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A intrincada logística do biodiesel


Edição de Fev / Mar 2012 - 08 mar 2012 - 14:59 - Última atualização em: 11 mar 2012 - 19:27
Distância entre as unidades produtoras e os centros consumidores é só mais um agravante na intrincada logística do biodiesel

Cátia Franco, de São Paulo

O tiro saiu pela culatra. Embora desgastada, essa expressão define bem como a regionalização da produção, um dos objetivos do Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB), segue frustrada.

Todo mundo está farto de saber que ao ser oficialmente anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no final de 2004, o PNPB tinha muitas boas intenções: deveria gerar emprego e renda na agricultura familiar, contribuir para o desenvolvimento do Norte e Nordeste, diversificar a produção de oleaginosas pela agricultura brasileira e capilarizar a produção de combustíveis pelo território nacional, entre outras. O desfecho dessa história também é de conhecimento geral: sozinha, a produção do biodiesel não teve força para remar contra a corrente da lógica secular que organiza o território nacional. O resultado foi que o programa acabou se estruturando em cima da soja, cujo cultivo se concentra nas regiões Centro-Oeste e Sul.

“Essa lógica econômica de maior produtividade, organização e conhecimento dos agricultores do Sul e do Centro-Oeste em relação aos do Nordeste não foi compensada com os incentivos fiscais ofertados pelo governo”, reconhece Rodrigo Rodrigues, da Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil.

De fato, o esforço do governo em não reproduzir com o programa do biodiesel o quadro histórico de disparidades regionais não foi eficaz para alcançar o resultado desejado. E ocorreu justamente o contrário.

Isso acabou gerando outra consequência. A fixação da produção de biodiesel nas regiões Sul e Centro-Oeste, distante dos grandes centros consumidores, implicou a construção de uma logística problemática, que dificulta uma maior eficiência da cadeia do biocombustível. “No início, quando se importava petróleo, as refinarias foram instaladas ao longo do litoral do país, em São Paulo, Rio de Janeiro, no litoral Nordeste, onde havia concentração populacional, onde existia o consumo, nos grandes centros urbanos”, contextualiza Rodrigues. “Como a produção está fixada em regiões distantes desses centros, o biodiesel passa a ter um custo adicional, o do frete”, completa.

A questão do custo adicional do frete ganha uma dimensão ainda maior quando levamos em conta o fator competitividade do preço do biodiesel em relação a outras fontes de combustível. “A realidade é que temos um combustível renovável, menos poluente, mas com elevado custo. Chega a ser mais de 70% mais caro que o diesel, e isso, de alguma forma, onera a sociedade”, diz Alísio Vaz, presidente do Sindicado Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom).

Carta marcada

Segundo entidades representativas do setor de combustíveis, a concentração das unidades produtoras de biodiesel nas cercanias das lavouras de soja era algo perfeitamente previsível. “As desigualdades fazem com que os investimentos sejam direcionados para as regiões mais desenvolvidas, pois o retorno se dá de forma mais efetiva”, afirma Ricardo Menezes, diretor institucional do Sindicato das Distribuidoras Regionais Brasileiras de Combustíveis (Brasilcom).

A opinião é também compartilhada pelo presidente do Sindicom. “O programa aconteceu em função da soja. É a oleaginosa de que o Brasil detém maior conhecimento e eficiência de produção. Só alcançamos o patamar de 5% de mistura graças a ela. Se não fosse a soja, possivelmente nem 2% teríamos de biodiesel”, pontua Vaz, para quem o problema envolvendo a logística do biodiesel não se restringe à distância entre as unidades produtoras e as refinarias e centros consumidores. Afinal, a região Sul, além de grande produtora, possui um mercado de consumo de biodiesel bastante expressivo.

“A questão central não é onde está sendo feito [o biodiesel], mas sim a logística deficiente de que o país dispõe. As estradas são poucas e de qualidade baixa. Temos um sistema ferroviário subaproveitado. A infraestrutura para navegação interna é pouco desenvolvida. E isso afeta não só o biodiesel, mas outros produtos agrícolas”, expõe Vaz.

Rodrigo Prosdócimo, sócio da Bio-Óleo e secretário do Sindicato das Usinas de Biodiesel do Mato Grosso (Sindibio-MT), está entre os que endossam o entendimento de que o problema do biodiesel vai bem além do endereço das usinas. Segundo ele, a proximidade com as regiões produtoras de soja pode até ter reflexos benéficos “se analisada do ponto de vista da garantia do abastecimento em longo prazo”.

Corrigindo a rota

Mas as incompatibilidades geográficas entre a produção e o consumo do biodiesel incomodam bastante. Chegando a ponto de o governo ter começado a mexer os seus pauzinhos para reverter a situação, mudando as regras dos leilões.

Com a proposta de ser um meio-termo entre os leilões com preços FOB e os com precificação CIF, o Fator de Ajuste Logístico (FAL) foi introduzido em agosto passado, numa tentativa de redesenhar o sistema de comercialização desse biocombustível. A ideia é incentivar uma maior capilaridade da produção do biodiesel pelas diferentes regiões do país. “É uma tentativa de alavancar a competitividade dos produtores do Norte e Nordeste”, confirma Rodrigues, da Casa Civil.

A decisão é vista com reticências e – muito embora não assumam isso às claras – deixou alguns representantes do setor descontentes. “Sabemos que nosso Estado produz mais do que consome. Mas também sabemos que o transporte que leva o óleo ou o grão in natura para outros Estados produzirem biodiesel é o mesmo que levaria o próprio biodiesel já pronto. Essa sinergia tem que ser levada em consideração”, defende Prosdócimo, do Sindibio-MT. “Seremos afetados negativamente toda vez que existam distorções irreais nas formações do fator de ajuste logístico ou outro mecanismo que venha a existir. Podemos ter a originação da principal matéria-prima para produção de biodiesel, mas isso, por si só, não garante maior competitividade. Temos maiores gastos com manutenção das unidades produtivas, treinamento de pessoal, aquisição de insumos etc.”, ressalva.

Diferenciar preços de oferta conforme a localização do produtor, agregando uma compensação pela distância de transporte do produtor até as bases de distribuição, pode acabar gerando o efeito contrário do pretendido, agravando o problema do custo do biodiesel, como aconteceu no primeiro leilão após a introdução do FAL. “O efeito colateral foi o aumento dos custos como um todo, e isso é necessariamente repassado ao consumidor. A distribuição não tem capacidade de absorver esse impacto, pois também precisa remunerar sua própria atividade”, expõe Menezes, da Brasilcom.

O presidente do Sindicom tem uma avaliação mais positiva da intervenção governamental nas regras de leilão. “Não acredito que tenham eliminado todas as imperfeições do modelo de leilão, mas houve uma evolução”, considera.

Para Vaz, o ideal seria que as grandes centrais de produção de biodiesel estivessem próximas às refinarias, para facilitar a mistura. “Isso daria uma grande eficiência ao sistema como um todo”, acredita. “Na Argentina, a produção de biodiesel se desenvolveu com base nesse modelo. E foi isso que o Sindicom defendeu no início do programa”, diz.

Questionado se seria possível a adoção de um modelo similar ao argentino pela cadeia brasileira de biodiesel e se isso poderia ajudar a minimizar os problemas de logística do produto, Vaz argumenta que a equação é complexa e faz ponderações. “Permaneceria a necessidade de levar a matéria-prima até a unidade de produção. Além do mais, a própria configuração da agricultura argentina é diferente, está próxima a Buenos Aires. A nossa, distante das refinarias. Também já evoluímos sete anos num modelo. Reverter tudo isso pode ser ineficiente”, considera.

A solução ideal

O governo reconhece que somente o Fator de Ajuste Logístico não resolve as vicissitudes do programa. “Essa disparidade regional é uma realidade histórica que temos no país.

Não é o FAL que vai equilibrar as distorções. Tampouco é essa a pretensão do governo”, afirma Rodrigues.

E segundo ele, o FAL também não soluciona os dilemas logísticos envolvendo o biodiesel – apenas os atenua. Para Rodrigues, a melhor forma de corrigir as ineficiências relacionadas ao PNPB é com o livre-mercado. “Numa regra de livre contratação de mercado, o distribuidor vai buscar o biodiesel onde encontrar a melhor equação possível entre o custo do frete e preço relativo do biodiesel.”

O presidente do Sindicom concorda. “O modelo perfeito seria a livre compra, no qual os distribuidores poderiam buscar os melhores parceiros”, alega. “Mas a disparidade de preço entre o diesel e o biodiesel torna inviável essa intermediação pela Petrobras. E o governo entende que, no momento, em prol da segurança, da competitividade, o leilão e releilão dá uma segurança, mesmo com as ineficiências inerentes.”

A solução para os problemas geográficos do biodiesel vai muito além de ajustes nas regras que norteiam as relações comerciais do setor. Passa por ações com enfoque mais abrangente, como a adoção de políticas públicas para resolução de questões que maculam nosso país há muitas décadas. Entre elas, uma maior e melhor aplicação dos recursos destinados a regiões brasileiras onde o atraso econômico e social é patente. E também investimentos na nossa precária infraestrutura de transportes, buscando o aperfeiçoamento e dinamização dos modais (rodoviário, ferroviário, hidroviário) que já temos disponíveis. Qualquer proposta que desconsidere essas duas necessidades terá efeito meramente paliativo.