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Décio Luiz Gazzoni

O tesouro da superfície


Décio Gazzoni - 22 set 2009 - 12:57 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:09

Ou eu sou muito inquieto, ou a sociedade brasileira é muito acomodada. Digo isto por uma série de motivos, dois dos quais me perturbam muito. O primeiro, é que perdemos a capacidade de nos indignar com corrupção, falcatruas, desmandos, desvios, criminalidade, injustiças – ou falta de justiça, ou ainda justiça demorada. O outro, que não necessariamente tem a ver com o primeiro, é que somos pautados com muita facilidade. Um assunto é posto em pauta, normalmente sem contraditório, e a discussão gira em torno de detalhes do tema: dificilmente as alternativas a ele são colocadas.

Intróito posto, vamos ao ponto. O Governo encaminhou ao Congresso a proposta de marco regulatório da exploração das jazidas de petróleo da região do pré-sal. Está dada a pauta, discute-se o pré-sal, se as reservas têm 30, 50 ou 90 bilhões de barris, se o sistema de exploração deve ser de partilha ou concessão, se os roialties ficam só com os estados beira-mar do pré-sal ou se todos deveriam ser beneficiados, se devemos criar um fundo soberano, se sobreviveremos à doença holandesa, entre outros. Ou seja, como diz o gaudério, giramos em volta do toco – e o toco é o pré-sal. De repente, não existe mais o problema das mudanças climáticas globais. A discussão pós Kyoto, que se inicia em dezembro, em Copenhagen, parece que foi adiada sine die.

De repente – não mais que de repente – convenientemente nos esquecemos que o Brasil possui a matriz energética mais limpa do mundo e que tem a obrigação de pugnar por preservar e ampliar este patrimônio. O emprego, a interiorização do desenvolvimento, as oportunidades democráticas de renda, não são mais prioridades. Ninguém mais lembra que a sociedade global caminha para um câmbio paradigmático, em que as energias renováveis substituirão, progressivamente, a energia fóssil e suja, ao longo deste século. E que o Brasil está fadado a ser o protagonista desta mudança, ser a locomotiva do novo paradigma, seja energia eólica, solar ou de biomassa.

Nova pauta
É neste ponto que a minha banda de controvérsia fica inquieta, pois não aceito pratos feitos. Ótimo que Deus tenha colocado dezenas de bilhões de barris de petróleo no nosso sub-mar. Porém, será que o mesmo Deus que provê é o que nos pregou uma peça? Tivéssemos descoberto esta riqueza há 50 anos, estaríamos esgotando a sua exploração, já teríamos nos saciado com sua riqueza, e poderíamos nos alinhar com a maior cara-de-pau ao discurso ambientalista do futuro. Mas, atirar-se na exploração do pré-sal sem esgotar a discussão das alternativas, quando o mundo busca, desesperadamente, livrar-se da energia suja, é uma ironia do destino - a revogação de nosso passado de bom comportamento ambiental no setor energético. Mas será que Deus foi tão sacana assim com o Brasil? Afinal, Deus não é brasileiro?

Parto da hipótese de que Deus é brasileiro, sim senhor. Colocou o petróleo escondido lá no pré-sal, para ser descoberto no momento errado, mas nos deu solo fértil e extenso e clima tropical adequado para produzir muita, mas muita biomassa. Um exagero de biomassa, coisa que nenhum outro país consegue produzir, de forma competitiva. E também colocou dentro de nossas fronteiras um povo com capacidade empresarial, mão de obra suficiente e adequada e criatividade para gerar tecnologia agrícola e industrial, para transformar solo e clima em alimentos e energia.

É aí que eu quero chegar. Em vez de discutirmos apenas a riqueza do petróleo do pré-sal, a 7.000m de profundidade, por que não discutirmos a riqueza que podemos extrair da biomassa, um inesgotável tesouro energético de superfície. A discussão que proponho é a seguinte: seria possível extrair a mesma quantidade de energia do pré-sal, a partir da agricultura de energia? Vou procurar demonstrar que é mais do que possível. A bem da verdade, podemos extrair muito mais energia, mas vou ficar nos limites da energia do pré-sal, que é a discussão do momento.

Premissas
Para demonstrar minha tese, elaborei um modelo matemático para calcular quantos hectares precisaríamos cultivar para extrair a mesma quantidade de energia de biomassa, que obteríamos com a exploração do petróleo do pré-sal. Para tanto, aceito sem discussão as premissas que estão sendo colocadas pelas fontes oficiais, quais sejam:

1. As reservas da área do pré-sal poderiam chegar, na hipótese mais otimista, a 90 bilhões de barris de petróleo. Ninguém arrisca dizer quanto disto seria recuperável. Para evitar qualquer discussão lateral, o modelo assume que seria possível extrair integralmente a estimativa máxima, que é de 90 bilhões de barris de petróleo;

2. No evento de lançamento do marco regulatório do pré-sal, foi afirmado que, em 2020, seria possível extrair 2 milhões de barris/dia (Mb/d) de petróleo do pré-sal (730 milhões de barris/ano – Mb/a). O modelo assume que, no primeiro ano, seriam extraídos 2 milhões de barris / dia (Mb/d) porém, a cada ano, este valor seria incrementado em 3%, até o esgotamento das reservas.

Aceitas estas premissas sobre o petróleo, vamos às premissas da biomassa:
1. Extrairíamos a mesma quantidade de energia que seria obtida do petróleo do pré-sal, porém obtida de cana-de-açúcar, ou de uma combinação de cana-de-açúcar e dendê. O Brasil possui inúmeras outras opções, as matérias primas poderiam ser diversificadas, porém simplificamos o modelo apenas para demonstrar a tese;

2. Da cana é possível extrair, atualmente, bioetanol e, no futuro, uma multiplicidade de biocombustíveis, ainda mais eficientes que o etanol. Do bagaço e da palha de cana é possível gerar bioeletricidade;

3. O modelo assume como conteúdo energético da cana o valor de 7,14GJ/t, correspondendo à energia contida no caldo, na bagaço e na palha. No modelo, este valor é fixo ao longo de todo o tempo - embora seja possível aumentar o teor energético da cana - a fim de evitar imputações de favorecimento da energia renovável;

4. Na mesma linha de ser duro com a energia renovável, o modelo assume que apenas 70% da energia contida na cana seriam efetivamente transformadas em biocombustíveis ou bioeletricidade, no ínicio do processo, prevendo eventuais quebras de safra ou ineficiências de transformação. Entretanto, considerando um horizonte de 50 anos, este valor diminui à metade no final do período, pelos ganhos tecnológicos que evitarão quebras de safra (por fatores bióticos ou abióticos) e pelo ganho de eficiência de conversão de energia;

5. Considera-se a média de produtividade inicial da cana de 100 t/ha, que já é obtida com facilidade pelas lavouras mais modernas. Considera-se um ganho de produtividade variável entre 1,5 e 2,4% ao ano, ao longo do período. Não foi considerada a possibilidade de irrigação, que aumentaria muito a produtividade de cana, para evitar discussões paralelas sobre competição no uso de água;

6. No caso do dendê, o modelo assume um conteúdo energético de 9,24MJ (cascas, bagaço e óleo) e uma produtividade inicial de 25 t/ha, com teor de óleo de 22%, o que está perfeitamente dentro dos valores razoáveis, com a tecnologia comercial disponível. O óleo de dendê seria aproveitado para a produção de biodiesel ou outro biocombustível, enquanto a casca e o bagaço seriam aproveitados para geração de bioeletricidade;

7. Assumiu-se uma perda de 10% na conversão de energia do dendê para biocombustível e bioeletricidade, valor fixo em todo o período, vez que a regularidade das chuvas no trópico úmido torna pouco provável quebras de produção. Para os ganhos de produtividade agrícola e industrial foram assumidos os mesmos valores utilizados para a cana.

Embora não seja possível extrair de imediato o petróleo do pré-sal, nos volumes acima referidos, o modelo assume que isto seria possível, apenas para permitir a comparação com as áreas de produção de cana e de dendê, que poderiam ser implementadas já no curto prazo.

A sequência de algoritmos do modelo prevê:
1. Calcular quantos barris de petróleo seriam extraídos por ano, do pré-sal;
2. Transformar este valor em unidades de energia (GJ);
3. Converter a energia do petróleo em equivalente de energia de biomassa (cana ou dendê), calculando quantas toneladas de biomassa seriam necessárias para obter a mesma energia;
4. Calcular a área necessária para obter o volume de biomassa calculado;
5. Corrigir a área obtida em função das quebras de safra ou ineficiências de transformação.

Resultados
A Figura 1 mostra o que aconteceria se, em vez de extrair petróleo do pré-sal, a sociedade brasileira optasse por produzir a mesma quantidade de energia, a cada ano, obtida integralmente de cana-de-açúcar. Seriam necessários, no primeiro ano, 7,26 milhões de hectares e no ano 51, quando as reservas do pré sal se esgotariam, cultivar-se-iam 10,6 milhões de hectares de cana. A energia obtida desta área equivaleria a extrair 2 Mb/d (ou 730 MB/a) no primeiro ano e 9,03 Mb/d (3.295 Mb/a), no ano 51.

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Figura 1. Área de cana-de-açúcar necessária para produzir a mesma quantidade de energia extraída do petróleo da região do pré-sal.

O leitor pode questionar que da cana não se obtém substituto do petrodiesel. Respondo com três argumentos: primeiro, no curto prazo, existem outros poços de petróleo em operação pela Petrobrás, que forneceriam o petrodiesel; segundo, já existe tecnologia comprovada e eficiente para substituir, parcialmente, petrodiesel por etanol, sem mudanças sensíveis nos motores; terceiro, já existe tecnologia em fase préindustrial, com microrganismos transgênicos, que transformam a sacarose da cana em hidrocarbonetos lineares, saturados, de cadeia média, quimicamente semelhantes ao petrodiesel (que já são chamados de diesel vegetal), e que podem ser utilizados sem mudanças nos motores. O processo de transformação da sacarose para diesel vegetal é mais eficiente que a transformação para etanol, o que significa ganhos de energia, que não foram computados no modelo, para evitar discussões desnecessárias de favorecimento da energia de biomassa.

As Figuras 2 a 4 representam um cenário em que 50% da energia equivalente ao petróleo extraído, anualmente, da região do pré-sal seriam obtidos de cana e 50% de dendê. Pelo exame da Figura 2 verifica-se que seriam necessários, inicialmente, 3,6 milhões de hectares de cana e, no ano 51 (esgotamento das reservas do pré-sal), 5,3 milhões de hectares, para obter energia equivalente à metade do petróleo que seria extraído do pré-sal. Já a Figura 3 mostra a energia obtida com a cultura do dendê, para obter outros 50% de energia equivalente ao petróleo do pré-sal. Neste caso seriam necessários, inicialmente, 9,5 milhões de hectares e, ao final do período, 15,6 milhões de hectares para produzir 50% da energia que seria obtida, anualmente, com o petróleo do pré-sal.

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Figura 2. Área de cana-de-açúcar necessária para produzir 50% da energia extraída do petróleo da região do pré-sal.

Figura 3. Área de dendê necessária para produzir 50% da energia extraída do petróleo da região do pré-sal.

A Figura 4 consolida as duas áreas necessárias (de cana e de dendê), mostrando que, no final do período, quando seria maior a demanda de energia, estaríamos utilizando 21 milhões de hectares, o que significa, aproximadamente, a área cultivada atualmente com soja no Brasil, ou meros 2,47% do território nacional!

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Figura 4. Área total de cana-de-açúcar e de dendê necessárias para produzir o equivalente em energia extraída do petróleo da região do pré-sal.

Discussão
Algumas questões podem ser levantadas, portanto melhor respondê-las a priori. Por exemplo:

- O Brasil dispõe da área necessária para plantar a cana, ou o dendê e a cana, para obter a mesma energia equivalente à do petróleo extraído do pré-sal?

Seguramente dispõe. E ousaria afirmar que não precisaríamos derrubar uma única árvore para tanto, o que atende tanto à determinação do Presidente Lula, quanto a luta das ONGS ambientais, sem falar na pressão dos governos de outros países.

Poderíamos cultivar toda a cana e todo o dendê apenas aproveitando as áreas já antropizadas, de pastagens degradadas, de baixa eficiência. Estima-se que, do total de 170 milhões de hectares de pastagens do Brasil, cerca de 25% se encontram em estágio avançado de degradação, com baixa eficiência produtiva. Melhorando em apenas 25% os índices médios de lotação e de idade de abate do gado de corte (que, diga-se de passagem, não fazem jus ao estado da arte da tecnologia pecuária disponível no Brasil), liberaríamos mais de 40 milhões de hectares de pastagens degradadas. Entretanto, no cenário de maior demanda de área, não precisaríamos nada além de 21 milhões de hectares para produzir a mesma energia que seria extraída dos 90 bilhões de barris de petróleo do pré-sal.

- E os fertilizantes? De onde viriam?

A cana, além de grande fornecedora de energia, também fornece água e fertilizantes. Como o fósforo e, principalmente, o potássio não são exportados, porém permanecem na torta de filtro, nas cinzas e na vinhaça, os nutrientes retornam em grande parte para a lavoura de cana. Temos grandes reservas sub-aproveitadas de fósforo, em diversos pontos do território nacional. Também temos grandes reservas de potássio, que nunca foram aproveitadas. Dispomos de tecnologia para fixar parte do nitrogênio requerido pela cana, através de bactérias endofíticas, sem necessidade de adubação. A renovação dos canaviais, a cada 5 anos, pode ser efetuada com soja ou amendoim, que deixam uma parcela do nitrogênio no solo. O cultivo intercalar de leguminosas com o dendê pode prover outra parte. E, o restante, pode ser obtido a partir da síntese utilizando como insumo industrial as reservas de gás dos atuais poços que a Petrobrás já opera.

- E quais seriam as vantagens de produzir energia de biomassa, ao invés de extrair petróleo?

Vamos enumerá-las:
1. Do ponto de vista econômico, as diferenças seriam pequenas, posto que o mercado se ajustaria aos custos e à demanda. Sob a ótica da arrecadação de impostos, não haveria muita diferença entre obter energia de uma ou outra fonte. Do ponto de vista comercial, estaríamos em linha com as tendências mundiais de uso de energia limpa, portanto um mercado ascendente nos próximos anos.

2. Do ponto de vista ambiental, evitaríamos a emissão de 43 bilhões de toneladas de gás carbônico, resultante da queima do petróleo. Este valor foi obtido utilizando a metodologia desenvolvida pelo Prof. Horta Nogueira (UNIFEI), que demonstrou que o ciclo fechado do carbono dos biocombustíveis produz uma emissão líquida de apenas 9-10% do equivalente em massa de combustível fóssil. No caso da substituição de gasolina por bioetanol, o Prof. Horta Nogueira demonstrou que, enquanto 1.000 litros de gasolina produzem uma emissão líquida de 3.368 kg de CO2, o mesmo volume de bioetanol produz emissões líquidas de apenas 309 kg de CO2. Evitar este fabuloso volume de emissões de gases de efeito estufa representará um privilegiado patrimônio geopolítico para o país, que poderá lançar mão deste crédito em negociações internacionais, acordos sobre energia, comércio ou de outra ordem.

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Figura 5. Emissões de CO2 evitadas, anualmente, com a substituição de combustíveis provenientes do petróleo do pré-sal por biocombustíveis.

3. Do ponto de vista de saúde pública, basta lembrar que a Organização Mundial de Saúde - OMS divulgou recentemente que 3 milhões de pessoas morrem, anualmente, devido aos efeitos da poluição atmosférica, sendo parcela ponderável atribuída aos poluentes liberados pela queima de combustíveis fósseis. A cidade de São Paulo gasta, por ano, US$ 208 milhões com os efeitos da poluição atmosférica sobre a saúde humana. A estimativa considera apenas os custos diretos que a cidade tem com as doenças e mortes causadas pelo coquetel de gases que os paulistanos inalam toda vez que enchem os pulmões. Estudos do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP mostram que poluição atmosférica mata oito pessoas por dia, em média, na cidade de São Paulo. Em dias em que há paralisação do metrô e consequente aumento na concentração de poluentes, ocorrem nove mortes a mais do que nos dias pós-greve. Quem vive em cidades poluídas como São Paulo tem a vida abreviada em 2,5 anos. Todo este sofrimento humano poderia ser evitado com o uso de biocombustíveis, eliminando os particulados emitidos pelos combustíveis derivados de petróleo.

4. No tocante à geração de empregos, diversos estudos podem ser citados. Primeiro, um estudo da Embrapa demonstrou que uma lavoura de dendê de 5 hectares gera renda suficiente para atender, com dignidade, as necessidades de uma família. Supondo que a família se componha de 4 pessoas, na média dos 50 anos de duração das reservas do pré-sal, seria possível gerar renda para um conjunto de mais de 10 milhões de cidadãos. Em relação à lavoura de cana, o Prof. José Goldemberg, da USP, demonstrou que, por unidade de energia produzida, a produção de bioetanol, em comparação com as cadeias de carvão mineral, hidroeletricidade e petróleo necessita, respectivamente, de 38, 50 e 152 vezes mais mão de obra. O prof. Leal, da Unicamp, refere que, durante a vida útil total de um veículo (15 anos), é necessário 6 vezes mais mão de obra caso se utilize a mistura de 24% de bioetanol na gasolina, ou 21 vezes mais, quando se utiliza 100% bioetanol, comparativamente ao mesmo veículo movido exclusivamente a gasolina. Estudos da ÚNICA e do MAPA (2004) mostraram que, para cada milhão de litros de etanol produzidos, foram gerados 37 empregos diretos no campo e, para cada emprego direto, entre 1 e 3 empregos indiretos. Baseados nestes números, seriam gerados mais de um milhão de empregos diretos e mais de 2 milhões de empregos indiretos, considerando apenas a cadeia do bioetanol (no cenário com 50% da energia obtida da cana). Caso toda a energia seja obtida da cana, seriam 2 milhões de empregos diretos e 4 milhões indiretos. Enquanto isso, de acordo com o Prof. Goldemberg, o petróleo do pré-sal geraria apenas e tão somente 12.000 empregos diretos e 24.000 indiretos. Estes números nos obrigam a pensar na empregabilidade dos nossos filhos e netos e posicioná-la na discussão do pré-sal.

5. A cada 5 anos é necessário renovar o canavial. A cultura de dendê permite intercalar cultivos, até o terceiro ano. Nesta condição, teríamos o bônus de aumentar a produção de alimentos em 15-20%, sem expandir a área cultivada, favorecendo, especialmente, a agricultura familiar.

6. Finalmente, e de extrema importância. Estamos no ano de 2061 e as reservas de petróleo do pré-sal acabaram. Porém, a demanda de energia no Brasil e no mundo continua crescendo. Como atendê-la? No caso do petróleo, não sei responder, a não ser reafirmar que não acredito que a sociedade mundial continuará com a atitude suicida de empestar a atmosfera queimando energia suja, até a metade deste século. Entretanto, no caso da biomassa tenho a resposta pronta: continuaremos produzindo cada vez mais alimentos e mais energia, por séculos e séculos, porque se trata de uma fonte não apenas limpa mas, principalmente, renovável. Os 21 milhões de hectares que foram utilizados por 50 anos para produzir energia, continuarão à nossa disposição para a finalidade que a sociedade lhe destinar. Esta é uma das grandes vantagens estratégicas que devem nortear a reflexão de todos nós.

Entendo o interesse e o frisson em torno do pré-sal, a única grande incorporação de reservas de petróleo do mundo, nas últimas décadas. Entendo, perfeitamente, as razões das companhias petrolíferas – nacionais e multinacionais. Entendo as razões das empreiteiras e de toda a cadeia do petróleo. Entendo as razões dos políticos e de todos quantos defendem a exploração imediata e total desta riqueza.

Entretanto, julgo que, neste momento histórico em que se busca a segunda independência do Brasil, ser necessário analisar as alternativas de que dispomos, de espírito aberto, buscando equilibrar na balança do bom senso, o que é melhor para o Brasil e para o mundo – afinal, também vivemos no mundo. E um mundo melhor - com menos problemas climáticos, com menos problemas de saúde, com mais emprego (e menos criminalidade), com melhor distribuição de renda, com interiorização do progresso, com múltiplas oportunidades para pequenas e médias empresas, com garantia de atendimento da demanda de energia além do horizonte do fim da era do petróleo - interessa a todos.

Não tenho a pretensão de que os números aqui apresentados sejam precisos, menos ainda exatos, pois trata-se de um modelo de simulação matemática. De resto, os números do pré-sal também não são precisos ou exatos. O objetivo deste artigo é mostrar que outro mundo é possível: um mundo com menos poluição, mais emprego, mais renda, mais justiça, provocando uma reflexão do leitor por um ângulo que não lhe havia sido apresentado anteriormente. Feliz do povo que pode escolher entre alternativas, quando o restante do mundo se bate, desesperadamente, por uma solução para a crise energética – mesmo que a solução signifique o aprofundamento do problema.

Como queríamos demonstrar, Deus é brasileiro, sim. Nós, brasileiros, é que precisamos entender, corretamente, os desígnios divinos. E, para entendê-los, melhor não nos bitolarmos e não restringirmos a discussão apenas à pauta que nos é empurrada goela abaixo, buscando uma solução que seja a melhor para todos. E que pode ser até uma combinação entre o que expus acima e retirar apenas um terço do petróleo do pré-sal, impondo um imposto poluição para, através de serviços ambientais, limpar a sujeira causada pela sua queima.

Décio Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, membro do Painel Científico Internacional de Energia Renovável.