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Motores

Produção de carro a diesel: a quem interessa este retrocesso?


Valor Econômico - 10 mai 2016 - 13:40 - Última atualização em: 04 nov 2016 - 14:57

Diante de um cenário onde o Congresso parece ter foco exclusivo em um só tema, caminha a passos largos a aprovação de um projeto de lei que pretende autorizar a produção e comercialização, em grande escala, de veículos leves movidos a diesel (PL 1013/2011).

É intrigante observar a movimentação em torno desse projeto. Seja em função dos danos à saúde, passando pela poluição do meio ambiente e pelos impactos econômicos decorrentes da importação de diesel, a aprovação do projeto representará um retrocesso para o desenvolvimento sustentável do país.

É essencial lembrar que os motores a diesel são as principais fontes de emissão de partículas finas e de óxidos de nitrogênio, que são altamente prejudiciais à saúde, uma vez que penetram facilmente no sistema respiratório, causando graves doenças.

Em 2013, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou as partículas finas do diesel como substâncias que podem contribuir para a ocorrência de câncer. Além disso, os óxidos de nitrogênio causam inflamações respiratórias e reagem com outros poluentes na atmosfera formando substâncias como o ozônio e nitratos, que são danosos ao meio ambiente e a saúde.

Estudos internacionais atribuem às partículas finas do diesel cerca de 3% dos óbitos globais causados por doenças cardiovasculares, 5% dos cânceres de pulmão e 3% das mortes em crianças até cinco anos de idade, totalizando cerca de 800 mil óbitos prematuros e 6,4 milhões de anos de vida perdidos por morte prematura.

Não bastassem os danos à saúde, o diesel é altamente emissor de gases de efeito estufa (GEEs), especialmente óxido nitroso, que tem alto poder de aquecimento global. Como o diesel é restrito aos caminhões, ônibus, tratores e transporte marítimo, as emissões decorrem da produção e refino do petróleo e do uso do diesel, categorizadas no setor de energia. Mas a liberação dos veículos leves a diesel deverá aumentar as emissões do subsetor de transportes, o que contraria as metas brasileiras de mitigação.

A frota de veículos brasileira em 2014 era de 54,3% veículos flex, 34,3% gasolina, 9,8% diesel e 1,5% somente álcool. Reduzir emissões no setor de transportes é um desafio global, e o Brasil tem um diferencial enorme ao ter construído uma matriz de transporte de veículos leves a base de etanol, que reduz em até 90% as emissões comparadas à gasolina.

A despeito do conteúdo energético do diesel, que poderia ser um argumento favorável ao projeto, os custos para reduzir emissões do diesel são caríssimos. Na União Europeia e nos Estados Unidos, fraudes nos sistemas de monitoramento de emissões no diesel motivam mudanças severas nas regulamentações sobre veículos leves a diesel.

Estudo publicado em 2015 pelo renomado King's College de Londres estima que a poluição do ar por partículas finas e óxidos de nitrogênio do diesel resulta em cerca de 9.500 mortes prematuras por ano e custos para a saúde de pelo menos 1,4 bilhão de libras (cerca de US$ 2 bilhões) naquela capital.

Paris, Londres, Madri, dentre outras capitais europeias, registraram altos níveis de partículas finas e óxidos de nitrogênio oriundos da queima do diesel na atmosfera, o que vem exigindo medidas e investimentos emergenciais para preservar a saúde de milhões de pessoas.

Os impactos econômicos também contrariam a aprovação do projeto. O aumento da demanda, com oferta interna insuficiente, geraria a necessidade de ampliar ainda mais a importação do combustível fóssil. Em 2014, a importação de diesel chegou a 12 bilhões de litros, com um impacto negativo de quase US$ 9 bilhões na balança comercial.

De acordo com o Plano Decenal de Energia, em 2024, a importação de diesel representará 17% do consumo doméstico. Se ocorrer a liberação de veículos leves, esse número deverá crescer, gerando pressão pela importação de diesel, sujando a matriz de transportes e aumentando o déficit na balança comercial.

No dia 22 de abril, 174 países mais a União Europeia assinaram o Acordo de Paris em uma cerimônia de alto nível nas Nações Unidas. O evento sinaliza uma tendência global em direção à economia de baixo carbono, visando colocar em prática uma nova governança multilateral ligada ao combate das mudanças do clima.

Limpar a matriz energética e investir nos biocombustíveis são metas do Brasil perante o Acordo de Paris. Fomentar a criação de uma frota de veículos leves a diesel, que geraria demanda cativa por este combustível por décadas, não parece ser uma estratégia de reduzir emissões no setor de transportes.

Enquanto a União Europeia e os Estados Unidos apertam suas regras sobre o uso de diesel nos veículos leves e estimulam a adoção de carros elétricos e híbridos, novas gerações de biocombustíveis, como o etanol de segunda geração (2G) que começa a ganhar espaço no Brasil, o Congresso está na iminência de liberar carros leves a diesel.

Reduzir impactos à saúde, minimizar emissões de GEEs, fomentar energias renováveis e o desenvolvimento de novas tecnologias são elementos que compõem o que se chama de desenvolvimento sustentável. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável aprovados na ONU em 2015 estão em sintonia com essa agenda.

Aprovar carros leves a diesel demonstra a vanguarda das estratégias de transporte que o Brasil pretende seguir? Ou ilustra um retrocesso diante dos desafios do desenvolvimento de baixo carbono, onde tecnologias renováveis, melhorias na saúde, especialmente em grandes cidades, geração empregos verdes e incentivos a uma matriz de transporte cada vez mais limpa? A quem interessa a produção de carros a diesel no Brasil?

Caso os carros a diesel sejam aprovados, o Brasil será um comprador e disseminador de tecnologias que estão com os dias contados nos países que buscam trilhar o desenvolvimento de baixo carbono no setor de transportes. É uma escolha: ou consumimos um padrão tecnológico defasado, impondo custos sociais e ambientais altíssimos, ou investimos em tecnologias como o etanol, e suas novas gerações, associado aos carros elétricos e híbridos e à geração de bioeletricidade. Está nas mãos do Congresso Nacional escolher qual rumo seguir.

Rodrigo C. A. Lima é diretor geral da Agroicone