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Revolução Francesa


Edição de Fev / Mar 2008 - 15 fev 2008 - 15:10 - Última atualização em: 17 dez 2012 - 09:17
A França deve ser o primeiro país a antecipar as metas da União Européia para a mistura obrigatória de biodiesel ao diesel de petróleo em 2008. Mas, para isso, vai ter que aprender a caminhar pelas próprias pernas, já que o governo promete reduzir os subsídios.

Isabel Butcher, de Paris, na França

O país do champanhe quer também consolidar a liderança em outro líquido precioso: o biodiesel. Para isso, estabeleceu metas ousadas baseadas no potencial de seu enorme mercado consumidor. Atualmente, 70% dos carros na França funcionam com motor a diesel e já circulam com um teor obrigatório de 3,5% de biodiesel. Mas os franceses querem ir mais longe nessa corrida pelos biocombustíveis e prometem sair na frente do resto da Europa, aumentando a porcentagem da mistura. O objetivo é que até o final de 2008 a taxa aumente para 5,75% – meta que deverá ser cumprida pelos outros países membros da União Européia apenas em 2010, conforme um acordo assinado entre os chefes de estado.

Nos últimos doze anos os franceses viveram uma escalada na produção de biodiesel. Em grande parte, graças à ajuda dos governantes. Desde que o país começou a apostar no combustível feito a partir de óleo vegetal, no início da década de 90, a produção aumentou 170%, passando de 200 mil toneladas (cerca de 224 milhões de litros) para 740 mil toneladas (cerca de 829 milhões de litros). E, caso as expectativas se confirmem, serão produzidos 2,5 milhões de toneladas em 2008 e 2009, subindo para 3,2 milhões de toneladas em 2010 – quantidade suficiente para suprir a demanda gerada pela adição de 7% de biodiesel no país.

O problema é que, para chegar lá, vai ser preciso que os produtores e usineiros – habituados a uma boa dose de simpatia do governo francês – consigam manter a lucratividade sem a ajuda dos incentivos fiscais que vêm sendo oferecidos. Afinal, o corte de subsídios prometido já começou.

Hoje, são dois os principaisbenefícios ao setor – concedidos apenas a quem participa dos leilões de biodiesel promovidos pelo governo. Muito parecido com o que acontece no Brasil. A França disponibiliza uma série de cotas para os industriais e, quem fica com parte do bolo, leva também a isenção fiscal. Mas não se trata de uma galinha dos ovos de ouro e, pouco a pouco, a ajuda está sendo reduzida.

Isenção reduzida

Um dos benefícios é concedido pela Comunidade Européia por meio de uma política agrícola desenvolvida com os países integrantes do bloco. É a chamada “ajuda às culturas de energia”. Desde que foi criada, a lei pagava aos produtores 45 euros (cerca de 117 reais) por hectare de oleaginosa cultivado para a produção de biodiesel – limitado a uma área total de cultivo de 2,5 milhões de hectares na Europa. Mas, em 2007, houve um aumento dessa superfície máxima garantida e, assim, o subsídio aos agricultores passou para 30 euros (em torno de 78 reais) por hectare.

E a diminuição dos incentivos institucionais atinge também as isenções propriamente francesas. No país existe um segundo benefício ao produtor chamado isenção parcial da Taxa Interior de Consumo (TIC). Só que esse valor é revisto a cada ano, de acordo com o que é produzido. Ou seja: à medida que a produção aumenta, o benefício diminui. Para o empresário, é uma verdadeira sinuca de bico, já que, quanto maior a produção, mais biodiesel e menos isenção fiscal. Em 2007, o desconto foi de 25 euros (65 reais) a cada 100 litros do combustível. Para 2008, deve haver uma redução de 3 euros (o equivalente a 8 reais) sobre esse valor. “A medida pode representar um impacto na remuneração dos agricultores. Estamos muito preocupados com isso”, explica Fabien Kay, porta-voz da Prolea, grupo francês de Óleos e Proteínas Vegetais que reúne cinco empresas ligadas ao mercado agrícola.

Não são apenas os produtores que têm reclamado. O governo francês também está de olho em quem vende o biodiesel ao consumidor final. Prova disso é o Imposto sobre Atividades Poluentes (TGAP), conhecido no país pelo apelido de eco-taxa. A cobrança é feita sobre o preço dos combustíveis nas bombas, de acordo com a quantidade de biodiesel que é misturada. Assim, só fica isento do pagamento o distribuidor que respeitar as porcentagens exigidas pelo país. O imposto já incidia sobre o lixo doméstico e industrial, óleos à base de hidrocarbonetos,emissão de gases poluentes e até mesmo no sabão em pó e amaciantes de roupas. Agora, ganhou mais um item na lista: o biodiesel. “Queremos incentivar os distribuidores a comercializar o biocombustível”, justifica a porta-voz do Ministério da Agricultura e da Pesca da França, Hélène Brial. “A idéia é que haja um acompanhamento das metas do governo para a l c a n ç a rmo s os objetivos de cada ano”, complementa.

Por outro lado, não há nenhum tipo de barreira tarifária por parte do governo que impeça ou iniba a importação. Apesar dela não existir por enquanto, quem trabalha no setor acredita que essa é uma ameaça a temer. “A intervenção estatal ainda é indispensável para que o mercado de biocombustível continue atraente”, diz Fabien Kay. “Mesmo com um crescimento sólido e constante da produção de grãos, os agricultores não consideram o biocombustível um negócio lucrativo”, completa. Ainda que haja lamentações, a conta paga pelo governo é alta. Só em 2007, a isenção fiscal do setor custou aos cofres públicos 260 milhões de euros (aproximadamente 677 milhões de reais).

Marketing verde

Com um pouco mais de 675 mil quilômetros quadrados, a França consolidou-se como o país da produção da colza (canola) e do girassol, matérias-primas usadas na produção do biodiesel no país. Hoje, no solo francês, 2,1 milhões de hectares são cultivados. Desse montante, 900 mil são utilizados na indústria de energia – 25 vezes mais do que em 1994, quando o biocombustível ainda estava na fase de implementação. Cerca de 800 mil hectares são reservados à plantação de colza e 100 mil hectares para o girassol.

Atualmente, os franceses ocupam o segundo lugar no ranking dos principais produtores de biodiesel na Europa, sendo superados apenas pela Alemanha e pouco à frente da Itália, de acordo com o Instituto Francês do Petróleo (IFP). Até 2001, os franceses lideravam o ranking dos países que mais produziam biodiesel na Europa. Mas foram ultrapassados pela Alemanha graças a uma política pesada de isenção de impostos naquele país. Mesmo assim, a França está otimista de que vai superar os limites.

O que move o bom desempenho do biodiesel francês, em boa parte, é o marketing a favor do meio ambiente. A preservação do planeta é um dos principais assuntos em debate pela população. Diariamente revistas e jornais publicam artigos e reportagens sobre a importância das energias alternativas ao petróleo, o uso do B30 (biodiesel a 30%) no setor de transportes e a entrada, ainda que tímida, do etanol nas bombas.

Pesquisas recentes reforçam as vantagens do uso de energias renováveis. A Agência Francesa de Gerência do Ambiente e da Energia publicou há poucos meses um estudo comprovando que a colza libera um teor de gás carbônico 51% menor do que o petróleo para gerar a mesma quantidade de energia – o que confere ainda mais credibilidade à plantinha de flor amarela com fama de ecologicamente correta. “O impacto dos combustíveis no meio ambiente é um assunto que preocupa o povo. Não é à toa que esse foi um dos temas mais debatidos durante a última campanha presidencial”, comenta Philippe Schulz, responsável pelo Departamento de Meio Ambiente da Renault.

Mas nem sempre foi assim. O início do projeto de desenvolvimento dos biocombustíveis foi polêmico dentro do próprio governo francês. Havia um grupo reticente quanto à eficácia do usodos combustíveis vegetais, considerando os custos de produção proporcionalmente altos em relação aos benefícios. “A introdução dos biocombustíveis foi retardada também pelas hesitações das montadoras de automóveis”, explica Anne Prieur, diretora de estudos econômicos do Instituto Francês do Petróleo. Existia um receio de que o biocombustível diminuísse a potência dos carros.

Não havia, no entanto, mais saída. Mesmo que um pouco atrasadas, as montadoras passaram a investir em pesquisas e estudos de carros menos poluentes. Houve também uma pressão extra da opinião pública. O setor de transportes emite atualmente 26% de todo o CO2 no país. E o mais grave é que, enquanto outros setores da economia baixaram a emissão nos últimos dez anos, a poluição causada por veículos automotores cresceu 18%. Por isso, a indústria automobilística acena agora com um discurso preocupado com o futuro.

Vantagem francesa

Ainda que não tenha terminado a lição de casa, a França está em vantagem em relação aos vizinhos. Uma pesquisa feita pela Federação Européia de Transporte e Meio Ambiente, órgão da União Européia situado em Bruxelas, mostra que os carros construídos na França são os que menos emitem gás carbônico entre os países do continente europeu.

O estudo destaca que enquanto os carros alemães tiveram a emissão de CO2 aumentada em 0,6%, as montadoras francesas baixaram esse índice em 1,6% entre os anos de 2005 e 2006. A campeã PSA Peugeot Citroën emite, em média, 142 gramas por quilômetro rodado. A terceira do ranking é a Renault, cuja taxa está em 147 gramas por quilômetro. “Para 2008, a proposta é vendermos um milhão de veículos com menos de 140 gramas de CO2 por quilômetro rodado”, estima Schulz. “O meio ambiente é certamente a maior preocupação da empresa. Não é à toa que a nossa filial japonesa Nissan dispensa 40% do seu orçamento em pesquisas para que possamos desenvolver um carro ecológico e com boa performance”, continua o diretor. As montadoras francesas ganham uma ajudinha fianceira para isso. Enquanto elas desembolsam entre 70 e 80% do custo das pesquisas, o governo francês contribui com outros 20 a 30% para o andamento das pesquisas.

O fantasma do petróleo

Nem só de preocupação com o meio ambiente se constrói o sucesso do biodiesel. Há, também, um forte componente econômico. Usar combustíveis à base de petróleo está pesando – e muito – no bolso dos motoristas. A França tem cer-ca de 13 mil bombas de combustível espalhadas pelo país e o preço praticado nelas está diretamente atrelado às variações do valor do barril do petróleo, que nos últimos meses não parou de subir.

Somem-se a isso as inúmeras taxas cobradas sobre o combustível que deixam ainda mais salgada a conta do consumidor final. Desde 1994 houve um aumento de 86% nos impostos. Isso fez com que as taxas passassem a representar, atualmente, 55,27% do preço cobrado nas bombas. O custo médio do diesel em 2007 foi de 1,09 euro (cerca de 3 reais) o litro. Sem as taxas, o preço despencaria para 48,97 centavos de euro (1,30 real) o litro.

Com o projeto de incentivo ao biodiesel em desenvolvimento, a França espera diminuir a dependência de petróleo, que é quase total. Estima-se que a produção de 3,5 milhões de toneladas de biodiesel, em 2010, evitaria a importação de 2,7 milhões de toneladas de petróleo. Uma economia de 2,83% - valor significativo considerando os incríveis aumentos de preço do petróleo que, em 2007, de acordo com o órgão francês Ofício Nacional de Grandes Culturas (ONIGC), atingiu picos de mais de 90 dólares (cerca de 160 reais) o barril.

Dados da Energy Information Administration, órgão oficial de estatística em energia do governo norte-americano, mostram que a França importou em 2006 mais de 95 milhões de toneladas de petróleo. Já com a utilização da mistura com o biodiesel a história é outra. Além de não precisar recorrer à importação, ainda há excedente para vender no mercado externo - inclusive para o principal produtor de biodiesel europeu, a Alemanha. Olhando por esse lado, fica bem fácil entender por que a empolgação com o biocombustível é grande. Além disso, a aposta do Ministério da Agricultura e da Pesca é de que até 2008 cerca de 25 mil empregos sejam criados ou mantidos com o aumento da produção de biodiesel. Esse número deve crescer até 2010, passando para 30 mil empregos.

Novas apostas

Os investimentos na área de biodiesel estão acelerados. Estima-se que 21 usinas serão criadas em 14 regiões nos próximos anos – um investimento na casa de 1,2 bilhão de euros.

Analistas franceses estão otimistas: a proposta de atingir as metas antes do prazo estipulado pela União Européia não é um sonho, mas uma realidade projetada e bem calculada.

Para isso, podem contar com a ajuda do Brasil. A experiência com o etanol é vista com bons olhos pelos franceses e, por isso, há muita gente que aposta todas suas fichas na crença de que o biodiesel também vai dar certo. “A experiência brasileira é uma referência positiva, certamente. E a França tem uma política parecida com a do Brasil: de suporte ao crescimento do projeto de biocombustíveis em geral, incentivos fiscais, ajudas às pesquisas para dar autonomia ao desenvolvimento rural e energético do país”, resume Hélène Brial. “Acreditamos que, para o biocombustível de segunda geração, empresas francesas e brasileiras possam se juntar para desenvolver uma cooperação econômica e científica”, complementa a funcionária do Ministério da Agricultura e da Pesca.

A ameaça norte-americana

Os franceses estão de olho na concorrência do biodiesel feito nos Estados Unidos. E não estão gostando nem um pouco do que estão vendo. O maior receio é a entrada do biodiesel norte-americano B99, uma mistura que contém menos de 1% de diesel, no Velho Continente. “A França não importa o
B99 por enquanto. Mas, certamente, é uma concorrência desleal contra a qual a Europa deve reagir”, afirma Fabien Kay, porta-voz da Prolea, grupo francês de Óleos e Proteínas Vegetais.

Pelas leis norte-americanas, todo combustível com teor de biodiesel, ainda que mínimo, é subsidiado com 300 dólares a tonelada.

O problema, de acordo com os europeus, é que o benefício não se limita ao biodiesel consumido pelo mercado interno dos Estados Unidos e atinge também o volume que é exportado – inclusive para a Europa.

Recentemente, a European Biodiesel Board (EBB), associação que reúne cerca de 60 empresas produtoras de biodiesel na Europa, divulgou uma nota à imprensa repudiando esses benefícios e classificou a concorrência
dos Estados Unidos como desleal.

O texto diz que, por causa do biodiesel norte- americano, muitos produtores europeus estão indo à falência. Em sua defesa, os Estados Unidos afirmam que a produção do biocombustível beneficia outros países, como a Indonésia e a Malásia, cuja produção
de grãos seria vendida aos americanos. Mas o volume de matéria-prima importada, de acordo com a EBB, representaria apenas 10% do total.

Como o impasse não foi resolvido, a EBB decidiu apertar o cerco aos Estados Unidos e, no final do ano passado, entrou com uma queixa para na Comissão Européia. Os empresários franceses classificam a ação norte-americana como prática de dumping e pedem medidas contra a política de
subsídios.

Planos audaciosos

Conheça as previsões da França para os próximos anos.

2008
• 25 mil empregos serão mantidos ou criados
• Oito milhões de toneladas de CO2 deixarão de
ser emitidas

2010
• O consumo francês de biocombustíveis será
de 3,5 milhões de toneladas, menos de 5% da
produção francesa de cereais, estimada em 81
milhões de toneladas para o período
• A produção nesse ano vai evitar a importação
de 2,7 milhões de toneladas de petróleo
• Do volume total de biocombustíveis produzido
no país, 80% (2,8 milhões) serão de
biodiesel e 20% (730 mil) de etanol