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Gigante pela própria natureza


Edição de Abr / Mai 2008 - 15 abr 2008 - 15:31 - Última atualização em: 13 dez 2012 - 16:59
Com atuação fundamental desde o início do programa de biodiesel a Petrobras agora aposta pesado no setor, gerando alegrias e tristezas na mesma medida.

Rodrigo Squizato, de Cuiabá

Maior empresa do Brasil e considerada uma das petrolíferas de vanguarda no planeta devido à tecnologia de exploração em águas profundas, a Petrobras também está entre as empresas do setor de óleo e gás com maior interesse pelos biocombustíveis.

Enquanto algumas petrolíferas concorrentes atuam apenas como atravessadoras neste mercado, outras apóiam pesquisas de segunda geração e um terceiro grupo investe em outras formas de energia renovável, a Petrobras tem planos ambiciosos de produção, comercialização e desenvolvimento tecnológico, tanto para o biodiesel quanto para o etanol.

No lado da comercialização, o foco principal da empresa é a exportação de etanol, mas o biodiesel está longe de ser desprezado. Do ponto de vista da produção, a estatal traçou metas ambiciosas para o biocombustível feito a partir de óleos e gorduras que, se concretizadas, a colocarão entre as líderes do setor no Brasil. Na prática, a Petrobras já detém sozinha ou por meio de subsidiárias o controle do B100 que é misturado ao óleo de origem mineral. A estatal foi responsável por todo o volume arrematado nos 11 leilões de biodiesel realizados.

A atuação da Petrobras como intermediária da cadeia de biodiesel nacional é vista com diferentes olhos por representantes de diferentes elos da cadeia do combustível. Para os produtores, a participação da empresa é importante para dar liquidez aos leilões. A ressalva feita é que as regras deveriam ser mais flexíveis para permitir que outros distribuidores também pudessem participar dos certames, como avalia Wanderley Feliciano, consultor da WFA Assessoria Empresarial, com experiência na construção de usinas como a Biocapital, de Charqueada (SP), e a Bioverde, de Taubaté (SP).

Distribuição

Para os grandes distribuidores de combustível, a atuação da estatal é bem-vinda, pois com esse mercado novo todas as empresas do setor ficam em situação de igualdade. Também permite que as pequenas distribuidoras que não tenham capital para adequar suas bases de distribuição consigam manusear o produto.

Para o governo, a atuação da Petrobras é a garantia de que o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel siga adiante sem grandes fissuras aos olhos do mercado consumidor.

De maneira geral, a atuação da empresa a coloca na cadeia do biodiesel no mesmo patamar da cadeia do diesel mineral. Ela detém controle total sobre todo o volume comercializado no país. A diferença é que no caso do derivado de petróleo ela é produtora e importadora, e no do biodiesel, intermediária.

Isso dá à empresa controle total sobre os preços praticados no país, pois ela define a faixa de preços em que vai comprar – dentro da realidade do mercado brasileiro – e a quanto vai vender. Mas os planos da empresa incluem também a produção de biodiesel. Três unidades já estão em construção: Candeias (BA), Montes Claros (MG) e Quixadá (CE). O investimento em cada uma das plantas que utilizam tecnologia da norte- -americana Crown Iron, trazida ao Brasil pela Intecnial, é de aproximadamente R$ 78 milhões. Cada uma terá capacidade de produção anual de 57 milhões de litros de biodiesel.

Os três empreendimentos deveriam ter sido inaugurados no ano passado, conforme anunciado na ocasião da assinatura do contrato entre a estatal e a fornecedora dos equipamentos. O cronograma da estatal está atrasado, segundo informações da assessoria de imprensa, porque foram registrados atrasos na implantação das parcerias com agricultores familiares e cooperativas. Juntos, os três projetos têm como objetivo envolver 70 mil famílias de agricultores. Em março, previa-se que a primeira unidade a entrar em operação seria a localizada em Minas Gerais, mas a informação oficial da companhia é de que todas deverão estar operando ao final de 2008.

Produção x Investimento

De acordo com apresentações públicas feitas por representantes da companhia, a meta de produção de biodiesel para 2008 é de 329 milhões de litros e até 2012, segundo plano de negócios da empresa, é de 938 milhões de litros.

Para alcançar esses objetivos a empresa elaborou um orçamento de US$ 435 milhões apenas para o biodiesel. O orçamento total para os biocombustíveis prevê ainda mais US$ 1,065 bilhão (veja gráfico).

Além das três unidades em construção pela Intecnial, a estatal conta com mais duas plantas localizadas no Pólo de Guamaré, no Rio Grande do Norte, que são consideradas experimentais. Uma produz biodiesel a partir de óleos vegetais e outra extrai o biodiesel direto do grão das oleaginosas.

A primeira unidade experimental recebeu R$ 10 milhões em investimento para ser capaz de produzir até 6,8 milhões de litros por ano. A segunda, a partir das sementes, é fruto de R$ 10 milhões em investimentos e deve fabricar até 13,6 milhões de litros anualmente. Logo, as cinco unidades em conjunto teriam capacidade de produzir 191,4 milhões de litros, com investimento médio de R$ 1,29 por litro de capacidade produtiva.

Com base nesse cálculo, a empresa teria que investir mais R$ 178 milhões para atingir a meta de 2008. E para alcançar o patamar de 2012 seriam necessários mais R$ 963 milhões. Ou seja, considerando- se o orçamento reservado para o biodiesel seria necessário fazer um aporte adicional de 30%.

Com o barril do petróleo girando em torno de US$ 110, dinheiro não é exatamente um problema para a estatal, caso ela realmente persiga as metas traçadas, mesmo que os objetivos sejam alcançados em um cronograma diferente do definido.

Neste ponto, as questões da comercialização e da produção começam a se entrelaçar, nota um consultor da área de distribuição que prefere não se identificar. “Qual é a vantagem de você imobilizar capital em um negócio no qual você detém o monopólio da comercialização?”, questiona.

O próprio consultor responde que teoricamente faz sentido para se garantir acesso ao produto numa eventual mudança no panorama do mercado e obter ganhos de escala pela verticalização, apropriando-se das margens da produção e distribuição. Contudo, ele pondera, neste caso a Petrobras está entrando em um negócio totalmente diferente do seu negócio principal.

No setor do petróleo, historicamente, os louros ficaram com as empresas mais hábeis em se apropriar das margens de todos os elos da cadeia. No início era apenas a distribuição, como demonstrou melhor do que ninguém Rockefeller com sua Standard Oil e também a Shell com o pioneiro petroleiro Murex.

Mas logo ficou claro que o controle dos meios de distribuição, embora seja muito importante, não garantem o controle do mercado; e logo começou a disputa pelo acesso às reservas, como é possível ver até hoje.

Por outro lado, na atual conjuntura e modelo de comercialização do mercado, a participação nos leilões funcionou, até o momento, como um “hedge” natural para a empresa, que estabeleceu preços para o biodiesel em condições vantajosas devido à valorização das commodities, sobretudo a soja.

Uma boa justificativa para a Petrobras entrar na produção de biodiesel pode ser observada no mercado de etanol. Embora também seja a maior compradora de álcool do Brasil, a relação entre a empresa e os usineiros é pontuada por desentendimentos de parte a parte.

Caminho a seguir

Na atual conjuntura, existem três grandes estratégias dispostas sobre a mesa da diretoria da empresa. A primeira é adiar os investimentos em produção enquanto a conjuntura internacional e a metodologia dos leilões não forem alteradas. A segunda é concluir o programa de investimentos da empresa em novas usinas com base no plano de negócios pré-estabelecido. E a terceira seria uma forma de acelerar o aumento da capacidade de produção pela aquisição de usinas prontas no país. Vale notar que nenhuma das três opções exclui completamente a outra, e tudo dependerá do ritmo que a empresa pretende impor para sua produção de biodiesel e a avaliação das condições do mercado.

O primeiro caso é confortável para a empresa no curto e médio prazos, mas deixa-a vulnerável ao crescimento do mercado. O mais provável é que a empresa dose a primeira opção com as outras duas para tirar o máximo proveito do momento e garantir o objetivo imposto para a área de biodiesel, que é ser líder de mercado no Brasil e no mundo, conforme está definido no plano estratégico da companhia até 2020.

Questionada sobre sua estra-tégia para o biodiesel, a estatal não concedeu entrevista até o fechamento desta edição. Contudo a linha de atuação da empresa deve ficar mais clara quando forem anunciados os detalhes da nova companhia criada no começo de março para supervisionar a atuação na área de produção de biocombustíveis.

A definição das estratégias que serão usadas passará essencialmente por dois pontos: oportunidades de mercado e tecnologia. Com uma imensa capacidade ociosa de produção de biodiesel existente no Brasil, a empresa pode optar por aquisições ou associações com produtores – a exemplo da estratégia que ela traçou em seu plano de exportação de etanol. Pesará na decisão, o sucesso da sua nova tecnologia de produção a partir dos grãos (veja box). A compra ou associação com outras empresas também facilitaria à Petrobras eliminar o principal obstáculo que enfrenta até agora, que é amarrar os acordos com fornecedores de matérias-primas.

Para os agentes da cadeia do biodiesel também convém prestar atenção ao movimento de concentração da empresa na distribuição de combustíveis. Depois de comprar a Agip e a Ipiranga (em parceria com o grupo Ultra) a estatal apresentou proposta pelos ativos da Esso no país. Caso vença também esta disputa, a subsidiária BR Distribuidora, ampliará ainda mais a já larga margem de liderança nas vendas de diesel.

Um alto executivo do mercado de distribuição qualifica que a vitória da Petrobras na disputa pelos ativos da Exxon no Brasil iria deixar o mercado complicado, pois todas as duas centenas de distribuidoras estabelecidas no país teriam que lutar por 40% do mercado. Olhando deste ponto de vista, o percentual de participação de mercado na produção de biodiesel pretendido pela empresa (ver gráfico) parece ser até um alívio para os demais produtores. Porém, enquanto a empresa dominar o meio de campo entre a produção e o varejo, ela continuará a dar as cartas no mercado brasileiro de biodiesel.

Novas tecnologias

A Petrobras tem planos ambiciosos para a produção de biodiesel e pretende aproveitar também o potencial brasileiro para produção de biomassa para desenvolver novos métodos de produção de biocombustíveis.

Atualmente a empresa investe ao menos em três processos distintos de novas tecnologias para produção de biodiesel, etanol e bio-óleo. Os estudos são desenvolvidos pelo Cenpes, o centro de tecnologia mantido pela petrolífera, que já conta com mais de mil patentes registradas em diversas áreas.

O processo de biodiesel da empresa é baseado numa tecnologia que ao invés de usar o óleo vegetal aproveita o grão diretamente. Um álcool precisa ser adicionado ao processo, conforme ocorre no processo de transesterificação tradicional. Do outro lado da reação também se obtém biodiesel, glicerina e uma polpa decorrente do processo.

A estatal já tem uma unidade piloto desta tecnologia funcionando em Guamaré, no Rio Grande do Norte e estuda a implantação deste processo em escala comercial. A grande vantagem é que esta tecnologia elimina a etapa de esmagamento necessária no processo tradicional. Teoricamente, isso gera uma economia de custos ao mesmo tempo em que pode permitir, dependendo da qualidade da polpa residual, ser outra fonte de renda baseada neste subproduto. A segunda tecnologia desenvolvida pelo Cenpes é para desenvolver tecnologia para produção de etanol a partir da lignocelulose. A empresa pretende inaugurar este ano uma usina piloto para transformar biomassa em álcool.

Em 11 de março, a Petrobras divulgou que estabeleceu uma parceria com a empresa norte-americana Kior – uma joint venture entre a Khosla Ventures e a BIOeCON. O objetivo do acordo é desenvolver um método para produção de bio-óleo a partir de biomassa pelo processo de craqueamento catalítico da biomassa.