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Edição de Fev / Mar 2008 - 15 fev 2008 - 15:43 - Última atualização em: 17 dez 2012 - 09:17
Segundo especialistas, quando se trata da qualidade do biodiesel fabricado, o porte da usina pouco importa. O que conta mesmo é o ajuste das condições de produção.

Raquel Marçal, de Curitiba

Das 48 usinas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) até janeiro, 17 têm capacidade de produção de no máximo 10 milhões de litros por ano – e são consideradas pequenas em meio a gigantes aptas a fabricar volumes de biodiesel numa média de 110 milhões de litros anuais.

A dúvida é: mesmo trabalhando em pequena escala, essas indústrias menores podem entregar um biodiesel dentro das especificações da ANP? “Não se trata de uma tarefa fácil, no entanto, de forma geral, um bom ajuste das condições de processamento pode levar à obtenção de um biodiesel de qualidade”, afirma Anderson Kurunczi Domingos, químico responsável pela área de produção de biodiesel da multinacional Agrenco, que tem três usinas em construção no país, com capacidade total de produção de 424 milhões de litros por ano.

A tarefa, no entanto, é um pouco mais complicada para as pequenas que enfrentam percalços relacionados à matériaprima e aos inevitáveis custos do monitoramento de qualidade, que deve ser feito não só no produto final, mas ao longo de todo o processo de produção do combustível. “O emprego de matérias-primas de má qualidade, associado à falta de uma padronização prévia, é a causa do principal problema das unidades de pequeno porte”, explica Domingos.

Cuidados essenciais

O principal risco é o de utilizar grãos ou óleo com níveis de acidez alterados, problema causado por inadequações na colheita, na secagem ou mesmo na armazenagem. “O maior problema para o biodiesel é a alteração da acidez”, adverte o químico Richard Fontana, sócio da AustenBio Tecnologia de Biodiesel. “Acidez acima de 0,4% já exige um processamento complementar para eliminá-la em alta escala”, explica.

Alguns outros itens das especificações são mais difíceis para as pequenas atenderem pelo fato de serem medidos com equipamentos sofis t ic ados , caso do teor de fósforo. Vindo principalmente da matéria-prima, o fósforo pode detonar conversores catalíticos usados nos sistemas de controle de emissões e depósitos do pistão, válvulas e injetores.

Na especificação brasileira, o teor de fósforo aparece como “anotar”, ou seja, não foi determinado. Mas as especificações européia e americana são bastante rígidas – permitem no máximo 10 miligramas de fósforo por quilo de biodiesel. “A análise de fósforo é cara”, afirma Lincoln Cambraia Teixeira, coordenador do Setor de Biotecnologia e Tecnologia Química da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec).

E é justamente aí que aparece a segunda dificuldade para as pequenas usinas: a condição de manter laboratórios – que podem custar até R$ 1,5 milhão – para monitorar cada detalhe do processo. “Isso é uma das dificuldades das empresas de pequeno porte, uma vez que boa parte não dispõe de uma mínima estrutura laboratorial e pessoal qualificado para acompanhamento e controle das condições de processamento”, observa o químico Anderson Domingos, da Agrenco. “A presença de um laboratório é de suma importância e a falta dele pode até inviabilizar a produção em pequena escala”, opina Lincoln Cambraia, do Cetec.

A falta de laboratórios traz ainda o desafio de avaliar a qualidade do combustível produzido. Como a Resolução nº 42 da ANP obriga as usinas a enviar mensalmente à agência os resultados de ensaio de qualidade, as pequenas precisam terceirizar o serviço – e arcar com uma despesa que varia de R$ 1.500 a R$ 3.000 por amostra de cada lote. O custo, inevitável, pode inviabilizar o negócio. “O menor tamanho viável para uma usina é algo em torno de quatro milhões de litros por ano, ainda assim apenas plantas contínuas, abaixo disso é muito difícil”, acredita o engenheiro químico Donato Aranda, chefe do Greentec Laboratório de Tecnologias Verdes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Donato faz as contas tomando como base uma indústria que produza algo próximo de 12 mil litros/ dia, trabalhe com lotes de 10 dias de produção – o que significa um tanque de 120 mil litros, e pague R$ 3.000 pela análise de cada lote. “Cada análise custaria dois centavos por litro de biodiesel. Isso é muito para um produto que já não tem uma margem grande”, conclui. “Para usinas maiores, com grandes tancagens, o custo da análise será desprezível.”

O engenheiro químico ainda frisa que, para as pequenas, o melhor método de produção não é o de batelada e sim o contínuo – no qual reagentes entram e produtos saem ininterruptamente. Segundo ele, neste processo, uma vez feito o ajuste com temperatura, quantidades de reagentes e de catalisador corretas, o produto é gerado continuamente dentro da especificação. “No processo batelada, após a reação e remoção dos produtos, ocorre resfriamento do reator, que depois, na próxima reação, precisa ser novamente aquecido. Essas variações normalmente geram perturbações no processo e, ocasionalmente, produtos fora de especificação”, explica.

Viabilidade

Para o químico Richard Fontana, da AustenBio Tecnologia em Biodiesel, as pequenas usinas são viáveis nos casos em que o empresário é também dono da matéria-prima. “Tendo a matéria-prima, que é 75% do custo do processo do biodiesel, ele vai gastar só com o processo de transformar o óleo em biodiesel”, diz. Além disso, por causa da dificuldade de competir com as grandes, que c on s e g uem produzir o combustível a um custo menor, as pequenas devem se voltar à produção para consumo próprio.

“A pequena tem vantagem desde que o biodiesel seja para uso cativo, como uma empresa de transporte coletivo urbano que tenha uma usina de biodiesel para ela mesma consumir.”

Mesmo essas não têm como escapar dos gastos com análises de qualidade, mas têm uma saída para contornar esse peso, como a contratação de empresas que oferecem número ilimitado de análises a um custo fixo. “Existem empresas norte-americanas que cobram aproximadamente R$18 mil por mês, bem abaixo dos laboratórios brasileiros”, afirma Lincoln Cambraia, do Cetec.

Segundo ele, o único “porém” nesse caso é a necessidade de manter um técnico na usina para colocar as amostras nos equipamentos fornecidos pelo prestador do serviço. “O empresário também pode optar por um laboratório compacto com alguns parâmetros mais importantes e contar com terceirização de laboratórios, ou seja, fazer um sistema misto”, sugere.

Já para quem precisa comprar a matéria-prima, a orientação é adquirir somente grãos ou óleo dentro das especificações comerciais para evitar dissabores na hora de começar a produção.

“A soja tem cerca de 20 tipos de especificações diferenciadas. O teor de umidade, por exemplo, tem de ser 11,5% no máximo e o óleo contido no grão tem de ter até 0,4% de acidez”, ensina Richard Fontana, da empresa Austenbio.

Laboratório pode ser simples, mas é fundamental

Na Usibio, indústria de Sinop (MT) com capacidade de produção autorizada de seis milhões de litros por ano, fabricar biodiesel dentro das especificações da ANP não tem sido nenhum bicho-de-sete-cabeças. A indústria, que informou produção pela primeira vez em setembro e produziu 34 mil litros até novembro de 2007, utiliza como matéria-prima principal o sebo bovino, e tem vencido os desafios das pequenas usinas graças à manutenção de um laboratório próprio. “É um laboratório simples, mais para fazer testes rápidos, como ver a qualidade da matéria-prima”, diz o engenheiro agrônomo Antonio Rodrigues Filho, sócio-proprietário da usina.

Mesmo enxuta, a estrutura laboratorial permite à empresa superar uma das maiores deficiências das indústrias de menor porte: a acidez da matéria-prima. “A gente mede o PH da matéria-prima que chega e, com base nisso, cada uma passa por um processo diferente. A quantidade de catalisadores ou de metanol, por exemplo, vai se alterando de acordo com a qualidade dessa matéria-prima”, explica Rodrigues Filho.

No laboratório também é feita, em microescala, uma prévia do processo que será reproduzido depois nas bateladas. “A gente cria padrões, antecipa processos. Quando encaminhamos o produto final para a análise, já temos quase certeza de que o biodiesel está dentro da especificação.” Segundo Rodrigues Filho, uma estrutura laboratorial mínima não precisa de equipamentos caros. “Com R$ 7 mil, R$ 8 mil dá para montar um laboratório bem simples, com vidraria, agitadores, alguns reagentes e um Karl Fisher.”

As análises de qualidade, porém, exigem equipamentos caros e são feitas pelo Instituto de Pesos e Medidas do Mato Grosso (Ipem- MT), com o qual a usina mantém um convênio. Segundo Rodrigues Filho, as amostras não são feitas por batelada -- que na Usibio é de um mil e 900 litros -- e sim por lotes de 10 mil a 15 mil litros. “Se a usina possuir reservatórios pequenos, e tiver de fazer uma análise a cada batelada, fica inviável”, observa.