Esse texto começa como um daqueles filmes onde o personagem principal aparece morto e é preciso assistir ao filme inteiro para saber como a história chegou àquele desfecho.

BiodieselBR.com - Miguel Angelo Vedana 29 nov 2018 - 12:53 - Última atualização em: 29 nov 2018 - 17:40

Aqui, o título já entrega a conclusão: para recolocar a Etapa 3 dos leilões nos eixos, será preciso acabar com a Etapa 5. Resta, agora, entender a linha de raciocínio que – vale reconhecer – é bastante contraintuitiva. Afinal, como eliminar uma etapa posterior e concentrar todo o volume na etapa anterior poderia encurtá-la? Se o leitor acompanhar até o fim, vai entender o porquê.

Problema crescente

A duração da Etapa 3 dos leilões de biodiesel é um problema que não para de crescer. Quando se comprava biodiesel para atender à mistura de B7, uma Etapa 3 longa tinha cerca de nove horas de lances ativos. Quando veio o B8, nove horas passou a ser o tempo mínimo da Etapa 3 – houve disputas que chegaram a durar mais de 12 horas.

Apesar disso, a ANP não fez nada. Foi preciso a Etapa 3 do primeiro leilão de B10 durar mais de 21 horas para que a agência aumentasse o incremento mínimo das recompras das distribuidoras para R$ 10. Essa mudança funcionou somente em sua estreia. A Etapa 3 do L60 teve “apenas” 8h36 de duração. Nos certames seguintes, entretanto, a Etapa 3 voltou a se alongar. Foram 28h10 no L61; 14h06 no L62; e 35h47 no L63.

Para tentar conter o problema, a ANP aumentou novamente – dessa vez para R$ 20 – os incrementos mínimos. A modificação passa a valer já no L64. Isso certamente ajudará a reduzir o tempo do leilão, mas não é uma solução definitiva. Se a medida tivesse sido posta em prática no L63 a Etapa 3 teria durado, na melhor das hipóteses, pouco menos de 18 horas.

Esse ainda é um período muito longo para um leilão. E o problema tende a piorar no ano que vem, com a chegada do B11. Afinal, ele tornará a relação entre oferta e demanda de biodiesel ainda mais apertada do que é hoje.

Resolver o problema da duração dos leilões envolve olhar os números com muito mais profundidade e, principalmente, entender as motivações das distribuidoras.

Para começar, é preciso encarar a duração da Etapa 3 nos últimos 12 leilões de biodiesel.

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Olhando apenas para o volume comprado e o tempo de duração da Etapa 3 não é possível identificar claramente uma razão para que o Leilão 63 tenha durado tanto tempo a mais que o leilão 62. Para isso, é preciso fazer o cruzamento de mais dados.

Na tabela abaixo há uma correlação entre o ágio pago pelas distribuidoras e a duração da disputa. Ambos os dois leilões mais longos até o momento, o L63 e o L61, tiveram ágio próximo de 12%.

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Apesar ser possível uma relação clara na maior parte dos casos, o ágio e a duração do leilão não explicam algumas situações. O L60 e o L62, por exemplo, tiveram duração bem diferente entre si, embora o ágio pago pelas distribuidoras tenha ficado perto de 4,5%.

Para descobrir a razão dessa diferença é preciso analisar mais uma coluna de dados: o número médio de lances por hora. Esse valor é calculado a partir do total de lances dados ao longo da Etapa 3, que é dividido pela duração da disputa.

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A tabela acima mostra que a média de lances do L62 foi bem inferior à média do L60, quando houve o aumento do incremento mínimo das recompras.

A velocidade com que as distribuidoras dão seus lances faz muita diferença. Quando os incrementos estavam em R$ 5, a quantidade média de lances por hora era sempre maior que 309. Depois do L60, no entanto, a média nunca ultrapassou 266.

Assim, há boas chances de que o próximo leilão veja o encerramento da Etapa 3 apenas no segundo dia de lances, mesmo com um incremento mínimo de R$ 20.

Motivação das distribuidoras

Para entender porque as distribuidoras não estão com pressa na hora de dar lances é preciso conhecer o princípio que rege a compra de biodiesel por essas companhias. Afinal, para as distribuidoras, o biodiesel é a grande chance de diferenciar o preço do Diesel B nos postos ou aumentar a margem de lucro. Afinal, o diesel A é vendido pela Petrobras com o mesmo valor para todo mundo.

Durante o leilão o que as distribuidoras têm como princípio na hora de dar lances é não comprar biodiesel mais caro que o concorrente. Arriscar para comprar mais barato é menos importante, o que eles lutam é para comprar pelo mesmo valor médio ao fim do leilão.

É com esse objetivo em mente que as distribuidoras fazem suas estratégias de lances. Seguir esse princípio, por mais simples que possa parecer, tem implicações profundas sobre o ritmo em que novos lances são dados.

Como explicado anteriormente, as distribuidoras têm que comprar pelo menos 80% do volume total durante a Etapa 3. Mas elas sempre ultrapassam esse piso mínimo – no Leilão 63, encerraram a etapa com 97,7% do biodiesel comprado.

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A grande dúvida após o L63 era entender o motivo que levou as distribuidoras a comprar um percentual tão elevado na Etapa 3. Afinal, essa compra fez com que elas gastassem mais de R$ 350 milhões além do mínimo necessário com recompras de biodiesel.

Para facilitar a compreensão de como as distribuidoras decidem se param ou se continuam comprado, vamos fazer um leilão simulado com as três maiores distribuidoras. O objetivo é comprar biodiesel para o primeiro bimestre de 2019.

Cada distribuidora tem sua leitura de como será a demanda para esse período. Hipoteticamente, a BR acredita que o mercado consumirá 880 mil m³ de biodiesel, enquanto a Ipiranga aposta em 920 mil m³ e a Raízen e as outras distribuidoras menores apostam em uma demanda de 900 mil m³.

Em 2017, a participação da BR no mercado de diesel foi de 31%, a da Ipiranga foi 21% e a da Raízen foi 17%. A quarta colocada foi a Alesat, com 2,75%. Todas as outras 129 distribuidoras listadas pela ANP tiveram – somadas – 28,2% do mercado de diesel. É com base nesses números que faremos nossa pequena simulação.

O leilão começa e, como de costume, cada distribuidora compra rapidamente um pouco além do percentual mínimo exigido para a Etapa 3 – digamos que 85% de tudo o que esperam comprar no certame, ou 763 mil m³. Após atingirem essa marca, as distribuidoras passam a agir com mais cautela. Nesse ponto, o preço médio do biodiesel está em R$ 2.500 por m³ e, pelo volume ainda não comprado, é possível projetar que o preço médio na Etapa 5 será de, aproximadamente, R$ 2.800 por m³.

Pelo princípio que seguem, todas as empresas acabariam fazendo um preço médio parecido, já que sobrou o mesmo percentual para ser comprado na etapa 5.

O problema é que elas não têm acesso a quanto cada concorrente comprou e, dessa forma, passam a fazer leituras diferentes da situação com base somente no que elas mesmas compraram e no volume total.

Por sua projeção de demanda maior, a Ipiranga acredita que esse volume ainda está abaixo dos 85%. Ela deduz que algumas distribuidoras compraram menos que ela e, portanto, vão pagar mais caro no preço médio final do leilão que ela. Para a Raízen, os 85% seriam atingidos com em 765 mil m³, uma diferença pequena em relação aos 763 mil m³ já comprados. Para ambas, a Etapa 3 poderia acabar naquele instante.

Mas, para a BR, os 85% seriam atingidos com a compra de 748 mil m³. Com isso, os 763 mil m³ comprados representam 86,7% do volume que projetado para a demanda no 1º bimestre de 2019. Como o preço da Etapa 5 vai ser maior que o atual, a companhia precisa comprar, pelo menos, mais 1,7% para que sua média de preços (das Etapas 3 e 5) não fique acima da média geral, respeitando o segundo princípio.

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Ela decide, então, comprar mais 5,5 mil m³ – cerca de 2%.
Enquanto a Petrobras compra mais 5,5 mil m³, as outras distribuidoras, que não queriam mais comprar, estão sem dar lances. Apenas fazem ofertas a BR e as distribuidoras que perderam volumes já comprados devido às novas aquisições da BR. Só que, pelos volumes comprados em cada lance, Ipiranga e Raízen percebem que outra grande distribuidora está comprando. Elas não sabem qual, apenas que não se trata de uma distribuidora pequena.

É aqui que as coisas começam a se complicar. A BR para de comprar depois que adquiriu os 5,5 mil m³. Nesse momento, a Raízen volta a dar lances para se equiparar ao percentual: como uma concorrente está comprando, ela adquire outros 2%.

A BR, então, vê uma aquisição de grandes volumes e compra novamente mais um pouco. Com isso, o preço médio sobe para R$ 2.550 por m³. A Raízen e a BR seguem nesse jogo até comprarem 88% do volume total.

Nesse momento, a Ipiranga, que estava sem dar lances, vê que o volume comprado ultrapassou o que ela projetava como 85% do total. Com isso, ela entra novamente na dança com as outras distribuidoras.

Esse movimento continua até que o preço médio da Etapa 3 se aproxime daquele que foi projetado para a Etapa 5. Quando isso acontece, já não importa tanto se o concorrente comprou 90% ou 93% do total do certame na Etapa 3, pois os preços médios vão se alinhar. É nessa hora que o leilão realmente pode acabar.

Essa simulação é muito parecida com o que efetivamente aconteceu no L63 e com o que acontece em todos os leilões mais longos. Mesmo quando é provável que o preço da Etapa 5 fique menor que o da Etapa 3, as distribuidoras preferem não arriscar comprar menos que os concorrentes. Isso porque, para elas, é mais importante ficar com o mesmo preço dos concorrentes do que apostar em um preço mais baixo e perder.

Com isso, a fase mais arrastada do certame é sempre depois que as distribuidoras já compraram 80% do volume total. Não só porque é preciso ficar fazendo recompras, mas por que as distribuidoras dão lances em uma velocidade menor. É contra essa diminuição na intensidade de lances que é preciso lutar.

Abaixo, é possível ver a desaceleração.

Os gráficos mostram como o comportamento das distribuidoras muda no decorrer da Etapa 3. Nos momentos em que o encerramento automático ainda não está ativo, a quantidade de lances por minuto é menor. Mas ela atinge os patamares mais altos até serem comprados pouco mais de 80% do volume total do leilão e quando o encerramento automático está ativo. Depois desse período há uma evidente diminuição na quantidade de lances por minuto.

Esses dados coletados pelo BiodieselDATA reforçam o entendimento dado acima, de que as distribuidoras esperam e analisam os movimentos dos concorrentes para dar seus lances. Esse comportamento é obrigatório e essencial em razão do design do leilão de biodiesel. É por ser uma característica – e não um problema – do leilão que não é possível corrigi-lo apenas aumentando os incrementos mínimos.

Pelo fim da Etapa 5

Eis o momento em que a morte do personagem principal é explicada: é preciso acabar com a Etapa 5 dos leilões. Esse movimento não é traumático, mas natural à evolução dos leilões de biodiesel.

Os primeiros leilões do período de obrigatoriedade – de número 6 e 7 – foram realizados em pares. O 6º Leilão de Biodiesel era exclusivo para as usinas com Selo Combustível Social e o sétimo era aberto a todos os fabricantes. Essa divisão se manteve até os Leilões 10 e 11. No Leilão 12, a ANP entendeu que poderia passar a organizar as compras por etapas, sendo uma exclusiva para usinas com Selo e outra aberta a todas. O mesmo conceito é usado até hoje.

No entanto, a única justificativa para os leilões serem feitos dessa forma é “porque sempre foi assim”. Não há motivos práticos para que a Etapa 5 seja realizada, pois apenas três ou quatro usinas sem Selo Combustível Social participam dos leilões. Elas representam, no máximo, 2% das vendas.

Essa situação permite que o próximo passo evolucionário do leilão seja dado: unir a Etapa 3 e a Etapa 5. Nesse certame unificado, as distribuidoras continuariam tendo que comprar pelo menos 80% de volume de usinas com o Selo Social. Elas só não teriam que esperar um dia a mais para ter acesso às ofertas das usinas sem Selo.

Uma opção é que as usinas sem Selo tenham uma identificação e as distribuidoras façam o controle da porcentagem – ou a própria Petronect poderia fazê-lo automaticamente.

O fim da Etapa 5 e, consequentemente, da Etapa 4, reduziria o leilão em um dia. Mas o maior impacto seria sentido na Etapa 3, pois as distribuidoras não precisariam mais projetar se seus concorrentes estão comprando 85% ou 90%. Todos teriam que comprar o volume integral em uma mesma etapa.

Comprando todo o biodiesel em uma etapa, as distribuidoras vão manter uma alta quantidade de lances por minuto até que o volume chegue muito próximo do total estimado. As distribuidoras vão adquirir todo o volume de que precisam e parar de dar lances sem a preocupação de que alguma concorrente está tentando fazer uma média de preços melhor.

Essa mudança pode fazer com que a Etapa 3 volte a durar apenas um dia, mesmo em casos onde a diferença de preços pedidos pelas usinas for grande. A velocidade será possível porque as distribuidoras dão lances acima do incremento mínimo quando sabem que o preço irá subir além do valor que está sendo negociado. Um exemplo disso são as ofertas mais baixas do leilão. Se uma usina fez uma oferta a R$ 2.200 por m³ enquanto as demais estão em R$ 2.400 por m³, o preço dessa oferta sobe muito rapidamente, em saltos bem maiores que os atuais R$ 10 mínimos.

A realização do leilão de forma unificada tem como benefício indiscutível a eliminação de um dia na disputa e o potencial de acabar com o jogo de adivinhação entre as distribuidoras, reduzindo em muito a duração da Etapa 3.

Além disso, a ANP também precisaria cuidar melhor dos Preços Máximos de Referência. Com uma única etapa, haveria uma tendência de que os preços se nivelem pelos valores das ofertas mais altas.

O único inconveniente seria a eliminação da chance que as usinas têm de corrigirem sua precificação na Etapa 4. Mas o mercado já está bem crescido e as usinas têm que aprender a arcar com as consequências de suas decisões – certas e erradas.

O problema da solução

Nessa longa história, há um porém.

Essa ideia não poderia ser implementada com o marco legal atual. A portaria do Ministério de Minas e Energia (MME) que regulamenta os leilões é bastante específica sobre cada uma das etapas, exigindo a realização de todas elas.

O lado bom é que a mudança depende apenas do MME. Durante a Conferência BiodieselBR, os representantes do ministério se mostraram preocupados em resolver o problema da longa duração dos leilões e, desde que haja apoio de usinas e distribuidoras, a pasta parece aberta a alterar a portaria.

Essa mudança, de implementação relativamente simples, deve resolver o problema de longa duração e deixar o setor preparado para os leilões de B11 e B12. Nesse meio tempo, as companhias também já podem ir pensando em novas maneiras de negociar biodiesel.

Miguel Angelo Vedana, Diretor executivo de BiodieselBR e sócio da Consultoria Vedana & Goulart