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Proálcool: Lição de vida


Edição de Abr / Mai 2008 - 15 abr 2008 - 16:43 - Última atualização em: 13 dez 2012 - 16:59
Em mais de 30 anos, o Proálcool já alcançou o sucesso e o fracasso. Agora ele está no auge e traz algumas lições para o Programa Nacional de Biodiesel. Apesar do bom momento da economia do país, a pouca resistência da indústria automobilística e o interesse do mercado por energia renovável, o PNPB ainda precisa resolver o problema de sua matriz energética.

Alice Duarte, de Curitiba

1975. Nascia o Proálcool com a grande ambição de diminuir a dependência energética do país. Vieram as turbulências econômicas externas, com grandes oscilações no preço do barril de petróleo, o fim dos subsídios do governo e o grande descompasso entre produção e demanda. Hoje, já sem a tutela do Estado, o programa atingiu sua maturidade política, econômica e tecnológica e consegue caminhar com as próprias pernas. O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), com apenas três anos e meio de vida, pode tirar algumas lições disso. Os subsídios do governo sustentaram o Proálcool por um bom tempo, que teve na cana-deaçúcar sua principal matriz energética. O excesso de proteção do estado retardou o desenvolvimento da autonomia do programa, que baqueou ao enfrentar o mercado internacional. No caso do PNPB, o governo busca evitar o que já aconteceu com o Proálcool, quando houve concentração de renda e terras, incentivando a agricultura familiar e regulando a comercialização através de leilões da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

A falta de definição em relação à melhor matriz energética para o biodiesel, ao contrário do que aconteceu com o Proálcool, tem comprometido seriamente o programa e, com isso, a partir deste ano os problemas tendem a aumentar, com a obrigatoriedade do uso de 3% de biodiesel no diesel de petróleo. Na ausência de tecnologia e pesquisas para uma produção de larga escala de outras oleaginosas, a soja tem sido utilizada como principal matéria-prima, contrariando os princípios sociais do programa e pressionando a alta de alimentos.

Para Manoel Régis Leal, pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE) da Unicamp e diretor de P&D do Centro de Energias Alternativas e Meio Ambiente (CENEA), é preciso mais que boas intenções para fazer um programa do porte do biodiesel deslanchar. “O lado agronômico da cadeia produtiva foi negligenciado no início e a conta está vindo agora. Creio que serão necessários uns dez anos de desenvolvimento tecnológico para acertar esta questão”, analisa.

Ao lançar o PNPB, em dezembro de 2004, o governo federal apoiou-se na crescente demanda por combustíveis de fontes renováveis e no potencial brasileiro de produção, pelas suas condições favoráveis de solo e clima. A lógica do governo era usar esse potencial para gerar empregos e renda na agricultura familiar, além de contribuir para o meio ambiente e a economia de divisas com a importação de petróleo e óleo diesel. Diferente da conjuntura econômica da consolidação do Proálcool, o governo tem a seu favor o bom momento da economia do país (que reflete no aumento da demanda de combustíveis), a pouca resistência da indústria automobilística em adotar a nova matriz energética e o interesse do mercado de energia por fontes renováveis, para escapar da dependência do petróleo.

Hoje, de acordo com o governo federal, 10% do diesel de petróleo consumido no Brasil é importado. O combustível, utilizado principalmente no transporte de passageiros e de cargas, é o mais utilizado no país, com comercialização anual na ordem de 41,5 bilhões de litros, o que corresponde a 57,7% do consumo nacional de combustíveis veiculares. Em 2007, o país reduziu suas necessidades de importação de diesel em 9%.

O governo ainda tenta solucionar problemas e encontrar meios de alcançar a sustentabilidade ambiental, econômica, social e tecnológica do biodiesel.

Mercado crescente

A mistura B2, ou seja, 2% de biodiesel e 98% de diesel de petróleo é obrigatória em todo território nacional desde janeiro de 2008 (Lei nº 11.097/2005), e em julho serão 3%. Com isso a estratégia é estimular o desenvolvimento da cadeia produtiva de biodiesel no país. Há possibilidade também de empregar percentuais de mistura mais elevados e até mesmo o biodiesel puro (B100), mediante autorização da ANP. Segundo Manoel Régis Leal, da Unicamp, testes têm demonstrado que misturas com até 20% de biodiesel funcionam adequadamente nos motores.

“A mistura B2 é uma estratégia do governo para estimular a formação e a estruturação do mercado, como também diminuir a dependência do uso e importação de diesel no Brasil”, diz Sérgio Alves Torquato, pesquisador científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA).

O governo ainda não pode estabelecer o uso do B100, pois, na avaliação de Torquato, não há estrutura agrícola no país. “Pela atual capacidade produtiva, a soja seria usada como matéria-prima. Haveria competição entre alimento e energia, sendo a soja cotada internacionalmente como commodity, iria contribuir muito para elevação dos preços dos alimentos”, diz. Com a entrada gradual de outras oleaginosas, segundo ele, a pressão tende a diminuir.

Planta ideal

Enquanto a cana-de-açúcar tem reconhecimento mundial como a melhor fonte para a produção de etanol, a escolha da melhor alternativa de matéria-prima para o biodiesel ainda está engatinhando. E esta talvez seja a grande diferença entre o Proálcool e o PNPB. Enquanto no primeiro havia uma matriz energética bem definida, no segundo as opções são diversas e diferentes para cada região do país. Isso traz vantagens e desvantagens para o PNPB. No Brasil, já tentaram definir a mamona como a opção nacional para biodiesel, mas não deu certo.

Para Silene Maria de Freitas, pesquisadora científica do IEA, toda e qualquer oleaginosa cujo preço não seja formado no mercado internacional e que não concorra com o mercado alimentício é uma boa matéria-prima para o biodiesel.

Apesar de se falar muito na eliminação das importações de petróleo e derivados, a grande motivação do governo Lula com o programa, na análise de Manoel Régis Leal, da Unicamp, parece ser a inclusão social através da agricultura familiar. “A melhor matéria-prima seria, então, aquela que se adaptasse melhor à agricultura familiar e ao clima das regiões mais pobres (semi-árido). Sob esse ponto de vista, a mamona, o pinhão-manso e o girassol parecem ser as melhores opções, e a soja a pior delas. Porém, não existe desenvolvimento tecnológico da fase agrícola que viabilize estas opções”, diz o pesquisador. Segundo ele, faltam variedades adequadas, sementes selecionadas, tecnologia dos tratos culturais e treinamento dos agricultores.

O caminho do Proálcool

Foi necessário o impacto do embargo na distribuição mundial do petróleo, em 1973, para que o mundo se voltasse para a pesquisa tecnológica de energia renovável.

O Programa Nacional do Álcool, criado em 1975, foi concebido, assim como o PNPB, para diminuir a dependência externa de importações de petróleo, então com um grande peso na balança comercial externa. O programa evitou uma importação de aproximadamente 550 milhões de barris de petróleo, resultando numa economia de divisas da ordem de US$ 11,5 bilhões.

Na metade da década de 70, as empresas automobilísticas multinacionais se recusaram a adotar um motor projetado para o álcool. Já o PNPB não enfrentou esse problema, pois o motor de ciclo diesel não necessitou de grandes modificações para trabalhar com o biodiesel.

No início, para viabilizar o álcool como combustível, foi estabelecida a concessão de subsídios a partir de parcelas dos preços da gasolina, diesel e lubrificantes. Depois, uma relação de paridade de preços entre o álcool e o açúcar para o produtor, e incentivos de financiamento para as fases agrícola e industrial de produção. Com o advento do veículo a álcool hidratado, a partir de 1979 adotou-se políticas de preços relativos entre o álcool hidratado combustível e a gasolina nos postos de revenda, para estimular o uso do combustível renovável.

No seu início, o Proálcool ganhou impulso quando o preço dobarril de petróleo triplicou, atingindo US$ 36 em 1980, na segunda crise do petróleo, após a Revolução Islâmica no Irã. Em valores corrigidos, isso equivale hoje a US$ 90. Isso estimulou a produção de álcool, que de 1986 para 1987 atingiu um pico de 12,3 bilhões de litros. A proporção de carros a álcool no total de veículos produzidos no país foi de 0,46%, em 1979, para um teto de 76,1% em 1986.

O maior golpe no Proálcool foi sentido a partir de 1988. Os preços do barril de petróleo tinham baixado de cerca de US$ 35 para um nível de US$ 15. Com isso, baixaram os preços pagos aos produtores de álcool, coincidindo ainda com a escassez de recursos públicos para subsidiar o programa, devido às reiteradas crises financeiras. O que se viu depois disso foi que a oferta de álcool não pôde acompanhar o crescimento descompassado da demanda, com as vendas de carro a álcool atingindo níveis superiores a 95,8% do volume total de veículos. Veio então a primeira crise de abastecimento, na entressafra 1989-90, afetando a credibilidade do programa e derrubando as compras de veículos a álcool. Somado a isso, no início da década de 1990 houve a liberação das importações de veículos (produzidos exclusivamente nas versões gasolina e diesel), o que refreou a demanda por álcool no país.

Mais de trinta anos depois do início do Proálcool, o país vive agora um novo momento de expansão dos canaviais. O plantio avança além das áreas tradicionais (no interior paulista e do Nordeste) e espalha-se pelos cerrados. A nova escalada não é mais um movimento tutelado pelo governo, como foi no final da década de 70. Agora a expansão é protagonizada pelo mercado, que vê o enorme potencial do álcool como combustível no Brasil e no mundo. Também pudera. A tecnologia dos motores flex fuel (gasolina e álcool), introduzida no país em 2003, conquistou rapidamente o consumidor, incrementando o consumo interno de álcool. Um estudo da União da Indústria de Cana-de-acúcar (Unica) aponta que o setor terá que atender até 2010 uma demanda adicional de dez bilhões de litros de álcool, além de sete milhões de toneladas de açúcar. A produção desta safra deve ser de 20,8 bilhões de litros de álcool. A expansão estimada dos canaviais é de 2,5 milhões de hectares até 2010.

Commodities

A produção de álcool etanol ainda está restrita a poucos países produtores, com destaque para o Brasil, Estados Unidos e China. Com a ampliação da produção para outros países, será inevitável a transformação do etanol em commodity. “Há aspectos positivos, como a ampliação do mercado, mas tam-bém o lado negativo está nas políticas do setor, que serão controladas por grupos externos que operam as bolsas de valores, favorecendo seus interesses”, avalia o engenheiro e físico Bautista Vidal - mentor do Proálcool durante o governo Geisel. Segundo ele, transformar também o biodiesel em commodity é uma questão de tempo e do aumento das dimensões de produção.

De acordo com Régis Leal, no início do Proálcool a produtividade do álcool era de dois mil litros por hectare, e hoje é de mais de seis mil. Na época, a cultura da cana era relativamente bem desenvolvida e o Brasil era um dos maiores produtores do mundo. “O Proálcool poderia ser uma grande escola para o biodiesel, mas não está sendo. Um dos grandes erros do Proálcool foi se apoiar em subsídios por muito tempo. A competição direta ajuda a melhorar a tecnologia. O grande segredo do Proálcool foi o grande desenvolvimento tecnológico na parte agrícola, e no caso do biodiesel isto está sendo esquecido”, diz.

Bautista Vidal atribui o sucesso do Proálcool ao longo dos últimos anos à excelente tecnologia, larga experiência produtiva e condições climáticas favoráveis. Fatores que juntos elevaram a produtividade e reduziram custos. O resultado disso reflete num custo final do álcool menor que o da gasolina. Enquanto a Petrobras tem um custo aproximado de R$ 1,10 por litro de gasolina, os usineiros produzem um litro de álcool pela metade deste valor.

Exclusão social

Para Torquato, do IEA, o Proálcool foi um sucesso – apesar das dificuldades no início, como ocorre com o programa do biodiesel. Para ele, isso se deve a alguns acertos: subsídios governamentais no início e investimentos privados e públicos em pesquisa. “Mas o programa [do álcool] errou ao dar subsídios de forma não racional. Além disso, houve concentração de renda e de terras, formação de monocultura e uma dificuldade de manutenção de pequenas propriedades produtoras”, analisa.

O PNPB espera corrigir este problema através do Selo Combustível Social, que é dado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) aos produtores habilitados por lei a operar e comercializar o biodiesel. Entre os requisitos, o produtor precisa comprar a matéria- prima de agricultores familiares, sendo 10% das regiões Norte e Centro-Oeste; 30% das regiões Sul e Sudeste e 50% do Nordeste e do Semi-Árido. Com o selo, o usineiro consegue redução total ou parcial dos tributos federais incidentes sobre os combustíveis (CIDE, PIS/ PASEP e COFINS). Se as aquisições forem feitas de produtores familiares de dendê (palma), na região Norte, ou de mamona, no Nordeste e no Semi-Árido, a redução pode chegar a 100%. Se as matérias-primas e regiões forem as mesmas, mas os agricultores não forem familiares, a redução máxima é de 31%. A obtenção de financiamentos também está vinculada ao selo. “O Selo Social foi a porta de entrada para os leilões e a garantia da participação da agricultura familiar. No entanto, é quase impossível compatibilizar agricultura familiar com a escala de produção”, avalia Freitas, do IEA. Mas a retirada do Selo Social nos últimos leilões da ANP ameaçou o lado social do programa. “Por mais que o governo Lula enfatize a importância da inclusão social, o poder econômico sempre prevalece sobre a eqüidade social”, critica a pesquisadora.

“A política energética do governo Lula ainda é muito tímida. O pequeno produtor precisa do Estado para se desenvolver”, avalia o físico Vidal.