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Emissões

Brasil está ‘no fundo do poço’ em políticas para o clima


O Globo - 10 dez 2014 - 11:27 - Última atualização em: 29 nov -1 - 20:53
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Enquanto as discussões da Conferência do Clima em Lima (COP 20) começam a se acalorar, uma ducha de água fria atingiu os delegados reunidos na capital peruana. O banho veio na forma de um novo relatório, divulgado pelas ONGs Germanwatch e Climate Action Network Europe e realizado por 300 especialistas, que concluiu: nenhum país elaborou políticas públicas satisfatórias contra as mudanças climáticas. O Brasil teve um desempenho particularmente vergonhoso. Caiu 14 posições, entre as 58 nações avaliadas, atingindo o “fundo do poço”, segundo o relatório. Em 2007, chegou a figurar entre os dez melhores.

Os países estudados pelo relatório anual, criado em 2005, são responsáveis por mais de 90% das emissões de CO2 do mundo. Assim como na edição anterior, as três primeiras posições ficaram em branco, um sinal de que nenhuma nação está cumprindo integralmente o seu papel para evitar que a temperatura global suba mais do que 2 graus Celsius – limite acima do qual, segundo estudos, poderia haver “consequências desastrosas”.

Dinamarca, Suécia e Reino Unido foram os países com maior nota. Austrália e Arábia Saudita terminaram na lanterninha. O Brasil ficou atrás de China e EUA – os maiores poluidores do planeta –, e de diversos emergentes, como México, Índia, África do Sul e Argentina.

“O desempenho do Brasil nos últimos anos parece ter atingido o fundo do poço, perdendo um total de 14 posições com a queda em quase todos os setores”, ressalta o relatório. No último documento, o país era o 35º entre os mais bem-sucedidos no desenvolvimento de políticas públicas contra as mudanças climáticas. Em 2011, o Brasil era o sétimo com maior rendimento em projetos voltados ao clima.

“As emissões cresceram principalmente na geração de eletricidade, aviação e construção civil” ressalta Jan Burck, coautor do relatório. “Esperamos que o país suba mais de 20 posições na próxima avaliação, se um novo documento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que será divulgado no ano que vem, indicar um progresso no combate ao desmatamento na Amazônia”.

Posição pode melhorar 
Diretor do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Osvaldo Stella concorda que a atualização dos dados sobre o desflorestamento vai catapultar o país para as melhores posições do ranking. “Os índices desatualizados sobre o desmatamento prejudicam principalmente dois países, a Indonésia e o Brasil”, destaca. “São os dois únicos avaliados em que a grande maioria das emissões vem das florestas. Então, se mostrarmos nossa luta contra a devastação das áreas verdes, vamos melhorar substancialmente nossa performance”.

O ano também foi crítico em outros setores da economia, que chutaram o Brasil para a lista dos países menos empenhados contra as mudanças climáticas.

“Os especialistas atuaram em uma conjuntura muito crítica para o país, em meio à seca e ao esvaziamento dos reservatórios”, lembra. “Houve uma diminuição da geração de energia por hidrelétricas e um consequente aumento na procura por combustíveis fósseis. Também foi um recado de que precisamos investir mais em energia renovável”.

O aumento da frota de veículos também foi problemático, porque a diminuição do preço da gasolina obscureceu o etanol, menos poluente e mais renovável.

“Esta situação conjectural precisa ser melhorada para não enveredarmos por um caminho muito ruim, em que todos esses problemas se tornem estruturais”, alerta. “Por isso precisamos de biocombustíveis, hidrelétricas e um melhoramento na política do transporte”.

Procurado pelo GLOBO, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que o levantamento deveria ser comentado pelo Ministério das Relações Exteriores. O Itamaraty não respondeu ao pedido de entrevista.

EUA e China
Origem da liberação de 45% dos gases poluentes do planeta, EUA e China tiveram um desempenho modesto – aparecem, respectivamente, na 44ª e na 45ª posições. No país asiático, as energias renováveis exercem um papel cada vez maior na geração de riquezas, mas novas usinas nucleares ainda estão sendo construídas.

Já na maior superpotência global, o nível de emissões está em queda desde 2008, principalmente no setor de transportes. No entanto, o estabelecimento de metas mais ambiciosas contra as mudanças climáticas esbarra em um Congresso resistente ao temor de que a política contra o carbono afete a economia.

“Ambos os países têm metas pouco ambiciosas” lamenta Burck. “Da forma como se comportam, a temperatura do planeta vai superar os 2 graus Celsius. Faltam estratégias de mitigação à altura do impacto que essas nações causam”.

Ontem, na COP 20, Austrália e Arábia Saudita fizeram jus às últimas posições que ocupam no ranking da Germanwatch. O governo do país da Oceania pediu que sua Barreira de Corais, que perdeu metade de seu ecossistema nos últimos 30 anos, deixe de ser considerado “em perigo”. Como compensação, anunciou doação do equivalente a R$ 430 milhões ao Fundo Climático Verde. Já autoridades sauditas sugeriram que petrolíferas sejam recompensadas para aderir a programas contra mudanças climáticas.

O secretário-geral da ONU, Ban ki-Moon, anunciou que a segunda edição da Cúpula do Clima deve ser realizada no ano que vem nos EUA, antes da Conferência de Paris. O primeiro encontro do tipo, promovido pelas Nações Unidas, resultou em uma grande injeção de recursos no Fundo Climático Verde, que agora acumula US$ 10 bilhões em doações.

“Todos os países devem chegar a um entendimento. Este não é um tempo para consertos, e sim para transformações”, reivindicou.

Um dos primeiros presidentes a chegar a Lima, o boliviano Evo Morales afirmou que diversos países são “ladrões” e “roubam carbono de outros”:

“Há um grande grupo de países que historicamente abusou da atmosfera e cometeu ecocídio”, ressaltou. “Após 20 anos ainda não colhemos resultados. Isso é um fracasso. Hoje encaramos o início do desaparecimento da raça humana”.