PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
026

Postos de combustíveis: integridade do biodiesel


Edição de Dez 2011 / Jan 2012 - 15 dez 2011 - 16:09 - Última atualização em: 09 mar 2012 - 17:50
Embora relativamente simples, a operação dos postos de combustíveis está cheia de particularidades que podem comprometer a integridade do biodiesel. Nas próximas páginas apresentamos mais detalhes sobre esta polêmica

Fábio Rodrigues, de São Paulo

Há quase 38 mil postos de combustível no Brasil. Embora a grande maioria tenha um faturamento bem modesto quando comparado até à mais frugal usina de biodiesel, no ano passado o varejo de combustíveis faturou mais de R$ 220 bilhões. Quando faz o caminho inverso pela cadeia de produção, parte dessa dinheirama acaba no bolso das usinas e irriga a produção de biodiesel no país. Mas as usinas e os postos têm uma relação tempestuosa. Os donos de postos andam dizendo a quem queira escutar que o biodiesel está lhes causando problemas e prejuízos.

O grosso das reclamações diz respeito ao aumento na formação de borras nos tanques de óleo diesel. O incômodo tem sido tanto que em seu Relatório Anual de 2011, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) disparou um petardo contra as usinas ao correlacionar o aumento da mistura obrigatória à piora nos índices de qualidade do óleo diesel apurados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Segundo o documento, o índice de não-conformidade disparou de 1,9% em 2007 – logo antes da introdução da mistura – para 3,6% em 2010, revertendo uma tendência de queda que vinha desde 2001.

Jogo de empurra

Empenhadas em obter novos aumentos da mistura de biodiesel o quanto antes, as usinas não gostaram nada de ver seu produto contra as cordas e partiram para o contra-ataque. Segundo os representantes do segmento, os postos não têm feito o seu dever de casa no que diz respeito às melhores práticas.

Uma audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados em 28 de junho deixou evidente o quanto os dois lados estavam entrincheirados. Na ocasião, o presidente da Fecombustíveis, Paulo Miranda Soares, disse que os postos estavam pagando o pato sozinhos. “Não podemos ser penalizados pela má qualidade de um produto sobre o qual não temos influência nenhuma”, disparou.

Também presente na audiência, o presidente do Conselho Superior da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), Juan Diego Ferrés, retrucou dizendo que faltava engajamento da parte dos revendedores. “O biodiesel tem de ser objeto de engajamento por conta da cadeia. Muitos dos problemas que temos enfrentado são relativamente simples”, disse, contrafeito.

Sem culpados

Essa é uma daquelas discussões que não têm um lado certo e outro errado. Segundo a professora do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fátima Menezes Bento, a adição de biodiesel é um fator no aumento dos problemas. “Eu publiquei meu primeiro artigo sobre o biodiesel em 2006 junto com um grupo de profissionais da Ipiranga. Fizemos um trabalho sobre a susceptibilidade do B2 e do B5 que indicava que teríamos um maior volume de material se formando”, diz.

O “material” ao qual a pesquisadora se refere são as borras que têm incomodado os postos. Boa parte delas é composta por micro-organismos que se desenvolvem no óleo diesel. O problema não é novo e já acontecia com o diesel mineral puro, mas Fátima reconhece que o biodiesel turbinou o processo. “O biodiesel é um dos fatores que aumenta o crescimento”, resume. Entretanto, a maior vulnerabilidade só faz aumentar a importância da adesão às melhores práticas. “As boas práticas são recomendáveis no mundo inteiro e, com o biodiesel, a estratégia precisa ser reforçada”, pondera. Ela explica que a drenagem da água que se acumula no fundo dos tanques e uma limpeza periódica são medidas simples e eficazes.

De acordo com a superintendente de biocombustíveis e qualidade de produtos da ANP, Rosângela Moreira, ações como a drenagem e limpeza dos tanques, que já eram recomendáveis, passaram a ser imprescindíveis depois do biodiesel. Contudo, não existe obrigatoriedade. “Até o momento, tais regras foram tratadas de forma voluntária, embora seja possível torná-las mandatórias mediante sua previsão em alguma resolução da ANP de acordo com o desenrolar da situação”, aponta.

Oxidação

Os micróbios não são os únicos culpados. Parte da borra é resultado da oxidação do biodiesel. É aí que o consultor da Ubrabio e professor de química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Donato Aranda, aponta o dedo para o que considera o vilão da qualidade do biodiesel nos postos: o cobre. Segundo ele, uma porção de equipamentos dos postos é feita de bronze ou de latão, ligas que levam cobre na composição. Esse metal reage e acelera a oxidação do biodiesel. “É como uma laranja estragada no meio de um lote de laranjas boas. E a oxidação gera polímeros que aumentam a formação de gomas”, explica.

Segundo Aranda, as especificações da ANP estabelecem que o biodiesel puro deve suportar pelo menos seis horas no rancimat (um teste que acelera a degradação do combustível), o que equivale a uma vida de prateleira de mais ou menos seis meses. “Em contato com cobre, a vida de prateleira do B100 cai para menos de uma semana”, ressalta. O químico reconhece, contudo, que esse é um problema que não existia antes e que seria irrealista esperar que os milhares de postos brasileiros se adequassem do dia para a noite.

Segundo a vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Equipamentos para Postos de Serviços (ABIEPS), Hérica Gonçalves, aos poucos as peças problemáticas estão sendo trocadas por versões de aço inoxidável. Nem sempre isso é simples. “Nos postos mais novos, todas as conexões ficam dentro do SUMP [uma espécie de caixa coletora], onde você tem acesso fácil, mas nos postos antigos você precisa de uma obra grande para trocar as válvulas e tubulações”, pontua.

Pelo jeito, o tempo está fazendo sua parte. De acordo com Rosângela Moreira, da ANP, o número de reclamações sobre formação de borras tem caído bastante. “Passado cerca de um ano desde que tomamos conhecimento desses relatos, não temos mais recebido reclamações. Este fato nos leva a crer que o mercado adaptou-se e vem adotando procedimentos adequados para trabalhar com o produto”, finaliza.