A cana do biodiesel ainda está longe

// 28 maio 2009 // Matéria-prima

2nd Biofuels International expo & conference

Durante palestra no 2nd Biofuels International expo & conference

Entre 27 e 28 de Maio estive em Amsterdam no evento Biofuels International Expo & Conference.

A maior parte dos participantes eram da Europa e Ásia, sobretudo da Índia e Indonésia (esse último possui longa tradição de projetos holandeses devido à colonização).

À exemplo do que observei nos EUA durante minha estadia em S. Francisco, no evento World Algae Biofuels Summit (veja mais aqui, aqui e aqui), na Europa, o etanol apresenta uma taxa de crescimento maior que o biodiesel. Vale destacar uma importante diferença entre a visão dos grandes grupos europeus com relação aos norte-americanos. Aqui na Europa, existe um grande ceticismo quanto à viabilidade das tecnologias enzimáticas de transformação de material lignino-celulósico para a produção de etanol. Pelo menos no curto prazo. Os Europeus estão partindo para grandes projetos de cana-de-açúcar na África, na Ásia (Filipinas, Indonésia, etc) ou em estratégias de aquisição de plantas brasileiras de etanol. Sim, os europeus renderam-se à cana! e não é por causa da “caipirinha”…

Aquilo que para nós brasileiros já era lógico há bastante tempo. Com exceção dos escandinavos que ainda preferem apostar na hidrólise da madeira, principal matéria-prima desses países, grupos expressivos da Inglaterra, Alemanha, Holanda e França desfilam fotos e números do etanol de cana do Brasil, bem como nossa logística e experiência de mais de 30 anos de uso automotivo do álcool.

Voltando ao biodiesel, é flagrante o abatimento dos produtores europeus. Mudanças nas políticas de desoneração fiscal (Alemanha), importação de biodiesel da Argentina e EUA, dificuldades na adequação de matérias-primas mais baratas aos processos de transesterificação e às propriedades para clima frio (CFPP, ponto de névoa, ponto de fluidez). Como não se bastasse, existe grande frustação sobre a viabilidade de algumas matérias-primas que há dois anos eram apontadas como “salvadoras” ou “promissoras”. As algas (onde não há sinais de viabilidade comercial para biocombustíveis nos próximos 5 a 10 anos) e o pinhão manso que carece também de muita pesquisa para combate aos problemas de doenças, pragas e produtividade aquém do esperado originalmente. Sim senhores, estamos muito longe da “cana” do biodiesel. Essa realidade é a principal causa do certo abatimento e estagnação da indústria do biodiesel.

Mesmo inovações recentes nos processos de transesterificação tem se mostrado limitadas ao longo de dois ou três anos de experiência prática. Exemplo disso são o uso do ultrassom ou cavitação ultrassônica. De fato, observa-se um aumento de velocidade de reações com essas ferramentas. Porém, qual o custo-benefício disso num cenário de ociosidade operacional? Aplicações de ultrassom permitem o uso de matérias-primas ácidas, mais baratas? Infelizmente, as respostas são negativas para ambas as perguntas.

Mesmo o processo Axens de catálise heterogênea para transesterificação foi uma vez mais criticado aqui no evento de Amsterdam por limitações similares às descritas para o ultrassom, além dos altos custos operacionais.

Com muito respeito e mesmo adoração ao Brasil, como exemplo no assunto biocombustíveis, os europeus alimentam certa esperança que as experiências e a magnitude da agricultura brasileira venham trazer a verdadeira “cana” do biodiesel. Também, que nossa criatividade já demonstrada no uso do sebo e de ácidos graxos de palma para produção de biodiesel venham trazer uma tecnologia mais robusta para transformação de toda matéria-graxa em biodiesel.

Vamos com fé abraçar esses desafios!

Catálogo do biodiesel 2010



5 Comentários em “A cana do biodiesel ainda está longe”

  1. José Inácio Schilling Trein disse:

    Como sou apenas um curioso sobre o tema, sei posso estar “chovendo no molhado”, mas tenho lido algumas coisas que só corroboram o que o Prof. Donato apresenta em sua matéria. Começando pelos processos de produção de etanol a partir de biomassa, saiu em 8 de maio último na Science (um comentário pode ser lido gratuitamente em http://www.sciencedaily.com/releases/2009/05/090507141349.htm)uma matéria que defende a queima da biomassa como ocorre nas usinas brasileiras ao invés da transformação em etanol, por três motivos principais:
    1 – Maior rendimento em energia, afinal a energia contida no etanol produzido é apenas uma fração da presente originalmente na biomassa, sem contar os aportes energéticos para a transformação.
    2 – Com a produção de eletricidade diretamente da queima da biomassa pode-se mover carros elétricos com maior eficiência que os com motores a explosão, especialmente em cidades congestionadas, onde os carros ficam parados e o para-e-anda é constante…
    3 – Concentrando toda a operação de combustão da biomassa em um único lugar (ao invés de disperso em automóveis) pode-se usar o CO2 para produção de algas ou sequestro de carbono por injeção no subsolo.

    Quanto à cana do biodiesel me parece que ainda há um grande caminho a ser trilhado no sentido de alcançar as produtividades da cana e ele me parece bastante promissor. Mas não podemos esquecer que anos de desenvolvimento, levaram a cana a se aproximar de sua produtividade máxima teórica, como muito bem muito bem explica Rogério Cezar de Cerqueira Leite em seu artigo da Ciência e Cultura (FOTOSSÍNTESE E CANA-ENERGIA http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000300002&lng=es&nrm=iso&tlng=es).
    Realmente se lembramos que a cana é uma C4 e que as temperaturas no Brasil ultrapassam com facilidade os 28ºC, ela é uma forte candidata a superprodutividade.
    Neste sentido quanto mais as culturas se aproximam de seu potencial máximo, mais atraente se torna o Brasil, uma vez que temos a maior parte de nosso território com latitudes inferiores a 23º e EUA e Europa nem sequer chegam lá…
    Com isso reforço minha confiança no potencial do nosso país, ainda que o início nem sempre seja fácil ou tão rápido quanto gostaríamos tanto para o biodiesel quanto para o etanol de biomassa. Mas os mais “experientes” lembram como iniciou o Próalcool e podem ver aonde chegamos: ao bioetanol mais competitivo energética, econômica e ambientalmente falando.
    Grande abraço Donato e parabéns pelo Blog
    José Inácio S. Trein – Aluno de Graduação – UFRJ

  2. Marcos Elvas disse:

    Prezado, a cana do biodiesel já existe e atende pelo nome de PALMA. A produção de Alcool no Brasil chega a media de 4500 l/HA. A palma alcança 3500 l/HA de biodiesel, podendo chegar a 5000 l/HA. O problema da palma é que onde temos clima e terra favoraveis ao seu cultivo não temos mercado consumidor proximo, à exceção da Bahia. Fora soja, algodão e sebo de boi todas as demais oleaginosas não tem escala/aptidão para abastecer usinas de biodiesel.Pinhão manso, mamona, girassol, crambe são carta cartas fora do baralho.

  3. Liv Soares Severino disse:

    Excelentes as informações trazidas pelo Donato Aranda sobre o que está em curso na Europa. Em 2007, eu e outros 4 pesquisadores e técnicos brasileiro tivemos a oportunidade de fazer uma excursão técnica por inúmeras instituições americanas ligadas aos biocombutíveis, a convite da Embaixada Americana, o que nos abriu portas que por outro caminho nunca abriríamos.
    As conversas e reuniões que tivemos nos permitiram entender claramente que os Estados Unidos estão tentando fazer etanol de celulose porque é vital que eles tenham um suprimento de combustível líquido produzido internamente e celulose é a única biomassa que ele têm como produzir de forma viável.
    O que eu aprendi e tentei explicar para nossos pares no Brasil, é que a nossa situação é completamente diferente. A gente já tem uma enorme fonte de combustível líquido produzido internamente e não precisamos de etanol de celulose porque o de açúcar é muito mais barato e eficiente. Como o José Ignácio escreveu acima, usar esta biomassa para produzir energia diretamente é muito mais racional do que tentar transformá-la em álcool.
    Fiquei muito feliz em ler o que o Donato Aranda informou que os cientistas europeus são críticos ao etanol de celulose. Talvez a gente no Brasil tenha problema de auto-estima ao não conseguir ter a mesma posição, ou ainda temos o complexo de subdesenvolvimento que nos força a entrar na onda dos Estados Unidos, sem analisar se esta alternativa é boa para a gente também. Minha opinião é de que esta é uma opção boa para eles, não para o Brasil.
    Sobre a abertura dos mercados dos países ricos para o etanol brasileiro, agora captei mais uma coisa. Os europeus não querem abrir o mercado porque são os brasileiros que estão produzindo, mas logo que eles próprios estejam produzindo (na África e Ásia, ou mesmo no Brasil), as portas se abrirão. Não há ingenuidade no bilionário mercado internacional.

    Liv Soares Severino
    Pesquisador da Embrapa Algodão
    Estudante de Doutorado na Texas Tech University
    Lubbock, Texas

  4. Concordo com o Prof. Donato Aranda, infelizmente ainda não descobriram a matéria prima mais adequada técnicamente e econômicamente viável para o biodiesel.
    A previsão de pesquisadores é que somente em 10 a 15 anos isso possa acontecer.
    As oleaginosas que tem alto teor de óleo não são domesticadas, ocorrendo grandes variações genéticas e o melhoramento dessas espécies, demanda tempo e paciência.

  5. João Mário Diniz Cuquejo disse:

    Concordo plenamente com o comentário acima feito por José Inácio Schilling Trein. A queima da biomassa em vez da transformação em etanol, além de possibilitar maior aproveitamento energético, é vantajosa na propulsão de carros elétricos. Considero que a produtividade máxima teórica da cana de açucar é extremamente importante para nosso País, e eventual excedente de produção poderá ser utilizado na produção de pinga com qualidade premium para exportação. Saliento que o consumo de nossa “cachaça” tem aumentado vultosamente no exterior, e a ganância de empresários mal-intencionados tem prejudicado a qualidade de nossa branquinha, pois almejando maior lucro, a produzem com frutas como ameixa, banana etc.
    Sublinho, portanto, a excelência do trabalho desenvolvido pelo mestre donato.

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