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Incentivo ao biocombustível desestabiliza mercado de alimentos, dizem relatórios


Inovação unicamp - 25 out 2011 - 10:54 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:18

Dois relatórios sobre a situação da fome no mundo, divulgados no início do mês, apontam a demanda de produção agrícola para o uso em biocombustíveis como um fator importante na instabilidade internacional dos preços de alimentos, que vem agravando a fome em áreas mais vulneráveis do mundo, como o Chifre da África, região que inclui países como Etiópia e Somália.

O relatório O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo – 2011, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), menciona os biocombustíveis, ao lado do aumento do consumo de alimentos em economias em rápida expansão, do crescimento populacional e da mudança climática, como um fator preponderante na alta e na volatilidade dos preços agrícolas.

“A volatilidade dos preços faz com que os pequenos fazendeiros e os consumidores pobres fiquem cada vez mais vulneráveis”, alerta a FAO. “Como a comida representa uma grande parcela da renda do fazendeiro e do orçamento do consumidor pobre, grandes mudanças de preço têm grandes impactos na renda real”.

O órgão da ONU destaca que os preços dos alimentos, ajustados pela inflação, vinham caindo de 1960 ao início deste século, mas voltaram a subir a partir de 2003, numa tendência de alta que se acentuou a partir de 2006, intensificação que perdurou até 2008.

“As elevações abruptas pegaram muitas pessoas de surpresa, e levaram à preocupação quanto à capacidade da economia mundial em alimentar adequadamente bilhões de pessoas”, diz o texto.

Entre os fatores envolvidos são citados a queda na cotação do dólar e crises climáticas, como secas e enchentes, mas também os incentivos e subsídios à produção de biocombustíveis e a especulação financeira em mercados futuros.

A FAO afirma que a expectativa é de alta continuada nos preços, por conta do crescimento populacional e econômico, que pressiona a demanda, e da ampliação do uso de biocombustíveis, “dependendo das políticas de biocombustível e dos preços do petróleo”.

O relatório chama atenção para o fato de que os biocombustíveis estabelecem um elo entre os preços dos alimentos e o preço do petróleo, já que a demanda por combustíveis de origem biológica tende a aumentar quando o barril do petróleo se torna mais caro.
“Como os preços do petróleo têm sido historicamente mais voláteis que os dos alimentos, os mercados mundiais de alimentos poderão se ver sujeitos uma volatilidade maior”, diz o texto. Os principais mercados afetados dessa forma, de acordo com a FAO, são o de milho e oleaginosas, como a soja.

 

A determinação de metas para o consumo de biocombustíveis, diz o texto, cria uma “rigidez” que exacerba os conflitos entre oferta e demanda

Novo canal
O Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar (IFRPI, na sigla em inglês), baseado nos EUA, publicou seu Índice da Fome Mundial, que aponta como principais desafios para a segurança alimentar as altas súbitas e a volatilidade dos preços, implicando os biocombustíveis no processo.

Seguindo a mesma linha do trabalho da FAO, o informe o IFRPI acusa, como causadores desses fenômenos, “o uso crescente de lavouras alimentares para biocombustível, eventos climáticos extremos e mudança climática, e um aumento do volume de negócios em futuros de commodities”.

Numa seção de seu relatório intitulada “Os biocombustíveis estão bombando”, o instituto relata que o aumento nos preços do petróleo, somado à imposição de cotas de consumo de biocombustível pelas economias da Europa e dos EUA, está levando os fazendeiros a destinar sua produção para esse tipo de insumo.

A determinação de metas para o consumo de biocombustíveis, diz o texto, cria uma “rigidez” que exacerba os conflitos entre oferta e demanda, e amplifica a volatilidade global dos preços.

O IFRPI nota que, embora os mercados de alimentos e combustível sempre tenham estado ligados – por conta dos custos de energia e transporte – a demanda por biocombustíveis gera “um novo canal” entre ambos, que deve desestabilizar ainda mais o preço da comida.

O relatório cita previsões de que a demanda por biocombustíveis deve aumentar quatro vezes até 2035, em comparação com 2009.

Em suas recomendações, o IFRPI se refere às políticas públicas favoráveis aos biocombustíveis como um “grande desafio”, e sugere que, principalmente nos EUA e na Europa, essas políticas sejam revisadas, de modo a minimizar o impacto do biocombustível no mercado de alimentos.

“Para enfrentar as principais causas da volatilidade excessiva, os agentes públicos precisam reduzir as metas e subsídios aos biocombustíveis, desencorajar o uso de culturas alimentares para a produção de biocombustível, regulamentar a atividade financeira dos mercados de alimentos e reduzir os incentivos para a especulação”, disse, por meio de nota, o diretor de Mercados, Comércio e Instituições do IFPRI, Maximo Torero.

Outra recomendação é uma mudança no foco da promoção desses combustíveis alternativos, com uma ênfase maior para a produção de biocombustível de segunda geração, que usa partes das plantas geralmente não aproveitadas como alimento.

Brasil
Nenhum dos dois relatórios trata diretamente da situação brasileira, onde há programas de incentivo para o uso de cana e soja na produção etanol e biodiesel. As principais vítimas dos efeitos negativos apontados em ambos os trabalhos são populações pobres da África e da Ásia.

Em agosto, o governo brasileiro anunciou que a Petrobras tem planos de investir US$ 2,5 bilhões na ampliação da produção nacional de biodiesel e etanol até 2015. Um investimento de US$ 300 milhões está previsto para o desenvolvimento do etanol de segunda geração.

O relatório da FAO identifica uma queda de 31,5% no número de brasileiros desnutridos entre 1990 e 2008. No índice da fome do IFRPI, o Brasil aparece em posição invejável, com a severidade do problema considerada “baixa” (países como Colômbia, África do Sul e China, por exemplo, estão numa categoria pior, de fome “moderada”). O governo brasileiro vem sustentando que o incentivo ao biocombustível, da forma como existe no país, é compatível com a produção de alimentos.

Carlos Orsi
Fonte: Inovação Unicamp
Tags: Alimento