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Décio Luiz Gazzoni

Biodiesel na Europa - por Décio Gazzoni


Decio Luiz Gazzoni - 07 ago 2012 - 17:10

Enquanto em 2010 a produção de biodiesel da União Europeia (EU) registrou um aumento de 5,5% em relação ao ano anterior, atingindo o patamar de 9,57 milhões de toneladas, em 2011 houve uma redução em relação a 2010. Até mesmo o aumento verificado em 2010 (6,3%) foi baixo, quando comparado com as taxas de crescimento registradas em 2009 (17%) e 2008 (35%). Os números da produção de biodiesel da UE estão consolidados na Figura 1, na qual o valor para 2011 ainda é extra-oficial, e, obviamente, o valor para 2012 é uma estimativa, ambos indicando retração na produção de biodiesel no continente – uma inversão da tendência de uma década.
 
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Figura 1. Produção de biodiesel na União Europeia. Fonte: EBB, 2011

Em 2010, a Espanha confirmou sua posição de terceiro produtor de biodiesel europeu, à frente da Itália, embora disponha da segunda maior capacidade instalada de produção, somente inferior à Alemanha, a qual juntamente com a França, lidera a produção europeia desde o inicio da série estatística. Embora, nos(anos 90 a maior produção de biodiesel ocorresse na França, a partir do presente século a Alemanha se estabeleceu como o maior produtor europeu e mundial de biodiesel. A produção de biodiesel, discriminada para os quatro maiores produtores, se encontra na Figura 2, com a mesma ressalva de os valores para 2011 serem extra-oficiais e os referidos para 2012 constituírem-se em estimativas. A Tabela 1 discrimina a produção por país da UE, para os anos de 2009 e 2010, que são os últimos para os quais existem estatísticas oficiais definitivas.

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Figura 2. Produção de biodiesel por país da Europa. Fonte: EBB

Lá como cá
A indústria de biodiesel na UE exibe o mesmo fenômeno verificado no Brasil, que é a elevada capacidade ociosa. A utilização da capacidade de produção de biodiesel da UE foi de 44% nos dois primeiros trimestres de 2011, e deve ter encolhido no segundo semestre daquele ano, acompanhando a queda da produção de biodiesel. A Tabela 2 apresenta a capacidade instalada de produção de biodiesel na Europa, por país, para os anos de 2010 e 2011.

Em 2011, a capacidade instalada de produção de biodiesel na Europa cresceu marginalmente (cerca de 1%), ultrapassando 22 milhões de toneladas, e interrompendo um ciclo de euforia iniciado em 2000. Esta base industrial é o resultado de investimentos na produção de biodiesel planejada antes de 2007, quando predominavam objetivos ambiciosos para os biocombustíveis decorrentes das diretivas e dos posicionamentos das autoridades da UE.

De acordo com o European Biodiesel Board (EBB) ocorreu um aumento das importações provenientes de terceiros países, em especial da Argentina e Indonésia, além de importação de biodiesel produzido nos EUA, que chega (ou chegava) à Europa após passar por outros países. O aumento da importação pode ter sido causa da redução da oferta interna. Ou, examinando por outro ângulo, consequência da retração e da elevação de custos, que abriu oportunidades para os importadores suprirem a menor oferta doméstica.

Tabela 1. Produção de biodiesel na União Europeia (milhões de toneladas). Fonte: EBB
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A importante contribuição esperada do biodiesel para atingir o objetivo da diretiva de participação de energia renovável da EU para o setor de transporte, em 2020, foi inequivocamente reconhecido pelos Estados-Membros, nos seus planos de ação nacionais, elaborados ao abrigo da Diretiva Energias Renováveis (RED) 2009/28. De acordo com as previsões dos Estados-Membros, o biodiesel deverá cumprir em torno de 66% da meta de 2020, o que exige a oferta de 24 milhões de toneladas de biodiesel naquela data.

Tabela 2. Capacidade instalada de produção de biodiesel na União Europeia (milhões de toneladas). Fonte: EBB
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Reclamos da indústria
A queixa generalizada da indústria de biodiesel europeia é relacionada à importação de biodiesel, além de queixas difusas quanto a vários percalços regulatórios que, segundo a indústria, não apenas poderiam reforçar a tendência de queda da produção, como apresentam um impacto sistêmico sobre a economia do bloco.

Segundo o setor, os objetivos de 2020 não podem ser inviabilizados por decisões políticas precipitadas. Como um exemplo, o EBB argumenta que os esforços para implementar a Diretiva de Energias Renováveis de 2020 não podem ser prejudicados pelo debate atualmente em curso, sobre produção de matéria prima para biocombustíveis e eventuais impactos na mudança indireta do Uso do Solo (ILUC).

A EBB engrossa a corrente mundial que aponta a falta de robustez econométrica dos modelos que predizem a ILUC. Segundo o Board Europeu, a implementação dos denominados "fatores ILUC" sem uma forte fundamentação científica, que vá além de qualquer dúvida razoável, implicaria em penalizar o setor de produção de biocombustíveis, sem trazer qualquer benefício de sustentabilidade em seu lugar. Particularmente, os produtores europeus estão preocupados com a “barreira ILUC” quando se trata de processar óleo vegetal importado de outros países, posto que o ILUC não prevê criar qualquer incentivo para melhorar as práticas agrícolas nos países produtores, e os industriais europeus não tem controle direto sobre as políticas de uso da terra implementados em países situados fora da UE.

O EBB conclui que não é razoável a UE abrir mão de seus objetivos de emissões para 2020, de mitigação das mudanças climáticas e de segurança energética, considerando o conceito evasivo e questionável do ILUC, baseado unilateralmente em previsões decorrentes de exercícios de modelagem, sem qualquer validação na prática agrícola.

Outro argumento brandido pelos industriais é que o debate sobre o ILUC ignora completamente o fato de que o RED 2009/28 representa um conjunto completo e rigoroso de critérios de sustentabilidade, aplicados à produção de biocombustíveis. Realmente, da forma como o RED foi elaborado, é uma garantia de que só os biocombustíveis com um perfil de alta sustentabilidade possam ser comercializados na UE, o que é uma portentosa barreira aos biocombustíveis que não se enquadrarem nos seus critérios.

Provavelmente visualizando que parte de seus problemas são gestados e incentivados pelo lobby petrolífero, a indústria de biodiesel passou a pleitear igualdade de condições com os combustíveis fósseis. A reivindicação prática é que a contabilidade de Gases de Efeito Estufa (GEE) precisa ser urgentemente revista, levando em consideração todas as emissões relacionadas com extração, transporte e refino, ou seja, ao longo do ciclo de vida. Também pleiteiam que a mudança do uso da terra é uma questão a ser tratadas em nível global, isto é, olhando para todos os setores que têm um impacto sobre uso da terra, incluindo alimentos, e não restrito a biocombustíveis, como ocorre atualmente.

Mais preocupações
A Diretiva de Energias Renováveis 2009/28 constitui o suporte regulatório que alavancou o desenvolvimento da indústria dos biocombustíveis na Europa, a partir da decisão histórica de introduzir a meta compulsória de 10% de energias renováveis no setor de transportes. O investimento na expansão da capacidade produtiva habilita a indústria de biodiesel da UE a atender essa meta. No entanto, os progressos realizados pelos Estados Membros na implementação da RED foram limitados e dispersos, mostrando a necessidade de uma maior harmonização no seio da UE.

Neste particular, a indústria propõe que os esforços sejam intensificados para finalizar a implementação da RED já em 2012, de uma maneira que maximize a operacionalidade do mercado doméstico de biocombustíveis. Nesse sentido, propõem que o reconhecimento mútuo pelas autoridades nacionais dos critérios de sustentabilidade dos biocombustíveis seja a regra única. O reclamo faz sentido, pois a UE já validou sete programas de sustentabilidade voluntários, propostos por diferentes países. O pleito da EBB é que estes programas devem ser os instrumentos para a indústria comprovar a conformidade com o RED.

Outro problema trata da diversidade de interpretações quanto à  implementação da "dupla contagem", que é um mecanismo de incentivo para os biocombustíveis produzidos a partir de resíduos e óleos usados, que envolve muitos meandros burocráticos (ver box). Segundo o EBB, a Diretiva 2009/28 e suas medidas interpretativas não contêm suficiente orientação sobre como a implementação deste mecanismo deve ser efetuada pelos Estados-Membros e como a indústria deve provar ou verificar o cumprimento real de “alta sustentabilidade” por parte desses biocombustíveis.

O entendimento é que o processo é trabalhoso e burocrático e, se não for aplicado de forma coerente e harmoniosa nas legislações dos Estados-Membros, o mecanismo de dupla contagem pode gerar grandes perturbações do mercado de biocombustíveis da UE, distorcendo os objetivos da RED quanto à sustentabilidade dos biocombustíveis.

A principal preocupação da dupla contagem aponta para o risco dos biocombustíveis importados, produzidos de uma forma não compatível com o espírito e as disposições do RED, possam acessar o mercado da EU, em detrimento de biocombustíveis altamente sustentáveis produzidos na Europa, valendo-se do mecanismo de dupla contagem. De acordo com o EBB, esse risco não é virtual, e já começou a se materializar em certos Estados-Membros da UE, embora não tenha sido possível localizar uma descrição de caso que comprove a afirmativa da EBB.

A proposta concreta da EBB inclui dois conjuntos de ações, que deveriam ser urgentemente desenvolvidos pela UE e pelas autoridades dos países que a compõe:
     a. Definir um monitoramento robusto e um mecanismo de rastreabilidade que permita verificar a validade de pedidos de dupla contagem de biocombustíveis, com cobertura em toda a UE;
     b. Esclarecer quais os tipos de biocombustíveis são elegíveis para dupla contagem, em particular, definindo claramente que materiais devem ser considerados como "resíduos".

Distorções comerciais
Há tempos os industriais europeus reclamam do avanço do biodiesel importado sobre o continente. O caso mais rumoroso foi a exportação a partir dos EUA, aproveitando brechas legais, até ser sustada por medidas anti-dumping da UE. Os norte-americanos se aproveitavam do incentivo de até US$1,00/galão do seu próprio país, e ingressavam na UE sem taxas de importação, válidas até B19. Os EUA continuaram a exportar biodiesel para a Europa, através de outros países, como o Canadá e a Índia, em 2010, mesmo após a correção das brechas legais (Figura 3). A partir de meados de 2011, as medidas da EU parecem haver surtido efeito, pois a importação de biodiesel para a Europa se concentrava na Argentina e na Indonésia. (Figura 4).

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Figura 3. Porcentagem de participação dos países exportadores de biodiesel para a UE, em 2010. Fonte: EBB

Em 2010, a UE importou 1,9 milhões de toneladas de biodiesel de acordo com dados do EUROSTAT. As importações foram caracterizadas por aumento do volume provenientes da Argentina e Indonésia. Esta evolução foi confirmada durante o primeiro semestre de 2011, quando a Argentina e a Indonésia representaram, respectivamente, 71% e 27% das importações de biodiesel da UE.

Mas as queixas dos industriais europeus continuam, posto que tanto a Argentina quanto a Indonésia mantem regimes de impostos de exportação diferenciais (DET, na sigla em inglês), que artificialmente incentivam as exportações de biodiesel, ao invés de óleo soja e de palma.

O DET argentino é fortemente distorcido, pois mantêm um grande diferencial entre o imposto de exportação sobre óleo de soja de 32% e a taxa de exportação do biodiesel limitada a 20% (a taxa efetivamente aplicada é de 14,16%). Este conceito também se aplica ao DET da Indonésia.

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Figura 4. Porcentagem de participação dos países exportadores de biodiesel para a UE, no primeiro semestre de 2011. Fonte: EBB

Considerações finais
Atendendo o reclamo do setor, a Comissão Europeia está propondo remover a Argentina e a Indonésia da lista de países que se beneficiam do Sistema Generalizado de Preferências (SGP) da UE. Se for adotada pelo Conselho e aprovada pelo Parlamento, esta proposta sujeita o biodiesel argentino e da Indonésia ao imposto de importação não preferencial de 6,5%, em vez do benefício de um acesso isento de impostos quando exportam para a UE.

Não pode ser olvidado que existe um clima de retaliação à Argentina, após a nacionalização da REPSOL, que era controlada por capitais espanhóis, tudo isto sobre um terreno pantanoso de protecionismo, gestado no seio da crise econômica que assola a Europa há quatro anos. Portanto, se por um lado as medidas propostas ou em discussão podem fechar o mercado europeu para a Argentina, Indonésia e EUA, nada garante que outros países, Brasil entre eles, consigam ocupar este mercado, em virtude de outros mecanismos que se constituem em barreiras, como o ILUC, acima referido.

Box

Dupla contagem para biocombustíveis avançados
Um agente de mercado de biocombustíveis (por exemplo, um distribuidor) pode contar em dobro o volume de alguns biocombustíveis, para cumprir a obrigação de mistura legal. Assim, para que uma empresa tivesse cumprido sua meta legal para 2011, poderia ter operado com mistura média de 2,125 % de biocombustíveis ao invés do padrão estabelecido de 4,25%. O incentivo legal se aplica aos biocombustíveis produzidos a partir de resíduos, óleos usados e materiais lignocelulósicos. Apenas são elegíveis para dupla contagem as matérias-primas que não podem ser utilizadas para:
a.    uma aplicação de maior valor agregado;
b.    que não seja para a geração de eletricidade ou de calor;
c.    para compostagem;
d.    usando a parte ligno-celulósica como forragem para animais.

Caso determinada matéria prima tenha uma das aplicações alternativas acima, deve ser protocolado um pedido de uso alternativo. Face ao pedido, uma análise de mercado é efetuada para provar que há um excesso desse material no mercado, para que ele possa ser considerado elegível para a dupla contagem.

A fim de demonstrar que utilizou biocombustíveis elegíveis para a dupla contagem, as empresas devem submeter relatórios anuais anexos ao relatório sobre a quota obrigatória de biocombustíveis. As informações dos fornecedores de biocombustíveis devem ser acompanhadas por uma “declaração de verificação”, demonstrando haver cumprido as etapas descritas acima.

Os organismos de fiscalização são responsáveis por emitir esta declaração de verificação, que é utilizada para chancelar a dupla contagem de biocombustíveis avançados. Este protocolo inclui regras básicas, procedimentos e diretrizes para a verificação da dupla contagem de biocombustíveis.

O processo de verificação consiste em duas fases. Na primeira fase - de preparação - o auditor reúne todas as informações necessárias do produtor (e, se necessário, de fornecedores) e visita o local de produção. Com base nessas informações, o auditor realiza uma análise de risco e elabora um plano de verificação. A segunda fase consiste na auditoria real e controles aleatórios, com relatórios das tarefas executadas e suas conclusões finais. Se todos os critérios foram cumpridos, o órgão de controle emite uma declaração de verificação, no final do processo.

Décio Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja.
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