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O fim das primeiras usinas de biodiesel do Brasil


Edição de Dez 2011 / Jan 2012 - 15 dez 2011 - 15:15 - Última atualização em: 11 mar 2012 - 22:02
Das oito primeiras usinas de biodiesel abertas no país, só uma continua no negócio. Todas as outras fecharam as portas ou mudaram seu foco. BiodieselBR foi atrás de uma explicação para esse quadro

Juliana Tavares, de São Paulo

Prefiro não tratar do assunto.” Variações desta frase surgiram em praticamente todas as tentativas de entrevista com as fontes originalmente planejadas para esta reportagem sobre o destino das usinas de biodiesel pioneiras do Brasil. Isso as que puderam ser localizadas; algumas parecem ter saído completamente de cena. A atitude sinaliza algum grau de constrangimento e evidencia que algo havia debaixo do tapete que merecia ser analisado.

O sonho do biocombustível, que teve no ex-presidente Lula seu principal porta-voz, foi uma das forças motrizes que impulsionaram empreendedores de todo o país a acreditarem no programa. A sanção da lei 11.097, em janeiro de 2005, implementando o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), parecia trazer não só uma excelente oportunidade de negócios, mas um projeto de país embutido. Caberia ao PNPB incentivar a agricultura familiar, gerar empregos e colocar o Brasil no topo do ranking dos produtores de combustíveis alternativos. Quem chegasse primeiro neste filão, certamente levaria os louros do pioneirismo. A maioria dos objetivos estabelecidos pelo governo foram atingidos, mas para alguns empresários o biodiesel não passou de uma história triste.

Das primeiras usinas abertas no Brasil – Soyminas, Agropalma, Biolix, Brasil Ecodiesel do Piauí, Fertibom, Renobras, Nutec e Granol de São Paulo –, apenas a Fertibom continua operando normalmente. Granol e Ecodiesel (agora Vanguarda Agro) continuam no mercado de biodiesel, mas não operando a partir de suas fábricas originais. Já a usina da Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec), embora faça parte do grupo das primeiras, não tinha exatamente ambições comerciais.

O quadro é impactante. Das oito primeiras usinas de biodiesel autorizadas pela ANP, sete não estão mais em operação. Elas acabaram naufragando no mar de adversidades que encontraram nos primeiros anos do programa. Salvo poucas exceções, os motivos parecem se concentrar em três pilares: falta de avanços na regionalização da produção do biodiesel, pouca diversificação da matéria-prima e ausência de inclusão social. O que foi problema para algumas, favoreceu as usinas de biodiesel que estavam verticalizadas na soja – hoje principal matéria-prima do biodiesel brasileiro e uma das razões para o alto custo do produto para o consumidor final. Agora é evidente que a verticalização traz muitas vantagens competitivas, mas no início do PNPB isso não era uma certeza. Tanto que tradicionais empresas do ramo da soja começaram a entrar no mercado de biodiesel há pouco tempo.

A Soyminas foi a primeira usina brasileira a operar comercialmente e também uma das primeiras a solicitar à Agência Nacional do Petróleo (ANP) o cancelamento de sua autorização. A empresa, com capacidade produtiva de apenas 14,4 milhões de litros ao ano e localizada no município de Cássia (MG), investiu R$ 1,5 milhão em uma unidade de extração de óleo vegetal. Ela deveria utilizar, principalmente, soja e girassol. Procurado pela equipe de BiodieselBR, o proprietário da Soyminas, o engenheiro Artur Augusto Alves, recusou-se a dar qualquer declaração sobre o encerramento das atividades no setor de biodiesel. “Se eu pudesse apagar esse episódio da minha história, assim o faria”, limitou-se a dizer.

Boca no trombone

Em outubro deste ano, a ANP divulgou o cancelamento da autorização da Biolix, de Rolândia (PR), cuja capacidade instalada era de 10,8 milhões de litros. A medida chancelou a saída da empresa do mercado. Revoltado com a situação, o proprietário da Biolix, o português António dos Reis Felix, não pensou duas vezes e partiu para a ofensiva quando a equipe de BiodieselBR entrou em contato, solicitando uma entrevista. “A decisão da ANP foi arbitrária e questionável”, atacou.

A usina se encontrava de portas fechadas desde 2007 e por isso não se preocupou em atender as adequações que a ANP impôs para que mantivesse a autorização. “Não o fiz porque a ANP não determinou um prazo limite para que isso acontecesse. E, apesar da documentação estar toda em dia, o cancelamento aconteceu sem que me fosse dito quais exigências da agência não foram cumpridas”, disse Félix. Apesar da revolta, oficialmente a Biolix já não produzia biodiesel há muito tempo.

Além do constrangimento, Félix deixou claro o seu total desapontamento com os rumos que o PNPB tomou desde que foi implementado pelo governo federal. A empresa foi a terceira do país a ser autorizada a exercer a atividade de fabricação de biodiesel. “Entramos no setor quando percebemos os primeiros sinais de que a indústria do petróleo estava com seus dias contados”, recordou Felix. “A possibilidade de se desenvolver alternativas ao combustível representava uma oportunidade única no mundo.”

Os problemas começaram a aparecer, segundo Félix, quando as propostas idealizadas pelos primeiros produtores passaram a se chocar com a política posta em ação pelo governo federal. De acordo com o proprietário da Biolix, o que parecia o primeiro passo rumo a uma realidade transformadora para os diversos agentes envolvidos se converteu numa festa exclusiva para as grandes produtoras.

Felix informou que tão logo se passou a falar de biodiesel no Brasil pensava-se muito na formação de arranjos produtivos locais, em que uma multidão de pequenas usinas espalhadas pelos municípios do interior daria segurança energética e incentivaria o plantio de oleaginosas entre os pequenos produtores locais – a extração dos óleos e produção de farelo destinado ao gado também lhes traria independência econômica. “Um cenário fantástico e necessário para um país com diferenças sociais gritantes como o Brasil. Mas, apesar disso, preferiu-se continuar investindo na soja”, afirmou. De acordo com Félix, a entrada da Petrobras na disputa desestabilizou as pequenas e determinou o fim da Biolix.

Talvez os argumentos do empresário carreguem uma dose de ingenuidade, mas revelam o desgosto de quem investiu parte da vida num sonho que não vingou. “A estatal chegou atropelando todo mundo. Não tivemos nenhum incentivo extra pelo pioneirismo. Em contrapartida, a Petrobras foi a única empresa autorizada a comprar biodiesel das fábricas e a vendê-lo a qualquer preço. Essa vantagem não levou em conta que as pequenas usinas ainda tentavam recuperar seus investimentos com a venda do produto. Foi o princípio do fim”, revelou.

E, embora o governo tenha oferecido vantagens fiscais para incentivar a produção de biodiesel feito de mamona no Nordeste, dados do próprio Ministério de Minas e Energia (MME) mostram que a medida não foi suficiente. “A medida não adiantou para o Semiárido e detonou as possibilidades dos usineiros da região Sudeste e Sul”, afirmou Félix. “O PNPB foi, para mim, como um sacerdócio cujos sacrifícios exigidos foram maiores que as minhas possibilidades de suportá-los”, lamentou o empresário.

Outro lado da moeda

O desabafo do proprietário da Biolix talvez resuma as experiências vividas por outras empresas que chegaram ao setor em seus primeiros dias (veja box). Alguns dos aspectos apontados por Félix foram, inclusive, levantados por outros pioneiros do setor que preferiram se manter anônimos nesta reportagem. O governo, porém, rebate as críticas sem clemência. “Sem dúvida que melhorias são necessárias, mas algumas dessas críticas ao PNPB são descabidas”, afirmou o diretor de energias renováveis do MME, Ricardo Dornelles.

No caso do predomínio da soja na produção do biodiesel, o sistema de comercialização oferece lucros às vezes até 400% superiores para as usinas que estejam mais perto da originação do grão, arrastando o mercado e deixando o combustível mais caro.

Para esta reportagem, Dornelles explicou ainda que a soja tem 30 anos de tecnologia e desenvolvimento aplicados, inclusive em matéria de biodiesel, vantagem competitiva que coloca as outras culturas muito aquém das necessidades. “Para melhorar e otimizar o PNPB, é preciso consolidar a participação da agricultura familiar de modo a conferir-lhe maior competitividade por meio de incentivos tributários”, disse.

Dados disponíveis no site do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) informam que nesses últimos anos foram incluídas pouco mais de 100 mil famílias no PNPB, totalizando cerca de R$ 2 bilhões em aquisições de matéria-prima entre os anos de 2005 a 2010. Estimativas da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), apresentadas durante a Conferência BiodieselBR 2011, revelam que a introdução do B20 (a mistura de 20% de biodiesel ao diesel comum) poderia fazer com que o número de agricultores familiares beneficiados pelo PNPB subisse para 500 mil famílias, além de aumentar o índice de empregos gerados pela indústria, que subiria dos atuais 1,3 milhão para 4,7 milhões em 2020.

Para o diretor do MME, nem os critérios da ANP nem a entrada da Petrobras seriam entraves para a sobrevivência das primeiras usinas no mercado. “A estatal não possui nenhum benefício que a coloque em vantagem em relação às outras concorrentes. E a ANP é quem decide a quantidade e o preço [limite] pelo qual a Petrobras deverá adquirir o biodiesel de cada empresa”, afirmou em resposta às críticas.

Dornelles também afirmou que o governo pretende incentivar a diversificação das matérias-primas para diminuir as diferenças regionais previstas no programa. “Mas isso acontecerá devagar e paulatinamente. Afinal, nada muda da noite para o dia.”

Resta aguardar que tais ajustes ao programa não demorem a acontecer, sob o risco de jogar por terra o sonho de outras empresas – e a própria evolução do PNPB.

Firme e forte?

Uma série de empresas pioneiras do setor – quase todas consideradas de pequeno porte – desistiram do biodiesel ou transferiram o foco do negócio para outras atividades.

A Agropalma, considerada a segunda a entrar no ramo, embora continue oficialmente autorizada a produzir biodiesel, já não tem o menor interesse na atividade. O biodiesel, de uma forma ou de outra, era apenas uma nota de rodapé para a companhia, cujo core business sempre foi o plantio e produção de óleo de palma.

A antiga Brasil Ecodiesel, atual Vanguarda Agro – holding que reúne três empresas: Maeda Agroindustrial, Vanguarda e Brasil Ecodiesel –, anunciou no começo deste ano que a participação do biodiesel em seu faturamento, que já foi de 100%, caiu para 40%, passando a representar apenas 6% de rentabilidade. A empresa parece estar se afastando ativamente do segmento para perseguir outras oportunidades no setor de agronegócios. O motivo seria a falta de um marco regulatório do biodiesel que permita acréscimos maiores ao diesel mineral.

Embora tenha sido a empresa que mais forneceu biodiesel em 2010, a Granol divulgou nota à imprensa dizendo que está difícil operar no mercado com tanta ociosidade e níveis de preços tão baixos. O setor está praticamente sem margem, motivo que fez a empresa reavaliar projetos de expansão em São Paulo e no Tocantins. A ironia é que o seu biodiesel é produzido a partir da soja, o único óleo vegetal com escala (volume e custo) para atender à necessidade da produção industrial do biodiesel e responsável por, supostamente, dificultar a permanência das demais empresas no setor. Além disso, a grande diferença de deságio entre os lotes nos leilões de biodiesel indica que as usinas com o Selo Combustível Social vendem o seu produto com uma margem muito boa.

Uma das únicas, dentre as pioneiras, que opera normalmente, a Fertibom, poderia dar um panorama isento de como conseguiu driblar os obstáculos nos primeiros anos do setor. Mas, procurada pela reportagem, não retornou a solicitação de entrevista dentro do prazo de fechamento desta edição.