PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
012

Programa nacional de produção de biodiesel


BiodieselBR.com - 28 out 2007 - 07:31 - Última atualização em: 19 dez 2011 - 17:42
Por Thomas Pierre Brieu, Sócio-agro-economista, Mestre em Energia pelo IEE-USP ([email protected]) e Profª Drª Virginia Parente

Entre os diversos países que desenvolvem programas de produção e uso de biodiesel, à primeira vista o Brasil parece ser aquele que apresenta o maior potencial de sucesso. Algumas perspectivas já antecipam o Brasil como o primeiro produtor mundial de biodiesel a partir de 2015.[4] Entretanto, um balanço prévio do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), realizado no fim de 2008 com base na avaliação das principais metas apresentadas pelo governo no seu lançamento, em 2004, mostra que elas foram cumpridas apenas parcialmente. Além disso, parece que, diferentemente do caso do etanol, não há perspectivas de que o biodiesel seja naturalmente competitivo com o diesel em curto e médio prazos. Já que o sobrecusto da produção de biodiesel em relação ao diesel vai perdurar, é fundamental que as metas e benefícios oriundos da produção e do consumo do biodiesel compensem o custo que o mesmo tem para a sociedade.

1. Por que o preço do óleo vegetal nunca será inferior ao preço do petróleo
Sempre que o preço do óleo vegetal, principal matériaprima do biodiesel, fica abaixo de um nível que permita a produção de biodiesel a um preço competitivo com o diesel de petróleo, a demanda “técnica” mundial para o biodiesel é teoricamente equivalente ao volume de consumo anual de diesel, ou seja, aproximadamente 1 bilhão de toneladas.[11] Dessa forma, sempre que existirem volumes importantes de óleo vegetal a um preço que permita fazer um biodiesel competitivo, essas quantidades serão imediatamente sugadas pela indústria petrolífera e de biocombustíveis, independentemente de qualquer política de quotas de incorporação.

No entanto, a oferta mundial de óleos vegetais é sete a oito vezes inferior ao mercado mundial de diesel, e mais de 90% dela já é dedicada para a alimentação humana e para a industria oleoquimica.[6] A oferta de óleos vegetais é estruturalmente limitada por fatores agronômicos e pela disponibilidade de terras, o que impede que o ajuste dos mercados aconteça pelo aumento dos volumes ofertados em curto e médio prazos. E quando o ajuste entre a oferta e a demanda não pode ocorrer pelas quantidades, ele acontece pelo ajuste dos preços. Conseqüentemente, o preço do óleo vegetal sempre voltará a subir e se igualar ou ultrapassar o preço do diesel mineral.

Poder-se-ia argumentar, contrariamente a este raciocínio, que a capacidade de produção de biodiesel chegaria rapidamente ao seu limite, e dessa forma limitaria a demanda por óleos vegetais para biodiesel. Porém, esse argumento não leva em consideração, por um lado, a existência de uma taxa de ociosidade superior a 50% da indústria mundial de produção de biodiesel[4], e por outro, a imensa capacidade das refinarias de petróleo para processar óleo vegetal nas suas unidades de hidrotratamento. No Brasil, esta tecnologia é chamada H-bio. Conclui-se que o fator limitante não é a capacidade industrial, mas a disponibilidade de matéria-prima a um custo competitivo.

Chega-se então à conclusão interessante de que o preço do óleo vegetal não será de forma durável inferior ao preço do óleo diesel mineral em médio prazo. A figura 1 mostra claramente esta hipótese de interconexão entre o custo do diesel e o valor do óleo de soja no Brasil. Notase uma inflexão na curva precisamente quando iniciou a produção efetiva de biodiesel de forma voluntária no Brasil, no começo de 2007.

Este fato implica em algumas conseqüências importantes. Como a tendência natural do preço do óleo vegetal é que no mínimo ele tenda ao preço do diesel mineral, qualquer programa de produção de biodiesel não pode ser economicamente sustentável sem subsídios, isenções fiscais e/ ou repasse do sobrecusto para o consumidor final. Assim, a produção de biodiesel tem um sobrecusto para a sociedade, diferentemente do que aconteceu com o etanol no Brasil, que após alguns anos de aprendizagem consegue agora justificar-se pela sua competitividade econômica natural com a gasolina. Outra conseqüência é que as margens da indústria de biodiesel dependem em primeiro lugar das políticas públicas de incorporação e subsídios. Enfim, esta situação aponta para o fato que as margens do “negócio” biodiesel residem na produção de óleos vegetais e não na parte industrial de transformação desta matéria-prima em combustível. Isso cria estímulos para a entrada de empreendedores na área de produção de óleos vegetais, particularmente para as empresas petrolíferas que precisam fazer um hedge dos seus negócios de biocombustíveis.

2. Balanço do PNPB
Apesar de o PNPB estar ainda no início de sua curva de aprendizagem, é feito a seguir um balanço de algumas das principais justificativas sociais, econômicas e ambientais que acompanharam seu lançamento em 2004.


Sobre a inclusão social
O PNPB foi concebido com o objetivo central de incentivar a agricultura familiar através um sistema de benefícios fiscais condicionados à obtenção do Selo de Combustível Social. De acordo com o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE), eram esperados 260 mil empregos diretos e ainda mais indiretos.[8]

A produção das 29 usinas detentoras do selo representou 99% do total da produção de 2008.[3] O selo somente é concedido para os produtores de biodiesel que comprem matéria-prima da agricultura familiar em percentual mínimo de 50% nas regiões Nordeste e Semi-Árido, 10% nas regiões Norte e Centro-Oeste e 30% nas regiões Sudeste e Sul. Se forem aplicadas estas porcentagens sobre a produção das empresas detentoras do selo, chega-se à conclusão de que os volumes mínimos oriundos da agricultura familiar representam 23% do total produzido em 2008.

Considerando as 97 mil famílias participantes do programa anunciadas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA)[7], este volume representa um volume médio por família de 179 litros por mês. Levando-se em conta que a margem de lucro por litro é inferior a R$0,50/litro, conclui-se que o PNPB não contribui de maneira significativa no aumento de renda da agricultura familiar, já que representa menos de um quarto de salário mínimo por família e por mês.

Outra maneira de avaliar a promoção da inclusão social é analisar a participação das oleaginosas que promovem a agricultura familiar, como a mamona e o dendê. A tabela 1 mostra a participação de cada oleaginosa na produção de biodiesel, de acordo com o Ministério das Minas e Energia (MME) e a ANP.

Entre as matérias-primas utilizadas, a soja chega na primeira posição, com 79,4% de participação na produção de biodiesel e 97,4% entre os óleos vegetais, seguida pelo sebo bovino, com 18,5% de participação, única matériaprima de origem animal. O algodão segue na terceira posição, com 1,85%. O dendê, que tem maior foco social, participa com menos de 0,2% e o girassol nem aparece. A mamona não tem participação significativa. As expectativas de participação do dendê e da mamona, que de acordo com o NAE[6] eram de 9 e 15%, respectivamente, não se concretizaram. O que surpreende é a forte penetração do sebo bovino, particularmente no Sudeste, por falta de outra matéria-prima competitiva. Conclui-se que a participação insignificante das matérias-primas que promovem a inclusão familiar indica que a meta de inclusão social não foi atingida até fins de 2008.

Sobre a substituição das importações de diesel
Apesar de o Brasil ser auto-suficiente na produção de petróleo, devido às características do seu parque de refino, ainda é necessário importar diesel para atender a demanda interna. Neste contexto, a substituição das importações se justifica para melhorar o saldo da balança comercial.

Entretanto, a redução das importações de diesel está acompanhada paralelamente por uma redução das exportações de óleos vegetais que são utilizados na produção do biodiesel. Para conhecer o real impacto do programa de biodiesel brasileiro na balança comercial é preciso analisar o impacto positivo devido à redução das importações de diesel e o impacto negativo devido à redução das exportações de óleo de soja. Para tal, foi considerada a premissa simplificada de que a cada litro de biodiesel produzido foi evitada a importação de um litro de diesel e um litro de óleo de soja deixou de ser exportado. A partir disso, o valor médio mensal em 2008 de cada um dos produtos foi multiplicado pelo volume de produção de biodiesel naquele ano. Devido ao fato de que as cotações do óleo diesel importado eram inferiores às do óleo vegetal exportado, a redução de importações de diesel e a conseqüente diminuição das exportações de óleo de soja representaram um prejuízo aproximado de R$ 280 milhões na balança comercial em 2008 (cruzamento dos dados disponibilizados pela Associação dos Exportadores de Cereais (Anec) e pela ANP[2,3]). Conclui-se que a substituição das importações de diesel não constitui uma justificativa para o PNPB do ponto de vista da balança comercial.

Sobre a vocação exportadora do biodiesel brasileiro
A possibilidade de se exportar o biodiesel brasileiro constitui uma oportunidade para o país transferir os custos do programa de produção de biodiesel do consumidor brasileiro para os consumidores dos países importadores. No entanto, apesar dos possíveis déficits de produção de biodiesel que os países europeus possam vir a enfrentar para atingir a meta de incorporação de 5,75% em 2010, tudo indica que tais países não estariam dispostos a importar biodiesel para atingir uma meta de incorporação que é indicativa, e não obrigatória. Se, todavia, a meta prevalecer, a União Européia provavelmente preferirá/ importar óleo vegetal e não biodiesel, de forma a diminuir a taxa de ociosidade de suas indústrias do setor. Até fins de 2008, as barreiras às exportações de biodiesel permaneciam muito fortes, e não existiu nos quatro primeiros anos de vida do PNPB nenhum resultado concreto no sentido de ter exportações de biodiesel em volume significativo.

Sobre os investimentos privados em capacidade produtiva
Os objetivos de alavancar os investimentos privados e implementar uma capacidade instalada nacional foram atingidos e até ultrapassam a real necessidade do país. Porém, do ponto de vista do investidor privado, não houve os retornos mínimos esperados. Como prova disso, a taxa de ocupação está abaixo dos 40%, um valor muito baixo que indica ociosidade acima dos níveis economicamente aceitáveis.[3] Sobre as emissões de gases de efeito de estufa O biodiesel contribui para a redução do efeito estufa porque sua principal matéria-prima é originada através da fotossíntese, que captura o CO2 existente na atmosfera. Esta questão é particularmente sensível no caso do biodiesel de soja, que representa aproximadamente 80% do total produzido. Segundo levantamento feito por Gazzoni e outros[5], publicado no site oficial do governo, este biocombustível apresenta um balanço energético de 1,57:1, ou seja, para cada unidade de energia fóssil investida, é recuperada 1,57 unidade de energia renovável na forma de óleo vegetal. Este valor é muito fraco em relação ao etanol de cana-de-açúcar ou o biodiesel de dendê, pois ambos conseguem mais de oito unidades de energia renovável para cada unidade de energia fóssil consumida.

Por outro lado, se o objetivo da política pública for a redução de emissões de gás de efeito estufa, existe um leque de opções bem mais eficientes do que a produção de biodiesel.[9] Por exemplo, agindo no manejo agropecuário, na redução do desmatamento, promovendo o etanol de cana-de-açúcar ou ainda procurando reduzir o consumo nacional de diesel pelo desenvolvimento do transporte multimodal, como as ferrovias e a navegação marítima e fluvial.


Conclusão
Em síntese, é possível concluir que o PNPB, por estar em seus primeiros anos de vida, vem enfrentando altos e baixos como qualquer outro programa que se encontra no início da sua curva de aprendizagem. Mesmo que se tenham passado quatro anos de seu lançamento, os benefícios esperados ainda não se concretizaram. Em particular porque não houve uma participação significativa das oleaginosas alternativas à soja que apresentam externalidades positivas social e ambientalmente. Até o momento, o biodiesel brasileiro é um co-produto da indústria da carne, pois 98% da sua matéria-prima é oriunda da soja – cuja produção é definida pela demanda mundial de ração protéica animal – ou do sebo dos frigoríficos. Entretanto, a contribuição da soja está no fato de ela representar o pontapé inicial necessário para que um programa de biocombustível dessa magnitude possa ganhar escala e atingir novos patamares, além de permitir a criação de maior valor agregado associado a um agroproduto brasileiro, em vez de exportá-lo na forma de grão.

Diferentemente do Proálcool, pelo que foi analisado, não se pode esperar que o PNPB se torne economicamente autônomo sem apoio público. Pelo contrário, a tendência é que com o cultivo de novas oleaginosas alternativas à soja com um balanço positivo de externalidades para a sociedade brasileira, passará a fazer sentido pagar mais pelo biodiesel do que pelo diesel.


Envie seu artigo
A Revista BiodieselBR dedica este espaço para publicação de artigos técnicos. A seção é coordenada pelos professores Donato A. G. Aranda e Paulo A. Z. Suarez, que selecionam e referendam artigos técnicos enviados a partir de convites ou de forma espontânea por pesquisadores e técnicos ligados ao setor de biodiesel. Serão selecionados textos com até 10 mil caracteres, que abordem aspectos de interesse da comunidade de biodiesel: produção, extração e purificação de óleos e gorduras; produção, purificação, análise, armazenamento e uso de biodiesel; aspectos sociais, políticos e econômicos relacionados à produção e uso deste biocombustível. Os textos podem descrever resultados novos de pesquisa bem como revisar assuntos publicados em outros veículos.
Os artigos técnicos devem ser encaminhados para o e-mail [email protected]


Referências Bibliográficas Citadas
[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE ÓLEOS VEGETAIS (ABIOVE) (2009). Complexo soja – Evolução das Cotações Médias. Disponível em: . Acesso em 01 de maio de 2009.
[2] ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EXPORTADORES DE CEREAIS (ANEC) (2009). Produção obtida - soja em grãos. Disponível em: . Acesso em 02 de abril de 2009.
[3] AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (ANP) (2009). Anuário estatístico. Disponível em: . Acesso em: 01 de maio de 2009.
[4] BIODIESEL 2020 (2008). Global market survey, feedstock trends and forecasts. Emerging Markets Online. Multi-client study, 2nd edition (2008 release), 685 p. Disponível em: . Acesso em: 16 de abril de 2009.
[5] GAZZONI, D. L. ; FELICI, H.N.P. ; CORONATO, R.M.S. (2006). Balanço energético das culturas de soja e girassol para produção de biodiesel. Disponível em: . Acesso em: 20 de março de 2009.
[6] MALAYSIAN PALM OIL BOARD (MPOB) (2008). Malaysian Palm Oil Statistics 2007 - World Oil & Fats. Economics & Industry Development Division. Disponível em: http://econ.mpob.gov.my/economy/annual/stat2007/ EID_statistics07.htm. Acesso em: 13 de abril de 2008.
[7] MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA) (2008). Biodiesel beneficia agricultura familiar. Comunicado do MDA. Disponível em: Acesso em 24 de abril de 2009
[8] NÚCLEO DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (NAE) (2004). Cadernos NAE nº 2, julho de 2004. Brasília: NAE/Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica.
[9] PRÉVOT, H ; HESPEL, V. ; DUPRÉ, J. Y. ; BARATIN, F. ; GAGEY, D. (2005). L’optimisation du dispositif de soutien à la filière biocarburants. République Française, 20 set. 2005.
[10] PROGRAMA NACINAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL (PNPB) (2004) Biodiesel – O novo combustível do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 13 de abril de 2008.
[11] BRITISH PETROLEUM (BP) (2008). BP statistical review of world energy. Disponível em Acesso em: 19 de março de 2009.
Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo IEE-USP Avenida Professor Luciano Gualberto, 1289 - Cidade Universitária | CEP 05508-010 - Butantã - São Paulo SP | Trabalho completo disponível no: http://www.iee.usp.br/biblioteca/producao/2009/teses2009.htm