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Opiniões

RenovaBio, uma boa ideia


Folha de S.Paulo - 01 dez 2017 - 11:20

Alguém que costuma acertar não acerta sempre. Isso vale para todos: artilheiros, físicos e economistas. Há alguns meses acompanhamos com interesse o esclarecedor debate na mídia, na qual Ruy Fausto e Samuel Pessôa analisaram em artigos sucessivos as políticas econômicas dos governos tucanos e petistas. A meu ver, a clareza e a consistência de Pessôa foram notáveis e colocaram Fausto na lona.

Entretanto, o mesmo Pessôa escorregou, em sua coluna "RenovaBio, uma má ideia” sugerindo que bastaria elevar a Cide (Contribuição de Intervenção de Domínio Público).

O RenovaBio foi proposto no fim de 2016 e vem sendo discutido em diversos eventos, com amplo debate. Foi concebido sob a liderança do Ministério de Minas e Energia, com relevante suporte técnico da Embrapa e do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, entre outras instituições. De forma praticamente unânime, a comunidade acadêmica que acompanha o cenário energético brasileiro, particularmente em relação à necessária evolução da matriz energética no sentido da sustentabilidade, considera o programa uma boa ideia e se preocupa com a demora do governo em colocá-lo adiante.

O CBio ou crédito de descarbonização, pedra angular do RenovaBio, é semelhante à carbon tax, muito diferente da CIDE-combustíveis. Esse tributo foi criado em 2001, visando assegurar recursos para investimento em infraestrutura de transporte, projetos ambientais e subsídios ao transporte de combustíveis.

No entanto, tem sido estabelecido de forma opaca, chegando a ser zerado em 2012. O CBio não é um tributo, não vai para o Tesouro, é de outra natureza. Foi inspirado no Renewable Identification Number (RIN), adotado nos Estados Unidos desde 2005 para assegurar que as distribuidoras de combustível cumpram as metas da política americana de estímulo ao uso de biocombustíveis, que vem dando certo, e até mesmo o governo retrógado de Trump manteve.

O RenovaBio também adotou conceitos do Low Carbon Fuel Standard, introduzido com sucesso na Califórnia em 2007. Programas similares foram adotados posteriormente no Canadá e na União Europeia.

Ao estabelecer que as distribuidoras de combustíveis fósseis comprem CBios emitidos por produtores de biocombustíveis, de acordo com sua eficiência ambiental, segundo regras claras e coerentes, o RenovaBio proporciona uma compensação aos produtores de energia renovável e menos poluente pelos produtores ou importadores de combustíveis poluidores, em níveis capazes de atender metas de redução de emissões de carbono.

Os valores do CBio ainda serão definidos, depois de um período de monitoramento do mercado, devendo afetar de modo marginal os preços dos combustíveis, elevando o preço dos derivados de petróleo e podendo reduzir o preço dos biocombustíveis.

É de fato uma proposta moderna e bem desenhada, que deverá ainda ajudar a reduzir a sonegação fiscal que tanto prejudica o mercado de combustíveis. Essencialmente, o CBio é uma transferência intersetorial, pautada pela eficiência energética e ambiental.

O Projeto de Lei do RenovaBio valoriza o uso da bioenergia, na forma de etanol, biodiesel, bioquerosene, biogás e, indiretamente, bioeletricidade; portanto, estimula a agroindústria associada a esses produtos.

Entretanto tem alcance muito maior, contribuindo para a qualidade ambiental, para o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil na redução de emissões de carbono, para a evolução tecnológica e a eficiência da agroindústria, para a geração de empregos e renda, de forma regionalmente distribuída, entre outros aspectos.

Esses impactos correspondem às conhecidas externalidades positivas da bioenergia em relação às energias fósseis, que justificam e reforçam a necessidade de promover seu desenvolvimento.

A eficiência e racionalidade do setor energético, em um amplo sentido, não decorrem apenas das forças do mercado. Políticas públicas, balizando decisões e medidas governamentais, suficientemente discutidas e ajustadas, como esta, são imprescindíveis.

Luiz Horta Nogueira é pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp e foi diretor da ANP entre 1998 e 2004.