dentro da agricultura familiar ao exigir do Estado um apoio à cadeia produtiva do babaçu e levantar questões como a necessidade de se garantir o acesso livre aos babaçuais”, explica a coordenadora técnica do movimento, Ana Carolina Magalhães Mendes.

Embora o MIQCB tenha uma trajetória independente, ele é um dos muitos exemplos de como o cooperativismo pode ajudar a consolidar a agricultura familiar. A demanda gerada pelo setor de biodiesel tem dado um estímulo importante ao cooperativismo: apenas para se ter uma ideia, o número de cooperativas do Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB) passou de quatro, em 2006, para 70 em 2011.

A formação de cooperativas e o fortalecimento das que já existem são fundamentais para o PNPB e constituem uma das pr i nc i p a i s diretrizes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), pr i nc i p a l - mente na região Nordeste e no Semiárido brasileiro. “Além de incentivar a capacidade de organização, que é ainda um desafio entre agricultores familiares, a formação de cooperativas permite uma participação mais qualificada e sustentável na produção do combustível”, informa o coordenador de biocombustíveis da Secretaria de Agricultura Familiar do MDA, Marco Antonio Viana Leite. Dados do ministério mostram que as compras de matéria- prima da agricultura familiar realizadas pelas usinas de biodiesel somaram R$ 859 milhões apenas no primeiro semestre de 2011.

Embora isso ainda não aconteça, o MDA espera colocar as palmáceas nativas nesse circuito o quanto antes. “Temos uma expectativa muito grande com a macauba, que, embora ainda esteja no processo de validação tecnológica, mostrou excelente potencial para o desenvolvimento de biodiesel”, diz Viana Leite. “O MDA está estudando a possibilidade de oferecer linhas de crédito para essa cultura, tal como já oferece para a palma de óleo.”

Novas perspectivas para a produção de biodiesel são sempre bem-vindas. Resta saber se serão levadas a termo pelo governo federal. Pesquisas demoram a apresentar resultados satisfatórios, e os três anos sugeridos à Embrapa para o desenvolvimento de estudos sobre as palmáceas podem não ser suficientes para oferecer um panorama do verdadeiro potencial produtivo dessas espécies. O que será feito depois disso poderá definir o caminho do biodiesel no país.

Os mulherões do babaçu

Após uma grande queimada, as “pindovas” de babaçu (palmeirinhas novas) são sempre as primeiras a despontar no terreno. O babaçu é resistente a agressões e tem uma grande capacidade de regeneração, exatamente como a maranhense Maria do Rosário Soares Costa Ferreira. Atual coordenadora executiva do MIQCB, Maria do Rosário é dessas mulheres que se encontram aos montes por aí e que teimam em persistir mesmo quando o destino está contra.

Ela entrou por acaso no MIQCB em 2003. Sobrevivia de vender o coco que colhia dos babaçuais e certo dia ouviu alguém dizer que haveria uma reunião para melhorar a vida de quem, como ela, dependia do babaçu para sustentar a família. Desde então, sua história nunca mais foi a mesma.

Como outras tantas mulheres, Maria do Rosário chegou à idade adulta analfabeta e vivia sob a impressão de que o direito à opinião ou à autonomia era prerrogativa só de quem se vestia bem e tinha estudo. A ela cabia resignar-se com o que sobrava. “No movimento, ganhei voz ativa”, conta com o orgulho velado de quem é avessa aos autoelogios.

“Minha missão, hoje, é mostrar que todas temos direitos e a chance de mudar a nossa realidade na comunidade. Mas para isso temos de ter consciência do que pode e deve ser melhorado”, completa, ciente da importância de resgatar outras mulheres que ainda vivem sob a visão fatalista de serem cidadãs de segunda classe. Ela sabe como é renascer dessa vida.