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O nó na rede


Edição de Abr / Mai 2008 - 15 abr 2008 - 14:40 - Última atualização em: 13 dez 2012 - 16:59
Apesar de alguns percalços, a RBTB avança em sua missão de desenvolver as
bases tecnológicas para a produção de biodiesel.

Fábio Rodrigues, de São Paulo

Para aqueles que só agora estão desembarcando nos debates acerca do biodiesel no Brasil – que ainda existem em abundância –, a Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel (RBTB) pode ser descrita como a ponta visível das obrigações do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) no contexto maior do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). A rede é o principal instrumento do ministério para convergir os esforços da comunidade científica nacional no desenvolvimento de melhores soluções tecnológicas voltadas à cadeia de produção do biodiesel.

A proto-RBTB

Foi com tal objetivo em mente que, a partir de meados de 2004, o MCT saiu a campo e começou a alinhavar uma série de convênios com os governos estaduais. A liderança desses primeiros esforços para a formação da futura rede coube ao então especialista em energias renováveis do ministério, Breno França. Foi ele quem colocou a mão na massa e operacionalizou a coordenação da rede em seus primeiros meses de vida.

“Embora muito mais gente tenha ajudado aqui no MCT, o Breno foi a figura-chave para a construção de toda essa articulação. Um batalhador incansável nessa questão”, elogia o ex-chefe, o coordenador de tecnologias setoriais do ministério, Adriano Duarte Filho.

Em parte, foi graças a esse empenho pessoal que a rede acumulou números robustos de adesões antes mesmo de seu lançamento oficial durante a 1ª Reunião Geral da RBTB. Realizado em março de 2005 na capital federal, esse primeiro encontro reuniu sob um mesmo teto, segundo a contabilidade de Duarte Filho, “algo em torno de 200 pesquisadores e 50 instituições de pesquisa”. Além disso, dos 27 Estados da Federação, apenas Rorai-ma, Rondônia, Tocantins, Distrito Federal e Santa Catarina permaneceram de fora da teia de convênios firmados pelo MCT.

A rede em funcionamento

Foi naquela reunião que a rede ganhou os contornos operacionais que mantém ainda hoje. Para começar, a rede foi subdividida em cinco eixos temáticos que cobrem praticamente todos os pontos-chave da cadeia produtiva do biodiesel: agricultura, produção, co-produtos, qualidade e armazenamento. Com base nessa divisão, os pesquisadores ligados à rede formaram grupos de trabalho, cada um dos quais com uma coordenadoria temática plenamente capaz de acompanhar os projetos desenvolvidos internamente e dotados de interlocução facilitada com o MCT.

Um bom exemplo disso foi o processo de discussão em que cada grupo temático ajudou a definir os critérios das encomendas e/ou editais por meio dos quais a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) viria a bancar projetos de pesquisa desenvolvidos no interior da própria rede para a solução de alguns gargalos técnicos do setor produtivo.

“Os especialistas da rede estavam ajudando a definir como seriam empregados os recursos voltados às pesquisas em suas respectivas áreas”, entusiasma-se o pesquisador do Departamento de Química da UFPR e coordenador de co-produtos, Dr. Luiz Pereira Ramos, para quem a interface exercida por França na coordenação nacional da RBTB estava conseguindo dar voz aos pesquisadores na definição de políticas públicas mais efetivas.

A opinião de Ramos encontra algum eco na da pesquisadora do Instituto de Química e Biotecnologia da UFAL e coordenadora do tema produção, Dra. Simoni Meneghetti. Para ela, a RBTB estava introduzindo uma espécie raríssima – quando não completamente inédita – no ecossistema brasileiro de ciência e tecnologia: um fórum científico organicamente vinculado a um programa de governo.

“Sei que muita gente partilha de minha opinião quando digo que é preciso articular pesquisa científica com produção. Na verdade, acho que nossa maior carência é a falta de um intermediário entre a universidade e o setor produtivo. No caso específico dosetor de biodiesel, a RBTB poderia exercer esse papel”, complementa Meneghetti.
Bem menos palpável que os exemplos citados, mas igualmente digno de menção entre os benefícios trazidos pela rede, está a renovação dos laços de confiança entre pesquisadores que, não raro, se enxergam como competidores. “As universidades brasileiras são muito carentes de recursos, por isso elas acabam disputando as poucas linhas de financiamento disponíveis entre si. Acho que o trabalho em rede incentiva pesquisadores de várias instituições a se confiarem mutuamente, assim eles passam a compartilhar e a buscar convergências entre seus trabalhos de forma mais efetiva”, especula o coordenador do MCT, Duarte Filho.

A crise

O leitor atento terá percebido a abundância de verbos no pretérito em alguns dos parágrafos anteriores e adivinhado seu significado velado. De fato, a RBTB vinha funcionando bem até que, em dezembro de 2006, França abandonou o MCT para aceitar uma nova missão profissional. Privada do personagem que havia se convertido em seu maior capital, a rede se retraiu quase instantaneamente.

Existe certo grau de consenso entre os participantes da RBTB a respeito da existência de uma crise interna e dos motivos que levaram à atual situação. “Com a saída do Breno, criou-se um hiato na coordenação da rede, o que levou à atual crise. O ano passado praticamente não existiu em termos de coordenação da rede. Não tivemos nenhuma oportunidade para nos encontrar e articular melhor as atividades futuras”, lamenta Meneghetti.

Seu colega, Dr. Ramos, segue na mesma toada ao relatar que na falta de suporte institucional adequado vai ficando progressivamente mais difícil saber a respeito dos resultados das ações desenvolvidas por cada membro e sobre o estado da arte do setor. “Eu coordeno um projeto ligado à rede temática de co-produtos que envolve nove instituições e tenho minha rede de contatos pessoais dentro da RBTB, mas, obviamente, isso tem seus limites”, reclama Ramos, ressaltando que, na falta de uma liderança clara, a rede corre sério risco de involuir para um estado de “duplicidade de projetos, isolamento dos resultados e falta de compartilhamento de informações estratégicas.”

Potencial e real

As palavras são duras e o problema, evidentemente, não deve ser tratado com leviandade, mas a crise anunciada ainda parece mais potencial do que real. A própria Dra. Meneghetti reconhece que a dificuldade não está sendo tão sentida nos projetos já em andamento, mas que o problema surgirá em todas as cores quando chegar o momento para uma nova rodada de negocia-ção de verbas.

“Sem uma boa articulação a gente não tem uma visão ampla de como as coisas estão evoluindo e acabamos impedidos de corrigir eventuais problemas ou identificar novas oportunidades. Sem informação, não temos como saber onde investir de forma mais adequada os recursos disponíveis”, alerta a pesquisadora. Vale lembrar que assegurar eficiência no uso da verba pública é uma das razões de ser da RBTB.

Felizmente, há luz no fim do túnel. Depois de um tempo que parece ter ultrapassado a marca do razoável – mesmo levando em conta as dificuldades de encontrar um perfil tão específico –, recentemente o MCT anunciou o sucessor de França no posto de coordenação geral da rede.

A vaga será preenchida por Rafael Menezes, que antes do atual posto no ministério acumulou ampla familiaridade com a rede e seus personagens durante sua passagem pela Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (Abipti).

A rede inexistente

Embora se espere que a nomeação ponha termo à crise atual, o simples fato de um contratempo relativamente comum como a saída de um funcionário do ministério tenha provocado tamanha comoção não parece encorajador. Uma das razões dessa fragilidade pode ser atribuída ao fato da rede jamais ter sido institucionalizada pelo ministério, ou seja, quatro anos de trabalho e R$ 12 milhões em dinheiro federal (sem contar as contrapartidas estaduais) foram investidos em algo que, em última instância, simplesmente não existe.

A incongruência é reconhecida por Duarte Filho, que informa que a rede foi concebida mais como uma “rede social de pesquisadores do que como uma identidade jurídica institucionalizada por portaria ministerial.”

De acordo com Ramos, a formalização da rede e a conseqüente institucionalização de sua coordenadoria é um dos pleitos atuais da comunidade. “Os pesquisadores da rede têm a ambição de ser mais do que meros espectadores do PNPB. Nós queremos interlocução mais direta”, diz o pesquisador.

Os congressos

Paradoxalmente, foi justo no período mais agudo de sua crise interna que a RBTB se exibiu de forma mais ostensiva para a sociedade através da realização dos dois congressos da RBTB. Acontecidos em Brasília nos anos de 2006 e 2007, ambos figuram entre os maiores eventos de seu gênero já realizados mundialmente.

Segundo Duarte Filho, os congressos foram instrumentos vitais para medir a temperatura do setor e ajudaram a revelar indícios de que, a despeito de qualquer crise passageira, existem excelentes motivos para manter o entusiasmo no trabalho que a rede vem desenvolvendo. “No primeiro congresso foram apresentados 126 trabalhos enquanto no segundo foram 265. É mais do que o dobro”, alegra-se.

Até mais importante do que a evolução quantitativa dos papers é o fato do segundo evento ter atraído uma multidão de pesquisadores em começo de carreira. “O número de pesquisadores jovens apresentando trabalhos no segundo congresso nos surpreendeu positivamente. Isso quer dizer que estamos tendo sucesso em formar técnicos que, no futuro, vão levar a tecnologia do biodiesel para frente”, comemora Duarte Filho.

Meneghetti concorda que, apesar da falta de articulação, os congressos foram um sucesso absoluto e parece compartilhar do mesmo entusiasmo em relação ao que ela mesma define como um “fantástico processo de formação”. “A área está atraindo uma legião de pesquisadores. Em todo lugar que você vai encontra gente muito jovem interessada em biodiesel. Imagine então se a gente estivesse melhor articulado”, conclui, deixando uma provocação no ar.