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2007

Entrevista: Univaldo Vedana


Fevereiro 2007 - 26 fev 2007 - 11:49 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Vocação regional e fiscalização podem impulsionar a produção de biodiesel

Expansão da demanda deve respeitar a manutenção do abastecimento da indústria alimentícia, diz especialista em biodiesel

O biocombustível é a grande aposta do Governo Federal para consolidar a posição do Brasil como um dos grandes fornecedores de combustível no mercado mundial. Um dos pilares dessa política, o biodiesel tem como objetivos atender a demanda interna e buscar bons resultados nas exportações. No entanto, já existem inúmeros problemas em relação a irregularidades na comercialização e o setor busca as melhores maneiras de fiscalização e legalização das usinas.

 

Em entrevista ao Projeto Brasil, o diretor da BiodieselBR.com e responsável pela primeira fábrica de biodiesel do País abrangendo todo o processo de produção, Univaldo Vedana, explicou como a fiscalização é feita atualmente pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), contando que os documentos necessários para legalização de usinas não são de difícil obtenção.

 

Segundo Vedana, o grande problema da produção nacional de biodiesel está na matéria-prima: somente a soja pode atender o mercado interno, mas seu preço está alto e o seu uso em demasia pode prejudicar a indústria de alimentos. O diretor da BiodieselBR.com defende a utilização de novos insumos, respeitando a vocação agrícola regional. Sua proposta é que as novas matérias-primas sejam plantadas no período de entressafra na colheita da soja, pois assim haveria produção específica para o biodiesel.

 

Para ter condições de exportar biocombustíveis, Univaldo Vedana também atenta para a necessidade de melhorias nas condições logísticas brasileiras nos portos.

 

Projeto Brasil: Como deve ser o modelo de produção do biodiesel?

Univaldo Vedana: Desde o começo, vemos o modelo de produção do biodiesel em dois caminhos: pequenas usinas regionais para atender a demanda local, e grandes usinas para atender o mercado interno e a futura exportação.

 

PB: Como fiscalizar as pequenas usinas regionais?

UV: A ANP deve se encarregar disso, pois tem atribuições legais para estabelecer toda essa fiscalização. Como instrumentos, já existem as resoluções da ANP e a lei 11.116, que dá poderes e obriga qualquer produtor de biodiesel a ter todos os registros exigidos por lei.

 

PB: Mas como é a fiscalização da manutenção desses registros?

UV: Começa no momento em que o empresário produz biodiesel para uso e consumo próprio em pequena escala: deve se fazer toda a regularização junto aos órgãos do meio ambiente, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o registro especial na Receita Federal como produtor de biodiesel e o registro da ANP. E ainda tem todas as exigências que o empresário é obrigado a prestar como uma grande usina, em termos de amostra e de qualidade do biodiesel. Não se pode trabalhar à margem da lei por ser um produtor de 10 mil litros por dia.

 

PB: Como estimular a legalização de usinas?

UV: A ANP deve fazer seu trabalho normalmente, como em outubro de 2006, quando fiscalizou de oito a dez usinas que estavam irregulares no Mato Grosso. Nossa orientação é constituir a empresa e buscar todos os registros conforme a lei manda para começar a trabalhar. Não são registros impossíveis de serem obtidos perante os órgãos competentes, é só uma questão burocrática.

 

PB: Há mercado para a região Norte investir em novas usinas?

UV: Sim. No Norte, as pequenas usinas vão trabalhar em produção de biodiesel para consumo próprio. As usinas que estão irregulares pretendem receber matéria-prima dos produtores rurais, processar, industrializar e devolver o biodiesel ao produtor rural para uso e consumo próprio. Não vejo nenhum impedimento legal em prestar esse serviço ao produtor rural, pois não se caracteriza uma venda – que só pode ser feita para as distribuidoras, e não para o consumidor final.

 

PB: Uma das grandes expectativas do biocombustível é a sua capacidade de inclusão social. Como está essa questão atualmente, considerando a agricultura familiar?

UV: A agricultura familiar foi beneficiada por lei na produção de oleaginosas para o biodiesel. Porém, não temos ainda uma produção expressiva de grãos em cima da agricultura familiar. Esse projeto está começando, temos um longo trabalho pela frente e muitos problemas a serem resolvidos, como a escolha da melhor oleaginosa para cada região. O Governo disse que a mamona poderia ser plantada do Oiapoque ao Chuí para biodiesel e todos lucrariam, só que na realidade tem limitações em algumas regiões. A natureza deve ser observada e seguida.

 

PB: O que é o Selo Combustível Social?

UV: O Selo Combustível Social foi instituído pelo Decreto 5297, que estabelece que as usinas devem produzir biodiesel com 10% a 30% das matérias-primas oriundas da agricultura familiar, e recebem isenção de 33% a 100% do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). A idéia do Governo era incentivar a agricultura familiar, mas somente os plantadores de mamona e dendê do Norte e Nordeste são premiados com 100% de isenção. Ou seja, o Governo achou que só tem produtor pobre e com problemas nessas regiões, discriminando os outros produtores do Brasil inteiro e as outras oleaginosas. Teria que ser um decreto abrangente em todo território nacional, favorecendo os pequenos produtores que produzissem qualquer oleaginosa para o biodiesel.

 

PB: O que pode ser feito no biodiesel para gerar empregos?

UV: O aproveitamento do óleo de cozinha usado, por exemplo, ainda é um projeto embrionário. Mas isso é muito pequeno e o potencial é muito grande. Há necessidade de incentivo à geração de empregos no recolhimento do óleo de cozinha, porque isso envolve muitos trabalhadores, cooperativas e associações de bairro, além de conscientizar as donas de casa para jogarem o óleo de cozinha no ralo, pois pode virar combustível e trazer um resultado econômico na família. Em Goiás, a Granol está trocando quatro ou cinco litros de óleo de cozinha usado por um litro novo. E temos alguma coisa sendo feita com a prefeitura e alguns empresários de Indaiatuba, interior de São Paulo. São iniciativas interessantes, mas precisamos difundir isso no Brasil inteiro.

 

PB: Qual o principal problema para produção de biodiesel no Brasil?

UV: Há problemas na produção de matéria-prima. Montar uma usina de biodiesel é a parte mais fácil e rápida do projeto, o problema está no campo. Precisamos de milhões de litros por mês de vegetais para transformar em biodiesel, e temos somente óleo de soja para atender à grande demanda interna. Exatamente em função de sua utilização em nível mundial para biodiesel, o preço da soja aumentou de US$ 0,22 (R$ 0,46) por libra/peso em outubro de 2006 para cerca de US$ 0,30 (R$ 0,72) atualmente. Com o preço final do diesel em torno de R$ 1,70 e R$ 1,80, o usineiro de biodiesel não consegue pagar as contas e lucrar.

 

PB: Mas há matéria-prima suficiente para suprir a demanda interna?

UV: Não, só tem o óleo de soja. Mas se o Brasil produzir dois bilhões de litros de biodiesel, por exemplo, faltará óleo de soja para a alimentação. No setor alimentício, o Brasil amassa cerca de três bilhões de litros de óleo de soja por ano, uma parte é exportada e outra é consumo interno. Se tomarmos 50% desse óleo e transformá-lo em combustível, vai ter problema de abastecimento do mercado interno.

 

PB: Como equilibrar a utilização de insumos para alimentação e combustível?

UV: O biodiesel brasileiro deve ser produzido sem mexer na safra de verão, mantendo a produção atual de óleo de soja e de ração animal inclusive para exportação. Para biodiesel, temos que plantar outras oleaginosas específicas, como mamona, nabo forrageiro, pinhão-manso, linhaça, girassol, palma, dendê, babaçu... Temos uma infinidade de plantas que podem suprir essa demanda de combustível sem mexer na safra de verão.

 

PB: O que o Governo poderia fazer para estimular a produção?

UV: O presidente Lula declarou em Iraquara, na Bahia, que precisa aperfeiçoar o programa para que seja economicamente interessante. Um dos problemas que o Governo Federal pode e deve mexer é a carga tributária: o Brasil andou na contramão dos outros países na tributação do biodiesel, e passou a cobrar uma carga tributária excessiva. As empresas que não têm o Selo Combustível Social e vendem biodiesel a R$ 2, por exemplo, pagam 11% de PIS e Cofins por litro (R$ 0,22); o Imposto Cobrado sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) também tem problemas. Para realmente incentivar a produção de um novo combustível, deve haver alguma isenção temporária, como fez a grande maioria dos países. Se nada for feito, vamos ficar com o biodiesel patinando por mais um bom tempo.

 

PB: Como deve ser feita a escolha de insumos?

UV: Temos de trabalhar de acordo com a vocação agrícola de cada região e a oleaginosa que melhor se adapte. A palma, por exemplo, tem boa adaptação no Norte e no sul da Bahia, onde seu plantio deve ser incentivado. Mas não se produz palma no resto do Brasil.

 

PB: Esse respeito à vocação regional não estimula a utilização da soja como insumo?

UV: A soja é muito usada porque seu agronegócio vem se consolidando há 50 anos. Hoje, quem pensa em usina de biodiesel deve pensar também em óleo de soja, porque é o único disponível. Precisamos utilizar nossas áreas agrícolas que plantam soja no verão para produzir outras oleaginosas quando a terra fica nua, no período de março a outubro. A soja é colhida em fevereiro, março e abril praticamente no Brasil inteiro; até novembro, pode se plantar girassol, nabo, granola, vinhaça e muitas oleaginosas no período de entressafra do verão. Então, colhe-se a safra específica para o biodiesel e planta-se de novo a safra de verão normal.

 

PB: Por que isso não é feito hoje em dia?

UV: O produtor rural tem todas as condições de plantar: terra, tecnologia, vontade de trabalhar e produzir; só precisa de garantia de compra em contrato. Na região de Goiás, por exemplo, a Caramuru Alimentos, entre 2001 e 2004, incentivou os produtores a plantarem girassol em fevereiro e março, garantindo a compra em contrato. Cerca de 80 mil hectares de girassol foram plantados especificamente para atender a esse contrato. Mas, com a valorização do Real, a Caramuru Alimentos botou o pé no freio, porque compensava mais importar o óleo de girassol do que plantar. Com isso, as regiões que plantavam 20 ou 30 mil hectares de girassol na safrinha ficaram sem contrato e passaram a não plantar mais.

 

PB: Como funcionam os leilões de biodiesel?

UV: O Governo criou os leilões como uma forma de mostrar que o biodiesel realmente existe. Só podem participar do leilão as empresas com o Selo Combustível Social, e as distribuidoras são obrigadas a comprar esse biodiesel. Os leilões acontecem desde o ano passado para avaliar o mercado do biodiesel, mas são passageiros. No futuro, o mercado será livre e os produtores venderão diretamente para uma distribuidora.

 

PB: Qual a perspectiva para o Brasil exportar biodiesel?

UV: Não resta dúvida de que o Brasil terá potencial para exportar biodiesel, só que é um sonho por enquanto. Primeiro, temos que abastecer um mercado interno muito grande. Por isentar PIS, COFINS e ICMS, a exportação pode ocorrer, mas temos uma série de problemas de porto, infra-estrutura e produção a serem resolvidos, já que o biodiesel exige tanques fechados em navio separado e armazenagem específica no porto. Hoje, se existissem condições de logística, o produtor de biodiesel preferiria exportar a abastecer o mercado interno.

 

PB: Excluindo esses problemas logísticos, há alguma previsão de quando deve começar a exportação do biodiesel?

UV: Vai levar alguns anos ainda. Não resta dúvida de que o mercado no Exterior é do tamanho do mercado de petróleo, tanto para biodiesel quanto para óleos que poderiam ser transformados em biodiesel em qualquer outro lugar do mundo. Só que não podemos exportar se não atendemos o mercado interno.

 

PB: Os Estados Unidos e a Europa seriam os grandes adversários do Brasil no mercado internacional de biocombustíveis?

UV: Não acredito que sejam os EUA, porque eles têm um mercado interno enorme para ser abastecido. No etanol, os EUA são importadores brasileiros, e seguramente também serão compradores do nosso biodiesel quando tivermos condições de exportar. A Europa também deve importar o biodiesel brasileiro, pois precisa atender às suas normas de mistura até 2015 e precisa de bilhões de litros.

William Correia  -  Projeto Brasil