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Pinhão-manso

Pinhão-manso: insucesso ou erro de estratégia?


Guy de Capdeville e Bruno Galveas Laviola - 11 set 2013 - 08:09 - Última atualização em: 11 set 2013 - 10:15

A cultura do pinhão-manso (Jatropha curcas) tem sido foco de artigos recentemente publicados em diferentes revistas brasileiras e internacionais que fazem críticas a essa cultura e apresentam duvidas de que ela venha a atender a demanda por biocombustíveis no presente e no futuro. Apesar de algumas dessas matérias terem tratado de aspectos realmente importantes em relação às dificuldades enfrentadas para o estabelecimento do pinhão-manso para produção de biocombustíveis, acreditamos que os autores das mesmas incorreram em alguns equívocos por se basearem somente em informações que foram publicadas até o início de 2011 e não no conhecimento gerado em relação ao pinhão-manso por algumas instituições de pesquisa nacionais e internacionais nos últimos dois anos. Tal fato se deu, provavelmente, por que muitas das informações produzidas pela Embrapa e seus parceiros não foram ainda publicadas, pois a experiência passada nos mostrou claramente que propaganda sem embasamento pode levar produtores e mercado consumidor a um desânimo e até mesmo a prejuízos de proporções consideráveis.

Concordamos e reforçamos que o pinhão-manso não apresenta condições, hoje, para ser explorado comercialmente e ser fonte imediata de matéria-prima para produção de biodiesel ou outro biocombustível como o bioquerosene de aviação. Ainda não temos cultivares comerciais e sistemas de produção que possam dar suporte ao seu cultivo nas diferentes regiões do Brasil e acreditamos que mais alguns anos de pesquisa sejam necessários para que os gargalos tecnológicos que atualmente  inviabilizam a cultura sejam resolvidos.

Como é do conhecimento de muitos, com o intuito de resolver tais gargalos a Embrapa e seus parceiros vêm pesquisando o pinhão-manso por meio de diversos projetos de pesquisa. Sendo o pinhão-manso uma espécie perene, há muitos desafios para viabilizar comercialmente essa oleaginosa, porém não podemos ignorar todos os esforços da rede de pesquisa da Embrapa e seus parceiros. Nos últimos 5 anos, foram geradas muitas informações (algumas já publicadas) que não eram conhecidas no ano de 2007, quando houve uma corrida mundial de diversas frentes, principalmente empresas, com objetivos comerciais. No período citado a Embrapa Agroenergia fez e ainda está fazendo o seu papel como uma empresa de pesquisa no que se refere a pinhão-manso, que é buscar e viabilizar soluções para a consolidação de novas matérias primas para produção de biocombustíveis.

Para prover conhecimento e domínio tecnológico do cultivo de pinhão-manso, a Embrapa vem desde o ano de 2008 estruturando, coordenando e participando de projetos de pesquisa em redes nacionais e internacionais. Podemos citar como principais projetos: “Fontes Alternativas de matérias primas para produção de agroenergia”, financiado pela Embrapa, Petrobrás e Finep; “Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Pinhão-Manso para Produção de Biodiesel - BRJATROPHA”, com financiamento da Finep/MCTI; “Jatropha curcas: Applied and Technological Research on Plant Traits – JATROPT”, com financiamento da União Européia (FP7). Estes projetos em conjunto com outros de menor porte geraram e estão gerando uma série de informações sobre o cultivo de pinhão-manso.

Podemos destacar como conquistas da rede de pesquisa da Embrapa e parceiros os seguintes avanços: i) o estabelecimento de bancos ativos de germoplasma com respectivo planejamento para o enriquecimento do banco com acessos provenientes do centro de origem; ii) a caracterização dos recursos genéticos do BAG com descritores fenotípicos e genotípicos (marcadores moleculares); iii) estabelecimento de bases para aplicação da estratégia conhecida como seleção genômica que permite acelerar consideravelmente os programas de melhoramento onde é aplicada, iv) a compreensão do comportamento fisiológico e fenológico da espécie em todas as regiões geográficas do Brasil; v) a tecnologia de produção de sementes; vi) a tecnologia de clonagem e de produção de mudas; vii) a compreensão do sistema reprodutivo da espécie visando o desenvolvimento de estratégias para garantir uniformidade na produção; viii) o levantamento completo de doenças, pragas e plantas daninhas da cultura, incluindo testes de eficiência de inseticidas, fungicidas, bem como estudos econômicos em plantios juvenis (menos de 4 anos), que nos permitiram identificar os índices técnicos que devem ser focados pela pesquisa nos próximos anos; e ix) com as informações acima propor sistemas de produção adaptados a diferentes regiões do país. Considerando-se outras ações como o melhoramento genético e o desenvolvimento de sistemas de manejo (adubação, podas, espaçamentos, mapa de aptidão, viabilidade de consórcios, ...), atualmente os experimentos estão em fase de avaliação e serão necessários pelo menos dois a cinco anos para fechar um primeiro ciclo de pesquisa na espécie (considerando que o pinhão-manso é uma planta perene, cuja produção comercial inicia-se após o quarto ano de cultivo). 

No que se refere ao aproveitamento de coprodutos e resíduos da cultura, tem-se trabalhado na destoxificação da torta de pinhão-manso por processos físico-químicos e biológicos (existe hoje um depósito de patente da Universidade Federa de Viçosa) e por meio da exploração da variabilidade genética para ausência de toxidez (genótipos de origem mexicana, cujos indígenas usam na alimentação). Estas ações permitirão que a torta do pinhão-manso seja incluída na nutrição animal uma vez que os estudos apontam inúmeras qualidades nutricionais da mesma. Como fertilizante, caracterizações químicas tem mostrado que a torta apresenta-se como um excelente adubo orgânico e estudos iniciais tem mostrado que os ésteres de forbol são degradados entre 15 a 25 dias nos solos. Resultados interessantes também foram obtidos quanto ao uso da casca do fruto na produção de briquetes, cujo aproveitamento poderá agregar valor à matéria-prima, além de permitir produção de energia elétrica.

No que se refere à matéria-prima para produção de biodiesel, temos total consciência que a soja será a principal matéria-prima nos próximos 10 a 20 anos. Porém, sendo a Embrapa uma empresa de pesquisa, acreditamos que devemos continuar a busca pela diversificação, com o fortalecimento das pesquisas com dendê e na continuidade das ações de pesquisas com fontes alternativas para biocombustíveis, o que inclui o pinhão-manso, palmeiras nativas (macaúba, inajá, babaçu, tucumã, etc.) e outras espécies vegetais produtoras de óleo. Aqui a palavra chave é diversificação.

Adicionalmente ao apresentado acima é importante frisar as diferentes parcerias que estão sendo firmadas pela Embrapa com empresas e instituições de pesquisa estrangeiras para acelerar a introdução de novos materiais no Banco Ativo de Germoplasma da Embrapa e para acelerar o desenvolvimento de novas cultivares de Pinhão-manso. Aqui se podem citar as recém firmadas parcerias com a Startup Americana SGBiofuels e com o INIFAP do México.

É de conhecimento de qualquer pesquisador na área agrária, principalmente aqueles envolvidos com trabalhos de melhoramento genético e de desenvolvimento de sistemas de produção, que não é trivial domesticar uma cultura ao ponto de sua utilização comercial. Este tem sido o foco de muitos críticos da cultura do pinhão-manso. Entretanto, se na época em que se iniciaram os estudos com a cultura da soja, os mesmos críticos tivessem escrito artigos tão negativamente contundentes em relação àquela cultura como alguns que foram recentemente publicados em relação ao pinhão-manso e, se a comunidade científica tivesse considerado os questionamentos feitos em relação àquela cultura como um desestímulo aos estudos que na época se faziam necessários, muito provavelmente não teríamos o desenvolvimento que temos hoje para a cultura da soja. É óbvio que qualquer cultura para ser viável economicamente precisará de estudos de diversas naturezas e que tais estudos necessitarão ser contínuos para que se possa responder com agilidade a qualquer novo desafio que for imposto à cultura (necessidade de cultivo em áreas de expansão, novas pragas introduzidas, novas demandas por produtividade, qualidade, etc.). A soja ainda demanda e continuará demandando estudos dessa natureza.

Portanto, ao se analisar o histórico da cultura no Brasil, fica claro que o insucesso atribuído por muitos à cultura do pinhão Manso foi de fato mais um erro de estratégia do que necessariamente um insucesso. Houve pressa irresponsável, fato que atropelou o fluxo normal de desenvolvimento científico e comercial da cultura.

De qualquer forma, apesar de conhecermos os desafios que a cultura do pinhão-manso ainda nos impõe, o que acreditamos ser a realidade é o fato de que, país com matriz energética sustentável e economicamente viável será aquele que possuir maior diversidade de opções para geração de energia. Não negamos nem desconhecemos os desafios. O que negamos é o medo de enfrentá-los com responsabilidade científica e respeito ao setor produtivo. E por isso continuaremos cumprindo os objetivos da Embrapa Agroenergia, focando nossas ações em pesquisas desafiadoras para benefício da sociedade brasileira.

Guy de Capdeville e Bruno Galveas Laviola são pesquisadores da Embrapa Agroenergia