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Emissões

Barateamento do petróleo desafia acordo climático


Folha de S.Paulo - 10 fev 2016 - 14:31

Menos de dois meses depois da Conferência do Clima da ONU (COP21), em que líderes mundiais assinaram um acordo abrangente se comprometendo a reduzir as emissões de carbono de seus países, a energia renovável enfrenta seu primeiro grande teste: o desabamento do preço do petróleo.

Estimulados pela gasolina barata, muitos consumidores americanos estão optando por caminhonetes e utilitários esportivos seminovos em detrimento dos carros elétricos. No entanto, o governo Obama não dá sinais de recuar na sua exigência de que os fabricantes de automóveis quase dupliquem a economia de combustível em seus veículos até 2025.

Na China, as autoridades também estão tomando medidas para assegurar que a recente queda no preço do petróleo, que chegou a menos de US$ 30 por barril, não prejudicará seus programas de melhoria da eficiência energética.

Para que o acordo climático funcione, os governos precisam resistir à sedução dos combustíveis fósseis baratos e favorecer políticas que incentivem –e em muitos casos exijam– o uso de fontes energéticas sem emissão de carbono. No entanto, essas políticas podem ser caras e politicamente impopulares, especialmente quando os combustíveis tradicionais se tornam cada vez mais acessíveis.

“Este será um teste decisivo para os governantes. Veremos se eles levam ou não a sério aquilo que fizeram em Paris”, disse Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia.

Até agora, não há nenhum sinal de que os dois maiores consumidores mundiais de energia – Estados Unidos e China – estejam vacilando. Isso deixa os defensores do acordo otimistas de que o movimento não será contido. Além disso, apesar da recente turbulência nos mercados energéticos, os setores renováveis estão prosperando.

“O crescimento do uso da energia de baixo carbono, impulsionada por políticas e avanços tecnológicos, tende a continuar”, disse Jason Bordoff, especialista energético da Universidade Columbia, em Nova York. Apesar do barateamento do combustível, acrescentou, “as alternativas tecnológicas e as diretrizes políticas que estão reduzindo a demanda por combustíveis fósseis já estão começando a se fazer sentir”.

Nos Estados Unidos, o Departamento de Energia projetou recentemente que o consumo total de energia renovável crescerá 9,5% neste ano nos EUA, e as perspectivas de longo prazo parecem excelentes. Só a geração de energia solar em escala industrial deve aumentar 45% até 2017.

Na China, o governo implementou uma nova regra segundo a qual o preço da gasolina continuará sendo calculado com base no barril a US$ 40, por mais que a cotação caia abaixo disso. O objetivo é evitar que a gasolina e o diesel se tornem tão baratos que a população passe a consumi-los indiscriminadamente.

As refinarias chinesas, controladas pelo Estado, não poderão reter o lucro decorrente de comprar petróleo barato e vender derivados como se o barril ainda estivesse a US$ 40. O governo chinês vai se apropriar da margem de lucro adicional e destinar esse dinheiro a um fundo especial de conservação energética e controle da poluição.

Ainda assim, no mundo como um todo, o quadro não é totalmente róseo para as tecnologias sem emissão de carbono.

O baixo preço do petróleo compromete o desenvolvimento de combustíveis alternativos que substituam os derivados de petróleo nos transportes e na indústria, o que inclui a pesquisa com biocombustíveis, outrora tão promissora. O petróleo barato também reduz o preço do diesel, o principal concorrente das energias renováveis no esforço para levar a eletricidade a áreas rurais pobres da África e do Sudeste Asiático.

Além disso, se o apoio governamental minguar, os setores ligados aos combustíveis alternativos poderão se ressentir.

Na Espanha, o desenvolvimento das energias renováveis praticamente parou desde que o governo começou a reduzir auxílios, em 2009, devido à crise econômica. No Reino Unido, analistas dizem que os setores da energia eólica e solar podem entrar em colapso devido ao fim de subsídios para energias renováveis. Duas empresas globais de energia eólica recentemente cancelaram projetos no país.

Muitos países em desenvolvimento estão tirando proveito da redução do preço do petróleo para eliminar subsídios ao consumo de combustíveis fósseis. Índia, Indonésia e Angola já tomaram medidas nesse sentido, um movimento que, segundo economistas, poderá futuramente evitar a queima de milhões de barris de petróleo por ano.

A Arábia Saudita, um dos maiores consumidores mundiais de energia, aumentou no mês passado em 50% o preço da gasolina e em 67% o do gás natural para a indústria e a geração elétrica.

Partidários do acordo climático dizem que o baixo valor do petróleo pode ter efeitos díspares sobre o avanço das energias renováveis. “É uma faca de dois gumes”, disse Amy Myers Jaffe, especialista em energia da Universidade da Califórnia, em Davis. Ela observou que o barateamento do petróleo está levando a uma redução dos investimentos em prospecção, o que significa menos emissões de metano nos locais dos poços.

No entanto, ao mesmo tempo, Jaffe observou que a gasolina barata estimula o uso do automóvel e também de veículos maiores. “É paralisante para os carros elétricos”, disse, “porque a única coisa que fazia as pessoas pensarem em comprar um carro elétrico era que era muito caro encher o tanque com gasolina”.